Um olhar sobre o Brasil
O Brasil foi destaque nas últimas semanas na grande imprensa internacional. A nacionalização das reservas de gás e petróleo na Bolívia e as declarações do presidente Evo Morales sobre a presença da Petrobras naquele país deram início a todo tipo de ataques às relações diplomáticas entre o Brasil, Bolívia e demais países da América Latina. No entanto, esta pauta foi superada após as primeiras notícias da atuação do crime organizado em São Paulo, estado mais rico do país, sob o controle da facção criminosa PCC.
Outono quente no Brasil
Tucanos acuados
Onda conservadora
Integração latino-americana
Lula pode vencer no primeiro turno
Apoio popular
Confusão entre PSDB e PFL
Ainda o PMDB
Mais um desenvolvimentista na Fazenda
Pacote agrícola
“McCarthy tupiniquim”
Outono quente no Brasil
O Brasil foi destaque nas últimas semanas na grande imprensa internacional. A nacionalização das reservas de gás e petróleo na Bolívia e as declarações do presidente Evo Morales sobre a presença da Petrobras naquele país deram início a todo tipo de ataques às relações diplomáticas entre o Brasil, Bolívia e demais países da América Latina, particularmente aqueles que integram o Mercosul. Analistas conservadores chegaram até a decretar o fim da integração sul-americana. No entanto, esta pauta foi superada após as primeiras notícias da atuação do crime organizado em São Paulo, estado mais rico do país, sob o controle da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). O resultado dos ataques do PCC e da reação da polícia foi a morte de mais de 160 pessoas, dentre policiais, agentes de segurança e civis (inocentes e supostos criminosos). A contabilidade parcial mostra números de uma verdadeira guerra.
A eclosão dos ataques teve início no dia 12 de maio, em repúdio à transferência de 765 presos ligados ao PCC para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. Desde então, o que se viu foi uma série de atentados contra a polícia, o levante em mais de 80 presídios em todo o estado e dezenas de ônibus incendiados. A capital do estado viveu momentos de pânico e a população recolheu-se em suas casas, temendo a onda de violência que se instalou.
O governador Cláudio Lembo, do Partido da Frente Liberal (PFL), afirmou à imprensa que sabia dos ataques do PCC, dias antes dos fatos acontecerem. Lembo assumiu o cargo em março deste ano, em substituição ao governador do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Geraldo Alckmin, que saiu para concorrer à presidência da República nas eleições deste ano.
Baseada nesta informação a Bancada do PT na Assembléia Legislativa entrou com uma representação no Ministério Público Estadual, solicitando investigação de possível acordo entre representantes do Estado com o crime organizado. A Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo também fez uma representação criminal na Procuradoria-Geral de Justiça contra o secretário estadual de Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, e do então secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa. A Associação questiona o atraso dos secretários para avisar os policiais sobre a possibilidade de haver ações criminosas e rebeliões no estado previstas no mês de maio. Nagashi Furukawa pediu demissão do cargo duas semanas após os ataques do PCC.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereceu ajuda federal ao governador Cláudio Lembo, incluindo, além da Polícia Federal, o uso da Força Nacional de Segurança Pública com cerca de quatro mil homens, e as Forças Armadas contra a facção criminosa PCC. O governador paulista, no entanto, rejeitou o apoio.
Em entrevista ao vivo à Rede Globo, no Jornal Nacional, ao ouvir a pergunta do jornalista Willian Bonner – “governador, nós vamos fazer uma pergunta que provavelmente todo brasileiro ou, pelo menos, grande parte dos brasileiros se fez nos últimos dias. Por que motivo o senhor acha que poderia ser pior para a população receber a ajuda federal?”, o governador Lembo, como bem lembrou a psicanalista Maria Rita Kehl, “nos fez recordar a retórica autoritária dos militares: nada a declarar além de ‘tudo tranqüilo, tudo sob controle'”.
Em nota, o governo federal diz que “a única resposta eficaz – ninguém deve duvidar – será aquela embasada no pleno respeito à lei, com inteligência policial, operações associadas, novos equipamentos, recursos orçamentários, salários dignos, integração com a sociedade civil, estreita articulação entre as polícias locais e todos os organismos federais correspondentes. Para surpreender, prender e desbaratar com urgência”.
Para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, esforços isolados para combater o crime organizado são inúteis. Bastos defende a união e uso de serviços de inteligência integrados entre o governo federal e os Estados.
O presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, considera que a situação criada pela onda de ataques violentos em São Paulo causa extrema preocupação, mas não deve ser utilizada política ou eleitoralmente. “Não é hora de entrarmos em disputa política. O importante é controlar esta situação. Por isso mesmo, achamos que o governo estadual deveria aceitar a ajuda que o governo federal está oferecendo”, afirmou o presidente, garantindo ainda que atual “situação é fruto da falência da política penitenciária em São Paulo”.
Já o conselheiro de direitos humanos do Ministério Público, Carlos Eduardo Cardoso, foi mais contundente. Durante uma audiência pública realizada na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, disse que não vê como abordar a questão da violência “sem concluir que tudo isso é resultado da omissão, negligência e incompetência das autoridades estaduais de segurança pública. Ele lembrou que “há cinco anos, São Paulo foi surpreendida pela eclosão de uma mega rebelião em 29 unidades prisionais em todo o estado, a maior do Brasil à época. A rebelião de hoje é muito maior do que aquela e a maior do mundo ocidental”.
O conselheiro de direitos humanos, segundo a agência de notícias Carta Maior, defendeu o afastamento dos “comandantes das polícias e administradores maiores da segurança” dos cargos que ocupam. “Inúmeras vezes, esses mesmos administradores fizeram declarações públicas de que o PCC estava derrotado, que o aparelho do Estado trabalhava diuturnamente com inteligência para isso. Mas não era verdade. Mentiram, enganaram todos nós. E eu falo de omissão e negligência para afastar a hipótese de conivência”, declarou Cardoso.
O secretário de Administração Penitenciária de São Paulo, Nagashi Furukawa, admitiu que o PCC apresentou condições para pôr fim à série de ataques a forças de segurança do Estado e que houve uma reunião entre representantes do governo e o líder da facção, Marcos Willians Herba Camacho, o Marcola; mas negou que tenha havido acordo entre as partes. A suspeita, no entanto, baseia-se na admissão do comandante-geral da PM, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, de que o governo promoveu um encontro entre Marcola e alguns de seus representantes.
O presidente nacional do PT criticou o provável acordo fechado entre o governo do Estado e a facção criminosa PCC para o fim das rebeliões no Estado. “Isso é absurdo”, disse Berzoini. “Chegar a esse ponto significa na prática abrir precedente para rebeliões periódicas, com atentados à sociedade. Se houve negociação, é um escândalo de grandes proporções.”
A atuação do governo do Estado levantou suspeitas não só quanto ao possível acordo, mas também pela demora, por parte da Secretaria de Segurança Pública, em divulgar a lista completa com os nomes e as circunstâncias da morte das pessoas “identificadas”. A dificuldade na obtenção das informações gerou indícios de que a reação da polícia pode ter sido responsável por vários casos de execução, lembrando o antigo Esquadrão da Morte.
Ainda durante a audiência pública na Assembléia Legislativa, o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, segundo a Carta Maior, disse estar estarrecido com a negativa das autoridades em divulgar a lista do mortos. “Não há pretexto que justifique a omissão deliberada do Estado.
As famílias têm o direito de enterrarem seus mortos – bandidos ou não – e a sociedade tem o direito de saber o que está acontecendo, para cobrar responsabilidades, se for necessário. Essa decisão não pode ficar a critério de uma ou duas pessoas. Resolveram não divulgar e pronto?”, disse Mariz. “O Estado matou pessoas, sejam lá quem for e em que condições. E não pode deixar de divulgar isso sob pena de cometer um crime”, completou.
No dia 25 de maio, o governo de São Paulo entregou somente uma parte das informações que a Defensoria Pública de São Paulo havia solicitado sobre os suspeitos mortos pela polícia em conseqüência dos atentados coordenados pelo PCC. Foram divulgados 130 laudos necroscópicos do Instituto Médico Legal (IML). Em 28 desses casos, a descrição foi a mesma: resistência seguida de morte, em confronto com a polícia. Em 20 deles, os tiros fora disparados de cima para baixo. O que pode vir a comprovar execução sumária.
A trajetória do disparo é um dos fatores usados para avaliar se houve abuso policial na ação. Um tiro de cima para baixo pode significar que a pessoa foi atingida quando estava rendida, de joelhos ou no chão. Mas a conclusão sobre o abuso ainda depende de outras investigações e documentos.
A Defensoria Pública vai analisar todos os casos. “Se ficar comprovado abuso policial, será possível o ajuizamento de ações contra o Estado, porque o Estado responde objetivamente pelos atos dos agentes públicos”, diz Pedro Gibert, defensor público.
Tucanos acuados
Ausente e em silêncio durante a semana que se seguiu aos ataques, o candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, foi resgatado pelo jornal Folha de S. Paulo no domingo seguinte. Em artigo intitulado “O inimigo é o crime”, o tucano apresenta um discurso recuado em que afirma que “somos contra os criminosos que nos desafiam”. Para ele, este deve ser o foco da questão. “A crítica ao Judiciário, aos governos, à polícia, ao Ministério Público, à legislação, à desigualdade social, às falhas do sistema educacional, tudo isso pode ser mais ou menos pertinente. Mas é preciso distinguir o essencial do circunstancial. E o essencial é identificar o inimigo. Até para que não se cometam injustiças fazendo baixa sociologia”.
Serra diz ainda que “o uso político ou eleitoral desta guerra só fortalece os bandidos e só compete para solapar o Estado de Direito”. O candidato tucano, contudo, não deixa de dar uma estocada no governo federal ao imputar ao crescimento econômico do país, o qual adjetiva de medíocre, a violência nas cidades.
Para quem pretende governar o estado de São Paulo, Serra, diante do atual quadro da segurança pública nas cidades paulistas, aproveita o espaço na mídia para propor somente o “aumento da pena mínima para crimes praticados contra policiais, procuradores, agentes penitenciários, juízes e promotores, quando no exercício da função, bem como daquela aplicada a quaisquer desses servidores quando flagrados em associação com criminosos”.
O tom do texto de José Serra é de quem sabe que tem responsabilidade na crise da segurança pública no Estado. O PSDB governou São Paulo por 12 anos e, segundo dados da bancada do PT na Assembléia Legislativa paulista, de 1998 a 2004, deixaram de ser aplicados R$ 1,5 bilhão na saúde e R$ 4 bilhões na educação.
O governo de São Paulo, sob o comando de Geraldo Alckmin – candidato a presidente da República pelo PSDB -, deixou de executar nos últimos cinco anos R$ 615 milhões na área de segurança pública, quando o Estado teve excesso de arrecadação de R$18 bilhões anunciado como grande resultado fiscal.
O candidato tucano, reduziu a verba per capita gasta a cada ano com o sistema penitenciário paulista. Em 2004, foi gasto R$ 1,145 bilhão com a administração e investimentos da rede prisional para uma população carcerária de 109.163 pessoas – uma média de R$ 10.494 per capita ao ano. Em 2005, foi R$ 1,078 bilhão para 120.887 detentos – uma média per capita anual de R$ 8.917. É uma redução de 15% nos dois últimos anos completos de governo de Alckmin.
A redução da verba utilizada nos presídios paulistas agrava os principais problemas que o sistema já enfrenta – principalmente a superlotação de suas dependências. Hoje, há 124.446 presos para 95.645 vagas em todo o Estado. O déficit é de 28.801 vagas. Outro problema comum nas prisões paulistas é o controle de segurança falho, que permite a entrada de telefones celulares, com os quais os presos organizam rebeliões. Com mais dinheiro, seria possível contratar mais agentes penitenciários e comprar sofisticados aparelhos para dificultar a comunicação na cadeia.
O senador petista Aloisio Mercandante, candidato ao governo do estado de São Paulo, aponta ainda que o estado não possui um serviço eficiente de inteligência no sistema prisional, e tão pouco há perspectivas de recuperação dos presos. “Precisamos de parceria entre municípios, estados e a União para combater o crime organizado”, defendeu o petista. Segundo ele, o governo federal aumentou em 74% os recursos para Polícia Federal, que conta hoje com 11 mil homens. “Nos três últimos anos do governo Fernando Henrique Cardoso apenas 54 pessoas foram presas pela Polícia Federal. Nos três primeiros anos do governo Lula 2.971 pessoas foram presas. Só no ano passado foram 750 presos e mais de 320 toneladas de drogas apreendidas”.
De acordo com Mercadante, é possível e necessário investir na formação profissional, motivando e melhorando salários. “Precisamos dotar as forças de segurança pública de instrumentos, com vistas à investigação científica, e para a inteligência policial, que os resultados aparecem com muito mais eficiência. Já a Polícia Civil de São Paulo tem hoje o segundo pior salário do Brasil. A impressão digital é ainda tirada manualmente, pois o sistema não foi sequer digitalizado. Isso tudo prejudica a eficiência e os resultados evidentemente não aparecem”, diz.
“Precisamos ter uma política efetiva de recuperação dos presos e de prevenção da violência. Temos que investir sobretudo em educação, cultura e esporte para a juventude. Temos que dar continuidade nos estudos da nossa juventude e abrir possibilidades no mercado de trabalho. Precisamos na verdade é aprofundar essas políticas preventivas contra a violência”, defende Mercadante.
O episódio dos ataques do crime organizado em São Paulo deverá consolidar a questão da segurança pública como um dos eixos do debate eleitoral.
Onda conservadora
Para quem teve a oportunidade de percorrer as ruas de São Paulo durante os ataques do PCC, frases como “é preciso jogar uma bomba em cada presídio e acabar com todos de uma vez”, “na época da ditadura isto não acontecia”, “a solução é a adoção da pena de morte no Brasil” eram correntes. O sentimento de insegurança na população era capaz de sugerir apenas medidas de repressão aos “pobres, sujos e malvados”. Como disse a psicanalista Maria Rita Kehl, “já que não temos justiça, por que não nos contentar com a vingança?”.
De toda forma, estas declarações só corroboram a tese de que há uma onda conservadora que permeia toda a sociedade, cuja profundidade e alcance podem ser vislumbrados, por exemplo, no resultado do referendo sobre a comercialização de armas.
O cenário abre espaço para as análises mais bizarras, como a defendida pela articulista Barbara Gancia, logo após os ataques. A colunista do jornal Folha de S. Paulo diz que é preciso lembrar que, embora o presidente Lula fale que o problema da segurança pública começa na educação, “a desigualdade também é fruto da falta de planejamento familiar”.
Segundo Barbara, um estudo nos EUA mostra que o aborto legalizado contribuiu para reduzir o crime em até 50%. A tese é a de que filhos não desejados e/ou de mães solteiras são mais negligenciados e sofrem abusos maiores. Conseqüentemente, têm mais chances de se envolver com a criminalidade. Ou seja, a colunista defende uma visão caricata da tese, segundo a qual uma das causas da criminalidade estaria na pobreza. Para Barbara Gancia, os pobres são potenciais criminosos.
Ou ainda, para setores da intelectualidade que dizem detectar semelhanças perigosas no discurso de líderes do crime organizado com grupos extremistas de esquerda em atuação na América Latina. Segundo a antropóloga Alba Zaluar “a retórica política de grupos de extrema esquerda da Colômbia, da Bolívia, do Peru etc. está contaminando esse pessoal, que começou a agir em redes, que não são só interestaduais, mas internacionais ou transnacionais, transestaduais e transnacionais.”
A réplica vem do escritor Moacyr Scliar, ao afirmar que “o PCC não é o PC”. Segundo o autor “o terror urbano desencadeado pelo PCC em São Paulo aponta para numerosos erros: erros no sistema penitenciário, erros na política de segurança pública, erros na questão do controle da droga, principal fonte de renda da bandidagem, erros no relacionamento entre os níveis do poder público. E assinala também um antigo erro da esquerda: a transgressão seria, antes de tudo, um resultado da miséria; mais que isto, uma forma de corrigir os efeitos da má distribuição de renda.”
De acordo com Scliar, “não há dúvida de que a pobreza é um caldo de cultura para a transgressão; mas, uma vez que esta surge, torna-se uma entidade autônoma, um negócio com seus próprios meios e seus próprios fins. Muito diferente da concepção revolucionária dos teóricos comunistas, que falavam em luta de classes, mas luta no sentido mais amplo, abrangendo greves e movimentos de protesto. Em matéria de violência, aliás, os comunistas eram mais vítimas do que vilões, e a história de Olga Benario é disso um exemplo típico. O PC, Partido Comunista, não era o PCC”.
Scliar coloca as coisas no lugar: “obviamente, há ocasiões em que policiais dão uma de bandidos, e ocasiões em que os bandidos parecem justiceiros, mas esta não é a regra e nem deve servir de diretriz para uma política de combate à violência. Que, claramente, comporta duas fases: uma, emergencial, de repressão policial; outra, de longo prazo, de correção das desigualdades e da patologia social de modo geral. Não são excludentes. Excludentes são o PC e o PCC.”
Já Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa, autor do texto “A sedução do crime”, na revista Carta Capital, é feliz ao afirmar que “apesar de umas tantas insinuações de jornalistas conservadores que vêem no Primeiro Comando da Capital (PCC) uma “retórica de esquerda” próxima à da guerrilha sul-americana e mesmo uma “organização comunista”, a gangue nada tem de política”. Defende presos com bordões como “liberdade, justiça e paz” ou “abaixo a opressão” e se diz “braço armado contra a opressão” – mas nunca contra o regime ou o capitalismo e sim contra a administração penitenciária e seus superiores imediatos.
Integração latino-americana
A aparente trégua da mídia quanto à questão da nacionalização das reservas de gás e petróleo na Bolívia deve-se mais à dinâmica de novos fatos que se impõem na conjuntura, do que o arrefecimento das críticas de setores conservadores do país.
No início de maio, o presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou a nacionalização da exploração de petróleo e gás, e ordenou a ocupação dos campos de produção das empresas estrangeiras no país, entre elas a estatal brasileira Petrobras. Após o anúncio da decisão, as tropas do Exército tomaram o controle dos campos bolivianos, segundo o Comando Geral do Exército da Bolívia.
Além da Petrobras, operam na Bolívia as petrolíferas Repsol YPF (Espanha e Argentina), British Gas e British Petroleum (Reino Unido), Total (França), Dong Wong (Coréia) e Canadian Energy. Desde então elas ficam obrigadas a entregar sua produção para a empresa estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), que assumirá a comercialização da produção, definindo condições, volumes e preços tanto para o mercado interno quanto para exportação.
O governo brasileiro emitiu uma nota reconhecendo a decisão do governo boliviano de nacionalizar as riquezas de seu subsolo e controlar sua industrialização, transporte e comercialização. Segundo a nota, este ato é “inerente à sua soberania. O Brasil, como manda a sua Constituição, exerce pleno controle sobre as riquezas de seu próprio subsolo”.
O governo Lula obteve garantias de que não haverá suspensão no fornecimento do gás boliviano. Defendeu os interesses da Petrobras, diferenciando-os dos interesses do país. Sustentou a necessidade da integração continental, impedindo que a situação evoluísse para um conflito que só teria como beneficiário os Estados Unidos e as demais forças conservadoras do continente. E alertou para o fato de que, na origem imediata da crise, está um acordo patrocinado pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que não previu alternativas para uma situação como essa.
A repercussão no Brasil da decisão de Evo Morales gerou violentos ataques à política externa do governo Lula. Em cada passo da diplomacia brasileira, a mídia alimentava o seu placar com análises sobre quem perdeu e quem ganhou na negociação. Evidentemente o governo brasileiro sempre saía em piores condições na visão da imprensa e da oposição.
Evo Morales, contudo, em certa medida contribuiu para o acirramento dos ânimos da oposição brasileira. Provavelmente premido pela oposição interna e pela necessidade de garantir a maioria de votos nas eleições para a Assembléia Constituinte, o presidente boliviano deu várias declarações agressivas contra a Petrobras e contra o Brasil, aumentando desnecessariamente o tom do discurso, facilitando o trabalho daqueles que pretendiam gerar um clima tenso entre os dois países.
Para embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário Geral do Ministério das Relações Exteriores, durante uma palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de acordo com a agência de notícias Carta Maior, a repercussão no Brasil da decisão do governo Evo Morales foi um caso de política interna e não externa. “Houve claramente um esforço da oposição para desconstituir a política externa, considerada um dos pontos altos do governo Lula. Além disso, há um outro esforço em curso, em âmbito internacional, para tentar separar o Brasil da Venezuela”, observou.
O embaixador lembrou que a questão do gás, na Bolívia, é muito mais antiga que o governo Evo Morales. O primeiro acordo sobre o gás boliviano data de 1938. E o acordo para a construção do gasoduto Brasil-Bolívia é de 1993. “Essa relação não foi criada pelo atual governo”, recordou. Inclusive, acrescentou, durante o governo Lula, os investimentos da Petrobras na Bolívia foram muito pequenos. “Não houve aprofundamento da dependência”, garantiu.
Além disso, segundo o embaixador, o contrato com a Bolívia prevê renegociação de preços a cada três meses e há uma cláusula que prevê a reformulação do sistema de preços a cada cinco anos e que, a qualquer momento, uma das partes pode propor revisão dos preços. Assim, observou, o governo boliviano estava amparado em termos legais.
Um conflito entre países da América do Sul, neste momento, é sonho da direita brasileira e dos Estados Unidos. Pois colocaria em risco o Mercosul e desarticularia os governos progressistas dos países sul-americanos como Venezuela, Bolívia, Argentina e Brasil.
Durante muito tempo, todo o continente esteve dependente da relação econômica com os Estados Unidos ou a União Européia. Mas não se trata somente de uma união econômica, é uma união política também. A saraivada de críticas é uma tentativa de impedir que tenha curso a aproximação entre os governos de esquerda e progressistas existentes na América Latina. Além do preconceito ideológico, racista e xenófobo.
De acordo com o secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, para a direita a única integração possível é com os Estados Unidos. “A única coisa que esta gente não considera “desastrada” é curvar-se e lamber as botas de quem, hoje, é rico e poderoso. Se os líderes das colônias americanas no século XVIII e os revolucionários chineses no século XX tivessem tido esta postura, os Estados Unidos e a China não teriam a potência que exibem hoje”, analisa.
Lula pode vencer no primeiro turno
O presidente Lula continua liderando a disputa para a eleição de outubro, revelam pesquisas realizadas pelos institutos CNT/Sensus e pelo Datafolha. Os levantamentos indicam que somente Lula aumentou sua intenção de voto entre os principais nomes que postulam a presidência da República. A intenção de voto em Lula subiu de 37,5% em abril para 40,5% em maio. Já o candidato do PSDB, o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, caiu de 20,6% (em abril) para 18,7% (em maio).
Em terceiro lugar aparece o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PMDB), que também caiu, de 15% (em abril) para 11,4% (em maio). E, em quarto lugar, aparece a senadora Heloísa Helena (P-SOL), que subiu de 4,3% para 6,1% no mesmo período. Com estes números, Lula teria mais de 50% dos votos válidos e venceria a eleição no primeiro turno.
Num eventual segundo turno, Lula teria 48,8%, contra 31,3% do candidato tucano. Em abril, a mesma simulação apontava 45% a 33,2%, respectivamente.
O ex-governador de São Paulo e Garotinho também acumulam más notícias em outro item importante da pesquisa: a rejeição. Enquanto a taxa de Lula ficou praticamente estável – de 35,7% para 34,7% -, a rejeição a Alckmin subiu de 33,5% em abril para 40,6% em maio. A rejeição a Garotinho também cresceu: de 50,7% para 60,7%.
De acordo com Ricardo Guedes, diretor da Sensus, a esse nível de rejeição, o ex-governador de São Paulo está praticamente fora da disputa eleitoral. “Verificamos empiricamente na eleição brasileira que quem tem até 35% no índice de rejeição está dentro do jogo político. Quem tem 40% ou mais, está fora”, afirmou.
Na pesquisa Datafolha, o cenário que considera Garotinho como o candidato do PMDB mostra que a diferença de Lula sobre Alckmin, que era de 20 pontos em abril, passou para 22 pontos agora. Este percentual fica dentro da margem de erro, que é de dois pontos percentuais. Lula aparece na pesquisa com 43% das intenções de voto, contra 21% do tucano. Em abril, Lula tinha 40% das intenções de voto e Alckmin aparecia com 20%. O índice de intenção de voto em Garotinho, que era de 15% em abril, caiu para 7% agora.
Se o PMDB não tiver candidato, Lula aparece com 45% das intenções de voto, contra 22% de Alckmin. Se o candidato do PMDB for Pedro Simon, Lula tem 44% das intenções de voto. Nesse último cenário, Alckmin ficaria com 22% e Simon com 2%.
O levantamento mostrou que Lula venceria tanto Alckmin como Garotinho num eventual segundo turno. Contra Alckmin, Lula venceria por 52% a 35% – uma diferença de 17 pontos. No cenário contra Garotinho, Lula venceria por 57% a 24% das intenções de voto.
Apoio popular
As políticas de governo voltadas para as camadas mais carentes da população acabam refletidas do levantamento da CNT/Sensus. Lula tem a preferência de 46,7% dos eleitores que ganham até 1 salário mínimo; e 39,3% entre os que recebem de 1 a 5 salários. O petista também é o preferido na faixa que vai de 5 a 10 salários (31%), e empata com Alckmin no estrato seguinte, e 10 a 20 (24,4% para cada um). O tucano só vence Lula entre os mais abastados, que recebem acima de 20 salários (33,3% a 25%).
O apoio do governo Lula nos setores populares vem de políticas que garantiram, o aumento do rendimento dos trabalhadores, particularmente do salário mínimo, na queda do custo da cesta básica em relação ao nível geral dos preços, na redução da pobreza, no aumento do ingresso dos trabalhadores no mercado formal, e de políticas compensatórias como o Bolsa Família.
Lula da Silva tem a preferência do eleitorado brasileiro em todas as regiões do país, inclusive no Sudeste, onde estão seus principais adversários – o tucano Gerado Alckmin (São Paulo) e o peemedebista Anthony Garotinho (Rio de Janeiro).
Na disputa em primeiro turno, Lula teria 33,2% no Sudeste, contra 23,6% de Alckmin e 9% de Garotinho. O melhor desempenho do presidente continua sendo o no Nordeste, onde ele alcança 58,6% das intenções. Nesta região, o tucano tem apenas 10% e o segundo posto fica com o peemedebista (13%).
Se as eleições fossem hoje, o presidente teria menos votos no Sul (30,7%), mas ainda permaneceria à frente de Alckmin (19,3%) e Garotinho (10,1%). Nas regiões Norte/Centro-Oeste (unificadas na pesquisa), as taxas são, respectivamente, 36,7%, 20,1% e 16,3%.
Lula também venceria, na simulação de primeiro turno, em todas as faixas de escolaridade, inclusive a de nível superior, onde supera Alckmin por 28,8% a 26%. Nesse estrato da pesquisa, as melhores posições do presidente estão entre os que cursaram até a 8ª série de Ensino Fundamental, com índices que variam de 41% a 47%.
Confusão entre PSDB e PFL
Em entrevista a Mônica Bergamo, publicada no jornal Folha de S. Paulo, o governador do estado de São Paulo, Cláudio Lembo, causou espanto ao atacar aliados, elogiar adversários e identificar no comportamento “cínico” da “minoria branca brasileira” a causa estrutural do problema da violência. “O Brasil só acredita na camisa da seleção, que é símbolo de vitória. É um país que só conheceu derrotas. Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa”.
O caos na segurança pública em São Paulo é mais um dos imbróglios a ser enfrentado pelo PSDB. Lembo criticou ainda o ex-governador Geraldo Alckmin, que disse que aceitaria ajuda federal contra as ações do PCC se ainda estivesse no cargo, e o ex-presidente FHC, que atacou negociação entre o Estado e a facção criminosa para o fim dos ataques. Suas declarações geraram reações distintas entre tucanos e pefelistas no Senado.
Os tucanos trocaram José Serra, considerado por muitos analistas, do ponto de vista eleitoral, o melhor candidato, pelo ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Talvez, por ironia do destino, o mesmo aconteceu na definição da vice-candidatura do tucanato. O PFL optou pelo senador José Jorge, PFL de Pernambuco. Enquanto Alckmin viu cair por terra aquele que mantinha preferência, o senador José Agripino Maia, PFL do Rio Grande do Norte. E, como se não bastasse, viu exposto o seu calcanhar de aquiles: a segurança pública no estado de São Paulo.
Ainda o PMDB
O vai-e-vem continua no Partido no Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). A novidade agora é a possível candidatura à presidência da República do senador gaúcho Pedro Simon. Segundo informações da imprensa, o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, seria o candidato a vice na chapa. O ex-presidente Itamar Franco, o outro pré-candidato do PMDB, deverá renunciar à sua pré-candidatura em apoio a Simon.
O PMDB tem mostrado muita dificuldade para definir a composição eleitoral. No início de março, o partido dividia-se entre os que defendiam uma candidatura própria à presidência da República, os que defendiam apoiar a candidatura de Lula e os que defendiam que o partido não tivesse candidato. Uma prévia interna deu maioria para a candidatura do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Mas setores do PMDB seguiram defendendo outras alternativas. Em seguida, o ex-presidente da República Itamar Franco apresentou-se como possível pré-candidato do partido à presidência.
No dia 13 de maio, os peemdebistas realizaram uma convenção extraordinária para definir se manteriam candidatura própria ou não. Por 351 a 303 votos, partido desistiu da candidatura.
A desistência do PMDB em ter candidatura própria favorece o cenário petista, pois a disputa fica polarizada entre o presidente Lula e o pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Com a saída de Garotinho, Lula tem chances de vencer já no primeiro turno. Garotinho ocupa, atualmente, a terceira colocação nas pesquisas de intenção de votos -lideradas por Lula petista, seguido pelo tucano.
Os derrotados na convenção do dia 13 disseram que insistirão na tese da candidatura própria até 11 junho, data da convenção partidária. A exigência da verticalização das alianças, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), faz com que a maioria dos peemedebistas trabalhe para que o PMDB não tenha candidato a presidente e, assim sendo, fique livre para definir as candidaturas regionais com vários partidos.
Mais um desenvolvimentista na Fazenda
Um dos maiores críticos da política monetária do Banco Central, o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), é o mais novo integrante da equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A nomeação coloca o olhar produtivo no centro da política econômica, pois cabe à Secretaria de Política Econômica do ministério, cargo que ocupará, a formulação teórica das diretrizes seguidas pela Fazenda.
Com a indicação, o ministro dá uma clara sinalização de que sua pasta estará mais alinhada com as demandas do setor produtivo. A escolha de um economista ligado à indústria para o cargo marca o “desenvolvimentismo” que Mantega tenta imprimir à Fazenda desde que assumiu. E ainda sugere o tipo de alianças políticas estratégicas que o governo planeja para a eleição e um eventual segundo mandato do presidente Lula.
O tomo progressista da indicação agradou trabalhadores e empresários, “desenvolvimentistas” de fora do governo. “Pode ter sido uma escolha para ter um equilíbrio na equipe econômica, que só tinha monetarista”, disse o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício.
O novo secretário tem pelo menos um problema de curto prazo pela frente: ajudar no estudo da adoção de medidas cambiais, frente à baixa cotação do dólar.
Pacote agrícola
O governo federal anunciou o pacote agrícola que beneficia a pequena agricultura familiar. O Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou o perdão de parte da dívida contraída pela agricultura familiar na safra 2005/2006, no valor de R$ 400 milhões. Além disso, o governo anunciou o valor do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf) para a safra 2006/2007, R$ 10 bilhões, 11% a mais que no ano passado.
O governo também vai renegociar até R$ 10,6 bilhões em dívidas dos produtores rurais, reduzir os juros cobrados em algumas linhas de investimento, adiar por 180 dias o registro de inadimplentes na dívida ativa da União e aumentar em R$ 2 bilhões o volume de recursos destinados aos financiamentos para capital de giro com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e também o prazo desses empréstimos. Além disso, o pacote de socorro ao setor, incluiu R$ 50 bilhões em créditos para a nova safra.
Com estas medidas, entre dinheiro novo, dívida prorrogada, recursos do Orçamento e privado, o pacote envolverá R$ 75 bilhões à agricultura empresarial e à familiar.
O pacote agrícola prevê também a adoção de mecanismos que atacam uma questão central da crise – a falta de planejamento público e dos próprios ruralistas -, numa tentativa de impedir que o setor volte a pedir socorro oficial. O pacote contém medidas que estimulam os produtores a guardar dinheiro. “Temos que prever as vacas gordas e as vacas magras”, defende Guido Mantega.
“Temos de incentivar nossos agricultores a poupar quando entram mais recursos, em vez de investir”, completa Júlio Sérgio Gomes de Almeida.
“McCarthy tupiniquim”
“É surpreendente a decisão da Rede Globo de não renovar o contrato com o jornalista Franklin Martins no exato momento em que este profissional está sendo alvo de uma abjeta campanha de difamação por parte do McCarthy tupiniquim, Diogo Mainardi”. Com esta declaração, o jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, inicia o texto “O achincalhe lugar do debate sobre a mídia” sobre a não renovação do contrato do comentarista político Franklin Martins com a emissora.
Em abril, um artigo da revista “Veja” citou que Martins teria usado seu prestígio para garantir a nomeação de parentes (irmão e mulher) em cargos públicos. Em seu site, o jornalista negou ter interferido nas indicações e chamou Diogo Mainardi, autor do texto, de “difamador”.
De acordo com a Rede Globo, “a emissora não fará outros comentários mas acrescenta que a não-renovação não tem qualquer relação com colunas de Diogo Mainardi”.
Para Dines, “a mais poderosa empresa de comunicação brasileira abdica publicamente dos critérios de seleção de seus quadros, delega-os a uma empresa concorrente, a Editora Abril, e consagra de forma ostensiva o jornalismo de chantagem batizado em 1960 de “imprensa marrom”.
Ainda segundo Dines, a nota da emissora “significa justamente o contrário: a Rede Globo manda dizer ao distinto público que é, sim, sensível ao sistema de achincalhes institucionalizado pelo semanário de maior tiragem do Brasil”.
“O caso do afastamento de Franklin Martins da Rede Globo não pode ser encerrado com aquela nota oficial. Transcende à emissora e às suas razões. O método de linchamento mainardiano não pode ser oficializado e convertido em substituto da observação e do debate sobre a mídia”, observa Dines.