Longa curitibano, que estreou no último sábado (14), traz reflexão sobre o genocídio; produção começou em 2018 e se soma às manifestações de denúncia contra os crimes de guerra 

Documentário brasileiro retrata cotidiano e resistência do povo palestino
Jihad Mohamad Habas, em “Notas sobre um Desterro”. Crédito: Gustavo Castro

Neste final de semana, em dezenas de cidades mundo afora foram realizados protestos de solidariedade à população palestina e com pedidos de cessar-fogo e por negociações de abertura de uma passagem no sul da Faixa de Gaza. O movimento internacional de apoio à Palestina reuniu milhares de pessoas nas ruas de locais como Londres, Paris, Barcelona, Bruxelas e Santiago. 

No Brasil, foram organizadas manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, que tiveram como mote a pressão para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rompa relações diplomáticas e comerciais com Israel. Há um abaixo-assinado circulando. 

O presidente Lula é considerado um aliado histórico da causa e, desde outubro de 2023, com o estopim do massacre, se declarou contrário às ações de Israel na região e declarou, mais de uma vez, que o que está em curso é um genocídio, denunciando o alto número de mortes, principalmente, de mulheres e crianças.

De acordo com a última contagem informada pelo Hamas, já são mais de 55 mil mortes, sendo mais da metade de mulheres e crianças. O número de feridos ultrapassa 127 mil. Além disso, os sobreviventes na região estão em estado de calamidade. Israel utiliza a tática da fome como arma, o que é considerado um crime de guerra. As plantações estão destruídas, não há condições de cultivo de gado, além do controle das fronteiras para entradas de ajuda humanitária.

Interceptados por forças israelenses recentemente, os ativistas que estavam a bordo da Flotilha da Liberdade também marcaram presença nos atos. O brasileiro Thiago Ávila participou em São Paulo e Greta Thunberg em Estocolmo.

Documentário brasileiro retrata cotidiano e resistência do povo palestino
Ato de apoio à Palestina em São Paulo. Crédito: Guilherme Jeronymo / Agência Brasil

Notas sobre um Desterro

“Não falta mais nada acontecer para que ele rompa relações diplomáticas com Israel”, opina o cineasta Gustavo Castro, que lembra do comprometimento do presidente com o assunto desde sua aproximação com Yasser Arafat.

O cineasta curitibano é diretor do longa Notas sobre um Desterro, que estreou no Festival Olhar de Cinema, em Curitiba, no último sábado (14). Com filmagens realizadas em 2018, na Cisjordânia, o documentário nasceu da ideia de registrar o cotidiano do povo palestino e suas diversidades, mas acabou tomando um corpo ainda mais político, após o início dos ataques àquela região em 2023.

Segundo o diretor, o filme acontece em três tempos: atual, da viagem e o histórico. A pesquisa encontrou registros do final do século XIX do fotógrafo francês Félix Bonfils, um dos primeiros a retratar o Oriente Médio, e contou imagens cedidas pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente, a UNRWA.

Castro destaca a parceria com o produtor Rafael Oliveira, que esteve nas filmagens que duraram 30 dias, com a roteirista e produtora Juliana Sanson, sua sócia na Fabulário Filmes, e Ticiano Monteiro, roteirista que assina a montagem.

“A gente começou a entender que para se aprofundar mais no tema e para realmente dizer o que a gente gostaria que o filme dissesse, precisaríamos de uma reflexão maior sobre aquelas imagens, daí decidimos fazer o filme em primeira pessoa, um filme ensaio. Uma análise sobre o que foi filmado também”, afirma o diretor. 

Documentário brasileiro retrata cotidiano e resistência do povo palestino
Criança samaritana no topo do Monte Gerizim. Crédito: Gustavo Castro

Como personagens, o filme traz, dentre outros, alguns membros da família de Ualid Rabah, presidente da Fepal, a Federação Árabe Palestina do Brasil, uma das principais vozes no país de denúncia e estudos políticos sobre a região. 

“A resiliência do povo palestino trancende qualquer razão”, comenta Castro. Ele cita a família de Rabah como um exemplo, já que possuem dupla nacionalidade e, mesmo assim, permanecem ali por uma ligação profunda com aquele território e seus ancestrais.

O diretor lembra que, durante o período de filmagens na região, esteve também do outro lado do muro, em Israel, e ficou impressionado com o funcionamento normal das atividades do país, enquanto em Gaza havia um forte bloqueio e cerceamento de qualquer liberdade. “É um apartheid muito eficaz”, opina.

O filme está inscrito em mais de 30 festivais e deve seguir nesse circuito no próximo período. Gustavo Castro afirma que, por conta da temática, há possibilidades também de organizar exibições em grupos de discussão, em especial no âmbito do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino, articulação em que o coletivo está inserido na capital paranaense.