Declaração de Kazan: BRICS reforça multipolaridade e equilíbrio de forças
A primeira reunião do bloco com os novos países membros durou três dias. Representações de 35 países e seis organizações internacionais acompanharam a cúpula
A declaração oficial da 16ª cúpula do Brics, publicada quarta-feira passada (23), reforçou o sentido da necessidade de reforma dos organismos internacionais, especialmente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para que o mundo possa ouvir e reforçar a voz e o poder dos países menos desenvolvidos. O documento projeta ainda, a construção de uma nova ordem mundial multipolar, ou seja, fundada em vários centros de poder.
Em uma declaração conjunta na abertura, os países manifestaram preocupação com “o impacto perturbador de medidas coercitivas unilaterais ilegais, incluindo sanções ilegais”, elogiando o que consideram ser “instrumentos de pagamento transfronteiriços mais rápidos, econômicos, eficientes, transparentes, seguros e inclusivos, baseados em minimizar barreiras comerciais e proporcionar acesso não discriminatório”.
A publicação vem após a reunião da cúpula, que aconteceu em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro, para tratar estratégias de crescimento e políticas comuns. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou por videoconferência na Sessão Plenária Aberta da reunião, na quarta-feira, 23 de outubro.
Com 43 páginas e 134 itens, a Declaração de Kazan, nomeada em homenagem à cidade russa que sedia a cúpula dos BRICS, abrange uma ampla gama de temas relevantes na agenda internacional, incluindo o combate às mudanças climáticas, a gestão da inteligência artificial e os conflitos em andamento ao redor do mundo.
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O documento conjunto destaca a importância de promover um mundo multipolar, afirmando que “a multipolaridade pode expandir oportunidades para países em desenvolvimento e mercados emergentes, desbloqueando seu potencial construtivo e garantindo benefícios para todos.”
Ao se dirigir aos chefes de Estado e demais membros das delegações dos países que compõem o bloco, o presidente Lula ressaltou a força do BRICS no combate às mudanças climáticas e destacou seu papel na economia global. Lula também frisou a necessidade de um trabalho em conjunto que possa levar ao fim dos conflitos hoje em curso no Oriente Médio e na Europa.
“Mesmo sem estar pessoalmente em Kazan, quero registrar minha satisfação em me dirigir aos companheiros do BRICS”, saudou o presidente. “O BRICS é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima. Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje. É preciso ir além dos 100 bilhões (de dólares) anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos. Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio”, declarou.
Na reunião, o presidente chinês Xi Jinping reforçou a necessidade de ampliar a cooperação entre os países do Sul Global e da reforma das instituições internacionais.
“O ritmo da reforma da governação global tem estado em descompasso com as rápidas mudanças no equilíbrio do poder internacional”, afirmou Xi, acrescentando que a cúpula “estabelecerá diretrizes claras para a cooperação entre os Brics e abrirá um novo capítulo para a unidade e interação no Sul Global”.
O Sul Global é o termo usado para se referir aos países pobres ou emergentes que, em sua maioria, estão localizados no Hemisfério Sul do planeta.
A Declaração de Kazan afirma a intenção de expandir a organização do Brics. “A expansão da parceria do Brics com países em desenvolvimento e mercados emergentes continuará a promover o espírito de solidariedade e de verdadeira cooperação internacional”, afirmam os países membros.
O documento ainda reforça a necessidade de mecanismos de financiamento e comércio em moedas locais, como forma de fugir da dependência do dólar. “Incentivamos o uso de moedas nacionais quando realizar transações financeiras entre os países do BRICS e seus parceiros comerciais.”
Brasil volta ao comando do bloco
Seis anos após a última gestão à frente do BRICS, o Brasil voltará a comandar o grupo a partir de 1º de janeiro do próximo ano. De acordo com Lula, na presidência brasileira será reafirmada a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países. O lema da presidência brasileira será “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.
“Não podemos aceitar a imposição de ‘apartheids’ no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos. Precisamos fortalecer nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados”, ressaltou o presidente.
BRICS
O termo BRICS é um acrônimo da língua inglesa, e foi criado em 2001 pelo economista Jim O’Neill, chefe de pesquisa em economia global do Goldman Sachs. Inicialmente, o grupo era formado apenas por Brasil, Rússia, Índia e China, e se chamava Bric. A África do Sul foi incluída em 2011, e a sigla passou a ser Brics.
O bloco representa um agrupamento informal de países que se destacam no cenário mundial por suas economias em desenvolvimento, e que busca promover o crescimento econômico e o desenvolvimento socioeconômico sustentável
No total, o grupo representa mais de 42% da população mundial, 30% do território do planeta, 23% do PIB global e 18% do comércio internacional.
O diálogo entre os países se dá em três pilares principais: cooperação em política e segurança, cooperação financeira e econômica, e cooperação cultural e pessoal. Cerca de 150 reuniões são realizadas anualmente em torno desses pilares. O principal objetivo do bloco, por meio da cooperação, é alterar o sistema de governança global, com uma reforma de mecanismos como o Conselho de Segurança da ONU, além de introduzir alternativas às instituições como o FMI e o BID para o fomento às economias emergentes, como é o caso do NDB, banco presidido atualmente por Dilma Rousseff.