Buenos Aires, agosto de 2010

Companheiras e Companheiros.

Em primeiro lugar quero trazer-lhes a saudação fraterna e combativa da Direção Nacional de meu partido – o Partido dos Trabalhadores.

O PT, junto com o Partido Comunista do Brasil e o Partido Socialista Brasileiro, membros do Foro de São Paulo, e outros partidos estamos mobilizados, neste momento, para a eleição de nossa companheira Dilma Rousseff à sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência do Brasil.

Vamos dar continuidade à grande transformação pela qual vem passando o Brasil desde 2003.

O Brasil mudou e vai continuar mudando.

Meu país retomou o crescimento econômico, depois de um longo período de estagnação. Os dados a respeito estão na mensagem encaminhada pelo presidente Lula, que registra que foi um crescimento econômico diferente, pois se fez com forte distribuição de renda. Em oito anos foram criados 14 milhões de empregos formais. Mais de trinta milhões de homens e mulheres deixaram a situação de miséria ou de pobreza e acederam à classe média.

Conseguimos controlar a inflação e diminuir consideravelmente a dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto. Reduzimos nossa vulnerabilidade externa. O Brasil não mais depende do FMI e passou da condição de devedor à de credor internacional.

Conseqüência importante de nossa política econômica foi a formação de um grande mercado popular de bens de consumo, que deu especial dinamismo a nossa economia. Graças a ele, o Brasil foi um dos últimos países a serem atingidos pela crise econômica mundial e um dos primeiros a dela sair.

Todas essas mudanças foram feitas em um clima de expansão da democracia. Há no Brasil a mais absoluta liberdade de imprensa e de opinião.

A sociedade, e os movimentos sociais em particular, tem tido intensa participação na formulação de políticas públicas por meio de dezenas de Conferências Nacionais. O Governo do Companheiro Lula desenvolveu uma política externa soberana e ativa. Privilegiamos a integração sulamericana e latinoamericana e uma aliança com os países do Sul do mundo, especialmente com os da África, com a China e com a Índia. O Brasil manteve nos foros internacionais – OMC, ONU e no G20 – uma atitude de busca da paz, defesa dos Direitos Humanos e de construção de um mundo menos desigual e regido pelos princípios do multilateralismo.

Queremos especialmente uma América Latina e um Caribe integrados econômica e politicamente. Uma zona de paz, onde os conflitos possam ser resolvidos pelo diálogo e pela negociação.

Nesse sentido, saudamos o restabelecimento de relações entre Venezuela e Colômbia. Sabemos que o longo período de insurgência que afeta nossa irmã Colômbia não é só um problema interno daquele país. Ele tem repercussões na situação política de toda a região.

Respeitamos a auto-determinação da Colômbia, mas queremos explicitar a disposição de meu partido – que sei ser a de todas forças progressistas da região – de poder colaborar para a paz neste país irmão. É chegada a hora de cessar as ações armadas, que trazem tanto dano à população colombiana e golpeiam fortemente a própria esquerda daquele país.

Companheiros e companheiras,

Quando nos reunimos pela primeira vez, em julho de 1990, em São Paulo, a situação mundial e de nosso continente era radicalmente distinta da que temos hoje.

Na América Latina ainda nos recuperávamos da longa noite das ditaduras militares. Transições incompletas dificultavam a consolidação da democracia política. Os avanços em matéria de democracia econômica e social eram menores ainda.

Vivíamos sob a tutela do CONSENSO DE WASHINGTON. Suas propostas conservadoras buscaram combater a inflação e todos os desequilíbrios macroeconômicos com medidas que, no entanto, aumentavam o desemprego e a precariedade das condições de trabalho, reduziam a renda dos trabalhadores, debilitavam o Estado fomentando privatizações selvagens, na esperança que o todo-poderoso mercado resolvesse os graves problemas que vínhamos enfrentando.

Engano.

A agenda neoliberal não permitiu retomar o desenvolvimento, como prometia. Ao contrário. Deixou a região mais pobre e mais desigual. Desindustrializou nossos países. Fomentou uma contra-reforma agrária. Aumentou nossa dependência. Pior que isso: os conservadores não foram capazes sequer de resolver o problema que consideravam prioritário – o da inflação e o do desequilíbrio fiscal.

Este país – nossa querida irmã Argentina – foi palco do maior fracasso dessas políticas. Entre 2001-2002, ruiu o plano de convertibilidade que produzira a ficção monetáriacambial que todos conhecemos, arrastando o país para uma crise de proporções inimagináveis.

Foi a coragem e a lucidez da sociedade argentina, especialmente de seus trabalhadores, que permitiu a este grande país retomar o caminho do crescimento e da justiça social que vive até hoje.

Mas as políticas conservadoras não caíram por si próprias. Elas foram derrotadas pela ação dos movimentos sociais e dos partidos progressistas, grande parte dos quais integram o Foro de São Paulo.

Aqueles que por anos – por décadas! – estivemos na oposição, soubemos construir propostas democráticas que ganharam corações e mentes das grandes massas, abrindo o caminho para governarmos a maior parte dos países da América do Sul e outros tantos da América Latina e do Caribe.

Mas nos anos noventa vivíamos também uma outra crise. A crise das idéias e das políticas de esquerda.

A queda do Muro de Berlim, antes de nossa primeira reunião, e a dissolução da União Soviética, pouco tempo depois, marcavam o fim de uma era.

Da mesma forma, os descaminhos das experiências socialdemocratas na Europa naquele período, estreitavam o leque de oportunidades das esquerdas.

É verdade que muitos de nossos partidos já tínhamos um olhar crítico sobre essas duas matrizes desde algum tempo. Mas essa constatação não bastava. Era necessário – e continua sendo – realizar um esforço intelectual e político para repensar nossa realidade e nossos valores. Mudar, sem mudar de lado.

Estou convencido que nas experiências de Governo que estamos levando adiante em nossos países já estão presentes os resultados de nossas reflexões sobre a realidade de nossos países. E estão presentes também indicações para continuar avançando.

Essa renovação política é visível também nos avanços que logramos nos processos de integração continental: a Unasul, o Banco do Sul, o Conselho de Defesa Sul-Americano, a Alba e a Comunidade Latinoamericana e Caribenha (CALC) são prova disso. Essas conquistas não teriam ocorrido se não houvesse um importante número de Governos progressistas na região.

Mas temos ainda muitas tarefas pendentes. Dentre elas a de deixar para as próximas gerações um pensamento político progressista e de esquerda renovado. Um pensamento que não seja apenas, nem principalmente, uma reflexão feita à margem das lutas sociais. Nesta reflexão devem ocupar um lugar central os temas da busca da igualdade social, da afirmação da soberania nacional (e regional) e do compromisso irrestrito com a democracia.

América Latina talvez seja uma das regiões que tenha o maior potencial econômico do planeta, podendo vir a constituir-se em um pólo importante do novo mundo que está nascendo. Mas é também a região mais desigual socialmente. Esse problema não é um “detalhe”. Ele deve estar no centro de nosso pensamento e de nossa ação política. Toda política econômica realmente progressista deve ter como preocupação central a redução das desigualdades e a inclusão social dos milhões que se encontram à margem de nossas sociedades e a criação de oportunidades – de trabalho, educação e cultura – para aqueles que criam a riqueza de nossas nações.

A soberania nacional é inseparável da soberania popular e é compatível com a solidariedade e a integração regionais. Em nome de uma globalização que ninguém nega, não podemos renunciar ao direito de decidir sobre nossos destinos nacionais. A soberania nacional é o primeiro passo para uma integração real de nossos povos sem hegemonismos.

Finalmente, não podemos transigir em relação à defesa e aprofundamento da democracia. Não podemos deixar essa bandeira preciosa na mão daqueles que não têm nenhum compromisso com ela, como o passado nos mostrou. Queremos uma democracia vigorosa. Com eleições livres. Com efetiva liberdade de imprensa e de opinião. Com forte participação popular. A democracia não merece adjetivos. Ela deve ser para nós um modo de vida, uma forma de luta e um objetivo a ser permanentemente alcançado e renovado.

Quero reiterar a saudação do PT a esta reunião do Foro de São Paulo. O grande Carlos Gardel cantou que “veinte años no es nada”. E não é nada mesmo. Aqui estamos – renovados e vitoriosos, por certo – mas com a mesma “febril mirada” com que olhamos nossa América em julho de 1990, em São Paulo e nos dispusemos mudá-la.

Obrigado.

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