Governo aposta em pacote para conter inflação de alimentos
Medidas vão desde isenção para importação até incentivos para produção de itens básicos na mesa dos brasileiros; especialista elogia propostas

Motivo de grande preocupação dos brasileiros, do governo federal e, especialmente, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o preço dos alimentos foi alvo de reuniões durante a semana passada.
Na quinta-feira (6), os ministros Carlos Fávaro, da Agricultura, Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário, Rui Costa, da Casa Civil, e Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, se reuniram para anunciar um pacote de medidas com o objetivo de baratear o acesso aos alimentos no país. Associações de empresários do setor também foram ouvidas.
No ano de 2024, a inflação dos alimentos fechou com alta de 7,69%, acima do índice geral que foi de 4,83%, medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA. Dentre os motivos para a disparada, está o aumento nos preços de itens de grande consumo como carne, ovos, frutas, além do café – que registrou uma alta de mais de 50% no acumulado do último ano.
Como consequência dos eventos climáticos adversos mundo afora, houve um comprometimento na produção desses e outros produtos, o que fez com que produtores brasileiros voltassem praticamente toda a produção para o mercado externo, encarecendo o consumo nacional.
Isenção na importação
Para tornar atrativa a importação, o governo federal anunciou, nesta quinta-feira (6), a isenção de impostos em dez produtos: carne, café, açúcar, milho, óleo de girassol, óleo de palma, azeite de oliva, sardinha, massas alimentícias e biscoitos.
“É bom que os setores se sintam pressionados para manter os preços internos mais baratos. É uma boa política, não é restritiva, e pode servir para que os preços sejam contidos internamente”, opina o professor José Giacomo Baccarin.
Ministrando aulas sobre Desenvolvimento Rural e Política Agrícola na UNESP, em Jaboticabal, interior de São Paulo, Baccarin é também um dos fundadores do Instituto Fome Zero.
O professor explica que zerar o imposto para importação dos produtos anunciados não impacta negativamente os produtores locais. “Facilitar a importação de produtos como milho, café, carne bovina e açúcar é uma boa proposta nesse momento porque não afeta o nível da produção nacional. Normalmente, esse tipo de imposto é adotado para proteger a nossa produção, mas, isso não acontece nessas cadeias onde nós já somos grandes exportadores”, afirma Baccarin.
Durante a divulgação do pacote na semana passada, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, falou sobre esse ponto e argumentou que a expectativa é uma complementação na oferta de alimentos, e não uma substituição, além de destacar que o Brasil depende de produtos externos que pouco são produzidos aqui, como é o caso do óleo de palma.
Com relação à isenção do imposto, o Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda afirmou: “Do ponto de vista da arrecadação, talvez não tenha um impacto significativo, mas do ponto de vista do consumidor, certamente veremos um impacto”, disse Guilherme Mello.
Outras medidas
Além da isenção da importação em dez produtos, o anúncio trouxe ainda outras medidas. Uma delas foi a mudanças no processo de fiscalização de itens de origem animal como leite, mel e ovos. Agora, os produtos que contam com a certificação municipal de qualidade para o consumo podem ser comercializados nacionalmente, sem precisar passar pelas etapas de inspeção do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal, o Sisbi. A medida valerá por um ano.

Os estoques reguladores também têm um papel importante no pacote anunciado. A ideia é fortalecer a Conab, a Companhia Nacional de Abastecimento, que compra alimentos dos pequenos agricultores e mantém estoques públicos.
A política foi extinta no governo de Jair Bolsonaro, o que impactou, segundo especialistas, a inflação de preços dos alimentos. Para se ter uma ideia do desmonte da política, em 2012 a Conab tinha um milhão de toneladas de arroz, chegando a 2023, quando o governo Lula retomou o programa, com apenas mil toneladas.
Nesta semana, o presidente da Conab, Edegar Pretto, afirmou que haverá um reforço de R$ 350 milhões para a formação de estoques regulares de arroz, feijão e milho. Apesar do otimismo do governo, o professor José Giacomo Baccarin pondera a execução da medida. “A formação de estoques reguladores agora é difícil porque os preços estão altos”, afirma.
“A ideia de formar estoques precisa ser quando os preços estão baixos junto aos agricultores para desovar esse estoque quando os preços estiverem altos para os consumidores. Então, temos que pensar em políticas de estímulo via preço mínimo para aumentar a produção e, se esse aumento ocorrer com vigor em alguns produtos como arroz e milho, poderíamos ir formando os estoques reguladores”, explica Baccarin.
Para o especialista em Política Agrícola, é importante que o caminho para alcançar os objetivos em um prazo mais curto passe pela injeção de recursos via PAA, Programa de Aquisição de Alimentos, para se tornar ainda mais viável. “Você pode estimular a produção e ao mesmo tempo esse produto vai alimentar as famílias em situação de insegurança alimentar, essas intervenções via preço, compras públicas são muito recomendáveis”, aponta.
Outro tópico que sofrerá mudanças é o Plano Safra, que passará a ter um estímulo maior a determinados alimentos importantes na mesa dos brasileiros. O governo quer estender ao Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural, o Pronamp, os mesmos subsídios já direcionados à cesta básica dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf.
“É uma mudança necessária a ser feita no Plano Safra. É importante ter uma avaliação governamental daqueles produtos que precisam ter mais recursos do crédito rural, um deles é a batata, um dos que mais subiu de preço desde 2007 e está caindo a produção”, comenta Baccarin.
Além disso, está previsto um programa de publicidade de melhores preços. A ideia é estimular campanhas, em parceria com o setor supermercadista, para ajudar o consumidor a se orientar melhor sobre o tema.

Cesta básica nos estados
Geraldo Alckmin anunciou ainda um pleito para que os estados zerem o ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, incidente sobre itens da cesta básica. “O governo federal zerou tributos sobre cesta básica, mas alguns estados, em alguns produtos, ainda tributam o ICMS. Então o apelo é para que, como governo federal também já zerou o tributo sobre cesta básica, que os estados também zerem o ICMS”, destacou o vice-presidente ao afirmar que a demanda será levada aos governadores.
Neste domingo (9), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se pronunciou sobre o assunto nas redes sociais e lembrou que no estado já há isenção de imposto em itens como arroz e feijão. Governadores como Ratinho Jr., do Paraná, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, também apontaram que existem políticas nesse sentido para a cesta básica.
Lula e Haddad
Na sexta-feira (7), o presidente Lula participou de uma cerimônia de entrega do programa Terra da Gente, em um assentamento do MST, em Minas Gerais. “Eu agora estou preocupado com o preço dos alimentos. Estou muito preocupado”, mencionou o presidente.
Em sua fala, Lula afirmou que não descarta medidas “mais drásticas” para conter a inflação dos alimentos, apesar de apontar que prefere uma solução pacífica e sem conflito com os produtores. Ele citou, com ênfase, o aumento no preço dos ovos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao podcast Flow, declarou que a queda do dólar e a previsão de uma “supersafra” devem reduzir a inflação dos alimentos.
“Eu acredito que uma série de produtos, que estão mais caros, vão ter preços reduzidos com a entrada da safra deste ano, que, ao que tudo indica, será uma supersafra”, afirmou Haddad. Além disso, o ministro minimizou o tema com relação à atual baixa popularidade de Lula, afirmando ser parte do jogo político a responsabilização do que acontece no país.