O presidente da República volta à ofensiva contra as urnas eletrônicas, atacando a Justiça Eleitoral e pondo em dúvida a lisura do processo eleitoral perante embaixadores de outros países. O vexame, contudo, não basta. Bolsonaro cometeu crimes em série e passível de impeachment. A sociedade reage aos ataques

 

Não há precedentes para a gestão de Jair Bolsonaro à frente da Presidência da República. Apesar da responsabilidade direta pelas 670 mil mortes na pandemia, pelos 33 milhões de brasileiros com fome e 40 milhões de trabalhadores vivendo na informalidade,  ele agora protagoniza um novo vexame internacional. Diante de 70 embaixadores estrangeiros, mentiu, alegando que a eleição presidencial de 2018 foi fraudada — a qual ele se saiu vitorioso — e sinalizando que não aceita sair da cadeira presidencial, caso seja derrotado nas urnas em outubro.

Embora a apresentação de Bolsonaro não seja nova — ele vem repetindo tais alegações há meses — seu público era. Bolsonaro prometeu que compartilharia evidências que mostrariam fraude nas duas últimas eleições presidenciais. Mentiu. Durante 47 minutos, mentiu descaradamente — em rede pública de televisão — apontando uma sabotagem inexistente às urnas eletrônicas.

A oposição reagiu prontamente e, na terça-feira, apresentou notícia-crime contra o presidente. Bolsonaro foi acusado de praticar crime contra as instituições democráticas, crime eleitoral, crime de responsabilidade, de propaganda eleitoral antecipada e de improbidade administrativa. O caso está no Supremo Tribunal Federal.

“As Forças Armadas, cujo comandante-chefe sou eu… ninguém quer mais estabilidade em nosso país do que nós”, disse. Perante diplomatas, Bolsonaro também reiterou críticas aos ministros do Supremo, sugerindo que favorecerão Lula. “As pessoas que devem favores a eles não querem um sistema eleitoral transparente”, acusoua. “Eles insistem o tempo todo que, depois que os resultados das eleições forem anunciados, seus chefes de Estado precisam reconhecê-los.”

Curioso é que as urnas eletrônicas foram adotadas pela primeira vez em 1996 e desde então jamais houve acusações de fraude ou violação do sigilo do voto. Neste período, Bolsonaro foi eleito durante seis eleições consecutivas para a Câmara dos Deputados. Nunca alegou que tinha sido roubado.

O New York Times descreveu em reportagem que muitos diplomatas que compareceram ao evento no Palácio da Alvorada ficaram abalados com a apresentação. O temor é que Bolsonaro esteja preparando as bases para uma tentativa de contestar os resultados da votação, caso venha a ser derrotado, o que parece evidente a julgar pelas pesquisas eleitorais. Seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria em condições de ganhar as eleições no primeiro turno, de acordo com os principais institutos de opinião.

O ataque de Bolsonaro gerou uma onda de repúdio, atingindo inclusive parcelas das instituições do Estado que até então vinham mantendo silêncio sobre os abusos do presidente. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, foi o primeiro a reagir, e disse que quem ataca a eleição “semeia antidemocracia”. “É hora de dizer basta à desinformação e basta ao populismo autoritário”, bateu.

O TSE divulgou no mesmo dia uma lista de 20 refutações às declarações de Bolsonaro e Fachin, as chamou de “negação eleitoral inaceitável”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco  (PSD-MG) também rejeitou as alegações de Bolsonaro, dizendo que não havia “justa causa ou razão” para questionar a eficácia do processo eleitoral. “O Congresso Nacional, cuja composição atual foi eleita sob o moderno sistema eleitoral, tem a obrigação de afirmar à população que as urnas eletrônicas darão ao país uma representação fiel dos desejos do povo, sejam eles quais forem”, disse.

Na quarta-feira, 20, 33 dos 71 subprocuradores-gerais que atuam na Procuradoria Geral da República (PGR) afirmaram em nota que é crime de responsabilidade “utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral”. E apontara que também configuram crimes de responsabilidade, afirmam os subprocuradores, “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina e provocar animosidade entre as classes armadas, ou delas contra as instituições civis”.

A menos de 75 dias da eleição, Bolsonaro parece emular o plano de Donald Trump, que tentou a todo custo desacreditar o processo eleitoral e agora está às voltas com uma investigação sobre sua participação e responsabilidade na tentativa de invasão do Congresso dos EUA, ocorrida em 6 de janeiro do ano passado.

Autoridades dos Estados Unidos e da Europa disseram ter fé no sistema eleitoral brasileiro. O presidente Joe Biden enfatizou a importância de respeitar as instituições democráticas em seu encontro com Bolsonaro em junho, em Los Angeles, durante reunião na Cúpula das Américas. •

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