Diante da CPI, o tenente-coronel Mauro Cid não consegue livrar a cara do ex-presidente, mesmo se negando a responder às perguntas e às fartas provas de seu envolvimento com a tentativa de golpe em 8J

Brasília (DF) 11/07/2023 Depoimento para CPMI do golpe do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante-de-ordens do então presidente Jair Bolsonaro.Foto Lula Marques/ Agência Brasil.

Escudado em um habeas corpus concedido pela Justiça, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid compareceu à CPI dos Ataques à Democracia e não respondeu a nenhuma pergunta de parlamentares. O esforço do tenente-coronel, que está preso e ainda assim compareceu fardado, não foi suficiente para derrubar o seu próprio envolvimento e de Jair Bolsonaro nos ataques às sedes dos Três Poderes da República, em 8 de janeiro.

Mauro Cid tentou, em vão, não se comprometer diante das inúmeras provas e indícios reunidos pela Polícia Federal sobre seu envolvimento direto com a tentativa de Golpe de Estado. A cada pergunta, ele repetia o mantra de que não iria responder porque não podia produzir provas contra si mesmo. O tenente-coronel preferiu o silêncio covarde até mesmo quando a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) perguntou a sua idade. A tentativa de proteger o ex-capitão do Exército de nada adiantou. “O senhor assume para si toda uma culpa que a gente sabe que tem alguém por trás, que seria o principal interessado nesse golpe, que é o ex-presidente Jair Bolsonaro”, disse Rogério Correia (PT-MG).

O deputado federal lembrou que, no celular de Cid apreendido pela Polícia Federal, foi encontrada uma minuta golpista de decretação da garantia da lei e da ordem (GLO), de estado de defesa e de estado de sítio para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro. E que esse documento estava com a última página encoberta para não mostrar quem o assinaria.

“Ora, quem poderia assinar a garantia da lei e da ordem e o estado de sítio? O então presidente Jair Bolsonaro. É esse o nome que estava lá. A pergunta que eu faço é se Bolsonaro já tinha assinado a GLO, deixado assinado, ou se lá constava apenas o nome dele”, indagou Correia. Como Mauro Cid, mais uma vez se recusou a responder, Correia o alertou: “O silêncio do senhor pode acobertar o Bolsonaro, mas não vai livrá-lo da prisão”.

A presença dos filhos do ex-capitão do Exército — o senador Flávio ZeroUm Bolsonaro (PL-RJ) e do deputado federal Carlos ZeroTrês Bolsonaro (PL-SP) — parece não ter trazido o conforto ao depoente. Mauro Cid permaneceu com o semblante crispado, cerrando os dentes diante de perguntas incômodas e claramente seguindo uma linha de defesa jurídica para não se incriminar ou ao ex-capitão, a quem parece seguir com lealdade canina. Mas é justamente a proximidade com o ex-presidente que torna a situação do tenente-coronel difícil.

Na sessão da CPI, o deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT-MA) lembrou que a lista de crimes cometidos pelo faz-tudo de Bolsonaro é longa, incluindo fraude em cartão de vacinação, o que motivou sua prisão. “É incrível como, onde havia um malfeito do Bolsonaro, lá estava Mauro Cid”, ressaltou. “Rachadinha, joia, vazamento de inquérito sigiloso, lá está Mauro Cid. Milícias digitais, lá está Mauro Cid. Fake news, lá está Mauro Cid. Atos antidemocráticos, lá está Mauro Cid”, prosseguiu. 

Ao fazer uma declaração no começo da sessão, Cid acabou por implicar ainda mais Bolsonaro, na percepção de Rubens Jr. “Duas passagens, na fala inicial dele, merecem a atenção de todos nós. Em uma, ele diz: ‘Não estava na minha esfera de atribuições analisar as propostas, projetos ou demandas trazidas’. E o que ele fazia com essas demandas que ele recebia? É a segunda parte da fala inicial dele que merece registro. Ele encaminhava para os setores competentes”, frisou Pereira Júnior.

E quem seriam os setores competentes? O deputado esclareceu: “Ele encaminha sabe para quem? Para o ex-presidente, agora inelegível, Jair Bolsonaro. Essa era a tarefa dele. Pegar as informações e repassar para o presidente. Segundo ele, sem sequer apreciar”.

Durante a audiência, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) exibiu um vídeo em que Bolsonaro afirmava textualmente que Cid era um homem de sua total confiança. “O vídeo é mais do que suficiente, ele é autoexplicativo, vossa senhoria era responsável por todas as operações e era o chefe do comando das ordens do presidente Bolsonaro”, destacou. Carvalho lamentou que Cid tenha decidido comparecer à CPI com sua farda do Exército, “envergonhando a instituição”, e ressaltou alguns dos crimes que, não restam dúvidas, foram cometidos pelo tenente-coronel.

O parlamentar se disse especialmente chocado com o áudio em que o advogado Ailton Barros, amigo de Bolsonaro, disse saber quem eram os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. “Por que não denunciou o advogado Ailton, que disse que sabe quem matou Marielle? Essa pessoa circulava em todos os ambientes do Palácio do Planalto, em todos os anexos e diz que sabe da coisa toda. O senhor sabe quem matou Marielle?”.

Mauro Cid chegou à CPI protegido por uma decisão da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), que lhe deu o direito de não responder perguntas que pudessem incriminá-lo, mas o obrigava a esclarecer outros assuntos. Como ele claramente descumpriu a ordem da ministra, permanecendo silente  em todas as perguntas, o presidente da CPI, deputado Arthur Maia (União-BA), anunciou que vai oferecer denúncia contra Cid ao STF, uma vez que ele claramente estava desrespeitando decisão da Corte.

“A ministra do Supremo (Cármen Lúcia) determinou que, aquilo que não o incriminasse, ele tinha a obrigação de responder, uma vez que ele não está aqui apenas como depoente, mas como testemunha. Cabe, obviamente, a esta CPI tomar as medidas cabíveis”, apontou. •

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