O governo Lula retoma a CEITEC, empresa de tecnologia criada nos anos 90, que Bolsonaro queria enterrar. O Brasil precisa instalar um polo de produção de semicondutores com escala adequada para ocupar uma parcela do mercado nacional e da América Latina

Uma ousadia necessária
  • Adão Villaverde e
    ** Miguel Rossetto

Em 9 de abril de 1941, o presidente Getúlio Vargas assinou o decreto para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional. A CSN foi a primeira produtora de aço plano no Brasil, o que viabilizou a implantação da iniciante indústria nacional, base para o atual parque industrial brasileiro. Em meio a um conflito global, Getúlio Vargas teve a audácia estratégica necessária para aproveitar a condição histórica. Poucos hoje duvidam do seu acerto, e muitos reconhecem o seu feito.

A partir daí o Brasil organizou instituições importantes de ensino, pesquisa e uma infraestrutura — energia, estradas, telecomunicações — que permitiu a construção de um parque industrial potente, capaz de abastecer, em grande medida, a sociedade brasileira em rápida urbanização.

A CEITEC – Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada – é parte deste esforço. Projetada como parte integrante do Plano Nacional de Microeletrônica do Brasil, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 (FHC e Lula), a CEITEC, empresa pública nacional criada em 2008 e localizada no Rio Grande do Sul, se constitui até hoje na única do país e da América Latina com capacidade de produzir solução completa em semicondutores, ou seja, os chips, componentes básicos à economia do século 21.

A fábrica resistiu à tentativa de sua liquidação e destruição pelo governo Bolsonaro. E, hoje, um grupo de trabalho criado pelo presidente Lula e liderado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, tem a missão de redefinir seu plano de negócios e capacidade de produção, em paralelo à atualização do Plano Nacional de Microeletrônica.

Depois de um feroz e insensato ataque do governo Jair Bolsonaro, que inclusive extinguiu o Ministério da Indústria, a agenda industrial volta com força ao Brasil, a partir da eleição do presidente Lula. O ministério está sendo reorganizado sob o comando do vice-presidente Geraldo Alckmin, que lidera o inadiável projeto de reindustrialização do país, ou da chamada neoindustrialização.

Para o Brasil, que já foi a sexta economia global e deve recuperar posição mundial relevante, não existe a escolha de ficar fora da indústria de microeletrônica, hoje tão importante como foi a do aço plano para a nascente indústria à época, há quase cem anos. É sobre o domínio de toda esta atividade cientifica, tecnológica, produtiva e comercial que se organiza hoje, em grande medida, a disputa geopolítica global pela hegemonia no setor entre os EUA e China, e respectivos aliados que as duas potências possuem.

É decisivo para nosso país que tenhamos domínio sobre todas as capacidades exigidas para esta atividade de vanguarda; a científica e tecnológica, a capacidade de desenvolvimento e projeto, a de prototipagem, a de testes, a de fabricação, a do encapsulamento e a de comercialização.

É na produção, na fabricação, que aprendemos a dominar todas as etapas da atividade; conectamo-nos com o mercado nacional, regional e mundial, capacitamos profissionais, reduzimos nossa dependência da importação de produtos e agregamos valor aos ativos do conhecimento e inteligência nacional. Se não fizessem isso, a China e a Coreia do Sul continuariam sendo somente grandes produtores de arroz, mas não a potência industrial que são hoje.

Os investimentos nacionais feitos até então na CEITEC, constituem uma base sólida para este reposicionamento. Dispomos de uma infraestrutura importante que foi preservada; uma sala limpa dentro das especificações de temperatura e umidade para manter sua integridade; água ultrapura com mínimo de contaminantes exigido; filtros de ar, para controles de partículas; e os equipamentos para a produção em um nodo tecnológico entre 650 a 350 nanômetros.

Ao longo dos anos de produção da CEITEC foram capacitados profissionais de altíssima qualidade, muitos ainda na empresa e outros que podem ser recuperados ou repatriados, ao mesmo tempo em que se retome um novo e potente programa de formação de quadros técnicos. Os investimentos para a retomada da produção da CEITEC, um necessário upgrade de sua planta, nos quais as instituições como BNDES e FINEP também devem participar, são de um custo muito baixo frente ao impulso que este movimento poderá produzir na estratégia de semicondutores para o país, e ao mesmo tempo, do grande estímulo para novos investimentos privados, nacionais ou de outros países, que poderemos atrair nesta atividade.

O Brasil precisa instalar um polo de produção de semicondutores com escala adequada para ocupar uma parcela do mercado nacional e da América Latina, inclusive utilizando seu poder de compras governamentais (como outros países o fazem). Deve desenvolver ciência e tecnologia próprias, aprender, qualificar profissionais e constituir toda uma rede de suprimentos que esta atividade requer, inclusive, estimulando parcerias em todos os níveis com instituições dos países da região e outros. A CEITEC está preparada para ser este primeiro polo de produção brasileira.

Existem escolhas que definem por um longo período a história dos países. Por aqui e agora, que sejam feitas olhando para o Brasil soberano, desenvolvido e justo que queremos construir, carregadas de ousadia e confiança na capacidade do povo brasileiro. •

  • Engenheiro e professor Escola Politécnica PUC-RS, foi secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo Olívio Dutra, tendo sido presidente do Fórum Nacional de Secretários de CT&I do Brasil e presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
    ** Deputado estadual (PT-RS), foi vice-governador do Rio Grande do Sul e ministro nos governos Lula e Dilma.