Compromisso de verdade
Lula vai à Raposa Serra do Sol e promete retirar garimpeiros das áreas indígenas. Presidente afirma que é preciso demarcar terras antes que invasores ‘se apoderem’. Foi a segunda visita dele à área, homologada em 2005, no seu primeiro mandato
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou à Raposa Serra do Sol pela segunda vez para se reunir com líderes indígenas. A primeira vez foi em 2010. Ele reiterou seu compromisso com os povos originários de que no seu governo serão retomadas as demarcações das terras indígenas. Lula participou da 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima.
“Eu tenho pedido, tanto para a Fundação Nacional do Índio (Funai) quanto ao Ministério dos Povos Indígenas, para me apresentar todas as terras que estão prontas para serem demarcadas, porque a gente precisa demarcá-las logo, antes que as pessoas se apoderem delas. Antes que as pessoas inventem documentos falsos, escrituras falsas e digam que são donas da terra”, afirmou Lula, recebido por líderes como Davi Kopenawa, do povo ianomami.
O presidente também disse que o governo vai retirar garimpeiros das áreas indígenas e destinar recursos para a produção agrícola promovida pelos povos tradicionais. “Vamos tirar definitivamente os garimpeiros das terras indígenas”, disse. “Precisamos rapidamente tentar legalizar todas as terras que estão já quase que prontos os estudos para que os indígenas possam ocupar o territórios que é deles”.
Raposa Serra do Sol foi homologada por Lula em 2005, depois de 30 anos de batalhas na Justiça. Foi o principal marco do governo Lula no campo indigenista no primeiro mandato e sofreu forte reação de parte de produtores de arroz da região. A demarcação era uma reivindicação histórica, foi realizada em 1998 e só homologada com o governo do PT.
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a saída dos produtores rurais da terra indígena, localizada em Roraima. Produtores de arroz haviam provocado invasões e se recusavam a deixar a terra indígena, mesmo depois da reserva ter sido homologada pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o presidente Lula.
Raposa Serra do Sol é uma das maiores terras indígenas do país, com 1.743.089 hectares e algo como 1 000 quilômetros de perímetro. É destinada aos povos indígenas ingaricós, macuxis, patamonas, taurepangues e uapixanas, mas é constantemente invadida por garimpeiros.
Em 2018, depois de eleito, Jair Bolsonaro chegou a anunciar a revisão do ato de criação da reserva, onde vivem mais de 23 mil indígenas. Durante o seu governo, nenhuma área foi demarcada e ele passou a estimular a exploração ilegal das reservas por invasores.
Lula reagiu ao discurso de que os índios têm terra demais, como repetia Bolsonaro. “Quando dizem que indígenas estão ocupando 14% do território nacional, deveriam lembrar que os índios tiveram 100% do território nacional. São os outros que estão ocupando 86% de uma terra que era 100% dos indígenas brasileiros”, declarou.
Na Assembleia Geral dos Povos Indígenas, Lula anunciou que será feito ainda em 2023 um encontro com presidentes de países com territórios cobertos pela Floresta Amazônica (Equador, Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia) para discutir ações de proteção ao bioma. Ele disse ainda que o governo estuda instalar pequenos postos de saúde em cada aldeia e que pretende assegurar medicamentos sem custo para indígenas. •
Uma Promessa cumprida há 18 anos
Depois de 835 dias de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpria, em 15 de abril de 2005, sua promessa de campanha, assinando o decreto de homologação da Raposa Serra do Sol em área contínua. Os produtores de arroz teriam de sair do território, o que por si já era uma vitória importante. A área é equivalente ao tamanho que Portugal e Bélgica têm juntos.
“Este é um grande momento do governo, em que nós assinalamos a firme determinação de continuar a demarcar terras indígenas, e principalmente pacificar situações”, destacou o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, (foto) empenhado na regularização da reserva indígena.
Em 10 de junho de 2003, o ministro visitou comunidades na reserva Raposa Serra do Sol, onde foi recebido por líderes indígenas. Ele esteve em Uiramutã, onde se encontrou com o tuxaua Orlando, e depois visitou a comunidade Maturuca, onde se reuniu com líderes macuxis. Bastos chegou a dormir na reserva.
Havia duas opções. A primeira, demarcar a terra em “ilhas”, o que possibilitaria a produção agrícola na região, como queriam as oligarquias locais, ou manter a integridade do território. A primeira alternativa, acreditava o ministro, poderia resultar em mortes. Seriam inevitáveis os conflitos pela terra, em que as lavouras em expansão cobiçariam território indígena.
De volta da viagem à terra indígena, o ministro estava convencido que a homologação deveria ser em área contínua. E começava ali a discussão interna no governo federal até a homologação, em abril de 2005, com o decreto de Lula determinando a demarcação da reserva, uma das mais bonitas do país, assegurando o direito constitucional de cerca de 20 mil indígenas e conciliando diversos interesses públicos.
O decreto presidencial garantia a área de 1.743.089 hectares para os índios e determinava também que ficassem excluídas da Raposa Serra do Sol a área onde está localizado o 6º Pelotão Especial de Fronteira, em Uiramutã, os equipamentos e instalações públicas federais e estaduais existentes, as linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias públicas federais e estaduais. •