Demolição do Teatro Ventoforte gera revolta e mobilização de artistas
Gestão de Ricardo Nunes demoliu o espaço sem aviso ao Condephaat, destruindo acervos históricos. Artistas e capoeiristas mobilizam-se para reconstrução e preservação da memória cultural
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A cidade de São Paulo foi palco de um episódio de destruição de patrimônio cultural no último dia 13 de fevereiro, quando a gestão do prefeito Ricardo Nunes demoliu a sede do Teatro Ventoforte, fundado em 1974 e reconhecido mundialmente por sua dramaturgia inovadora voltada à infância e juventude. No mesmo ato, também foi destruída a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul (SP), do Mestre Meinha, espaço de grande importância para a cultura afro-brasileira, com mais de 40 anos de atuação na capital paulista. Ambos os espaços funcionavam no Parque do Povo, na Zona Sul da cidade.
A área onde estavam localizados é tombada desde 1995 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo (Condephaat), que não foi consultado previamente sobre a demolição.
“Saí correndo, mas já tinham derrubado tudo”
Mestre Meinha, responsável pela escola de capoeira, recebeu um telefonema na manhã do dia 13 informando que tudo estava sendo destruído.
“Saí correndo de casa e, quando cheguei lá, minha academia já tinha sido derrubada com tudo dentro. Perdi muitas histórias que estavam na minha família há 58 anos: tambores, berimbaus, documentos, fotos, quadros. Até ventiladores foram furtados”, lamenta.
O mestre ocupava o espaço do Teatro Ventoforte havia cerca de quatro anos, oferecendo aulas de tambor de crioula, samba de roda, capoeira angola e frevo, além de promover eventos nos finais de semana para visitantes e turistas.
Desde a destruição dos espaços, artistas e capoeiristas têm realizado manifestações em defesa do Teatro Ventoforte e em repúdio ao ataque à escola Cruzeiro do Sul. A mobilização ganhou apoio de mestres de capoeira de diversas partes do Brasil, além de solidariedade internacional vinda de capoeiristas nos Estados Unidos, na França e na África.
Meinha afirma que, após a repercussão negativa do episódio, a prefeitura admitiu o erro e prometeu ceder um novo espaço para suas atividades. No entanto, até o momento, nada foi acertado.
“Não quero ser o Zumbi da capoeira, mas essas manifestações acontecem porque a capoeira confia em mim, nos meus 58 anos de história. Faço isso para que nunca mais seja derrubado o quilombo de alguém sem aviso prévio, sem respeito, sem oferta de outro local. Será que a era dos capitães do mato está voltando? Eu espero reparação”, afirma.
O Teatro Ventoforte e a disputa pelo espaço
Segundo o Coletivo de Artistas do Ventoforte, o teatro não realizava mais atividades desde o falecimento de seu fundador e diretor, Ilo Krugli, em 2019. Após sua morte, os artistas tentaram negociar com a administração que assumiu o espaço para preservar a história do grupo, mas sem sucesso.
Eduardo Bartolomeu, ator da Casa Realejo e ex-integrante do Teatro Ventoforte, fez parte da última geração de atores do grupo e atuou em sete espetáculos entre 2009 e 2019. Ele relata que, após a morte de Krugli, o espaço passou por uma administração que desvirtuou seu propósito.
“O administrador que assumiu depois expulsou os artistas, abriu um estacionamento e até uma loja de cocos. Nós, do coletivo, fomos afastados por conta dessa má gestão. Descobrimos agora que a demolição foi avisada a esse administrador desde 2023. Mas nós, artistas e o pessoal da capoeira, não fomos informados. Se soubéssemos, teríamos nos mobilizado antes, feito uma corrente humana para impedir”, lamenta Bartolomeu.
Diante da destruição, o coletivo articula a criação da Associação dos Amigos do Ventoforte para lutar pela reconstrução do teatro e pela retomada das atividades artísticas no local.
“A nossa luta agora é para parar a demolição total, pois ainda restam 15% da estrutura de pé. Além disso, há cenários, bonecos e desenhos soterrados nos escombros, que queremos recuperar. Queremos reconstruir o teatro e criar um memorial para o Ilo Krugli e para os 50 anos do Ventoforte, um dos grupos mais importantes do mundo em teatro infantil”, reforça Bartolomeu.
A posição da Prefeitura
Em nota oficial, a Prefeitura de São Paulo alegou que a área vinha sendo utilizada de forma irregular.
“A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) reitera que a ação de desfazimento e reintegração de posse no Parque Municipal do Povo seguiu a legislação vigente e comunicará o Condephaat sobre as irregularidades encontradas no local. A ocupação do espaço pelo Teatro Ventoforte apresentava atividades incompatíveis com as diretrizes do órgão de patrimônio estadual. A estrutura de alvenaria foi construída em 2012 sem autorização, após o tombamento da área, ocorrido em 1995. Além disso, a construção estava abandonada e não havia indícios de uso cultural ou teatral. Pelo contrário, constatou-se que o local era utilizado para atividades irregulares, como comércio de bebidas alcoólicas e estacionamento não autorizado, sem conhecimento da administração municipal, mesma situação verificada em relação à escola de capoeira.”
A Prefeitura também afirmou que seguirá garantindo o cumprimento das diretrizes legais e a preservação das áreas públicas.