Pré-candidata do PT à prefeitura de Porto Alegre, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) reconhece os desafios da disputa política em tempos de guerra digital. Vítima constante de ataques nas redes sociais, a parlamentar segue com altivez a missão de ser uma mulher atuante num ambiente tão masculino como é o Congresso brasileiro. Com essa força, se lança ao desejo de ser prefeita da capital gaúcha, o segundo maior município do Sul do Brasil. A cidade já contou com quatro mandatos petistas em governos anteriores

Maria do Rosário

No quarto mandato consecutivo representando o Rio Grande do Sul na Câmara dos Deputados, Maria do Rosário é autora de importantes iniciativas – dentre elas, o projeto que virou lei e define o protocolo “Não é Não” para prevenir o constrangimento e a violência contra a mulher em ambientes que comercializam bebidas alcoólicas. 

Filiada ao Partido dos Trabalhadores há 30 anos, foi vereadora, deputada estadual, secretária de Direitos Humanos da Presidência da República e, atualmente, é a única mulher a ocupar uma cadeira na Mesa Diretora da Câmara Federal. 

“Procuro combinar militância partidária com trabalho parlamentar, tendo tido a honra de ser ministra no governo da presidenta Dilma e coordenar políticas públicas significativas para a vida do povo brasileiro”, conta a política gaúcha. “Passei por diferentes espaços, tanto no Legislativo, quanto no Executivo, sempre com espírito militante. Sou pedagoga, mestre em Educação e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Hoje sou a única mulher na mesa diretora da Câmara dos Deputados representando a esquerda, o nosso partido e a Frente Brasil da Esperança”.

Com aproximadamente 1,5 milhão de habitantes, Porto Alegre é a 10ª cidade mais populosa do Brasil. Em entrevista à Focus, a deputada Maria do Rosário explica que busca soluções para a governança de uma das principais cidades brasileiras por meio de uma política de construção de alianças. Confira a íntegra da entrevista:

Passando por sua trajetória, como a senhora se apresenta àqueles que não a conhecem?

– Eu sou Maria do Rosário, professora, mãe da Maria Laura e militante da luta política que construiu toda a sua trajetória em Porto Alegre, a partir da atuação como professora e estudante. Isso me configurou como alguém que ocupou diferentes lugares na vida política, mas o lugar que considero mais importante é o de ser uma militante das causas que carregamos no PT e na esquerda, causas generosas de transformação, de vida digna e de justiça. Tenho 57 anos, vivenciei todo o período final da ditadura militar como militante secundarista, depois universitária, mas principalmente no nosso sindicato, o Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Rio Grande do Sul. Fui eleita aos 25 anos vereadora de Porto Alegre, ingressei no PT há 30 anos e faço parte da direção nacional. Já passei por diferentes missões no partido, sou secretária nacional de Formação e Educação Política do PT, do projeto Nova Primavera, essa proposta de educação popular que o PT retomou recentemente com a Escola Nacional. 

Procuro combinar militância partidária com trabalho parlamentar e a dimensão da educação e da defesa dos direitos humanos e das mulheres, tendo tido a honra de ser ministra no governo da presidenta Dilma e coordenar políticas públicas significativas para a vida do povo brasileiro. Passei por diferentes espaços, legislativo e executivo, sempre com espírito militante. Sou pedagoga, mestre em Educação e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e hoje sou a única mulher na mesa diretora da Câmara dos Deputados representando a esquerda, o nosso partido e a Frente Brasil da Esperança.

Crescendo no Rio Grande do Sul, e em Porto Alegre de um modo especial, toda matriz que a gente carrega é também uma matriz trabalhista, brizolista. Eu vi sempre a minha mãe com essa referência do Brizola, do trabalhismo, como algo de resistência. Até porque a cidade de Porto Alegre é muito vinculada à trajetória da legalidade com o Brizola e a retomada da democracia e a construção da democracia participativa com Olívio Dutra, Tarso Genro, Raul Pont, assim, existem esses dois momentos democráticos. Eu acho que eu sou fruto de uma época. Politicamente, eticamente, eu creio que eu carrego isso da minha mãe, da minha família. Mas as minhas referências políticas não estão no ambiente familiar, mas estão naqueles e naquelas que lutaram contra a ditadura. Porque a minha geração, ainda adolescente, olhava para esses lutadores e lutadoras que voltavam do exílio, seja de um lado aqui no Rio Grande do Sul, para o próprio Brizola, para o Raul Pont, para o Tarso, e no plano nacional, por exemplo, o José Dirceu, todas essas referências; a presença da Dilma na política, que estava muito vinculada aqui também ao nosso Rio Grande do Sul, entendo que a minha referência de política não é familiar. É de uma era onde os nossos líderes lutaram contra a ditadura e nos legaram à democracia. E mais do que isto, construíram em Porto Alegre a democracia participativa e a partir de Porto Alegre, principalmente, de outras cidades também, mas sobretudo de Porto Alegre, é reconhecido o modo petista de governar com democracia participativa.

– Deputada, o seu campo de atuação é tão vasto que impressiona. Como apresentar ao eleitorado sua capacidade como parlamentar e preparo para o executivo?

Eu acredito que as eleições de 2024 têm como pano de fundo a defesa da democracia e a superação política, cultural, do fascismo e da destruição econômica do Estado, promovida pelo neoliberalismo. Especialmente no último período, que foi um período de trevas para o Brasil em todos os sentidos, de destruição cultural e fomento ao ódio. O pano de fundo das eleições continuará sendo Lula, com sua visão humanista de mundo, inclusiva na economia e democrática na política, em contraposição à dimensão do ódio, do negacionismo científico e da destruição do Brasil, bem como da subjetividade das pessoas, causada pela figura inominável e agora inelegível que tristemente ocupou a presidência da república por algum tempo.

No caso de Porto Alegre, a cidade perdeu qualidade de vida ao longo dos anos e é preciso recuperar o sentido do direito à qualidade de vida. É importante ressaltar que essa cidade, que já teve o melhor transporte coletivo do Brasil, agora enfrenta a privatização da Carris, a empresa pública de transporte realizada pelo atual prefeito, como um profundo desrespeito e um retrocesso na qualidade do transporte coletivo. É preciso mostrar que as políticas do governo Lula, que visam superar a fome, a miséria e garantir direitos que priorizam atender às necessidades mais urgentes das pessoas, e aqui eu destaco, principalmente as mulheres, que diariamente se preocupam com o que vão colocar na mesa, o que cozinhar, o que oferecer aos filhos e o que está faltando. O governo Lula transforma essas preocupações em políticas públicas, buscando novamente erradicar a fome no Brasil, retirar o Brasil do mapa da fome novamente e garantir igualdade salarial e empregabilidade entre homens e mulheres. Nós, que somos candidatas a prefeitas, as mulheres e os homens do PT que estão apresentando seus nomes, especialmente eu em Porto Alegre, temos que traduzir esses ideais em políticas públicas concretas para o município.

A nossa maior contribuição ao projeto do presidente Lula não se resume apenas em declarar que contamos com o seu apoio, mas sim em apresentar um programa concreto em cada cidade, baseado nos mesmos princípios que estamos utilizando para governar o Brasil: desenvolvimento para justiça social, igualdade, superação da pobreza e respeito a todas as pessoas, focando especialmente, no momento atual, em sustentabilidade. Desde o tema da moradia até questões urbanas e desenvolvimento de uma maneira geral, é crucial agregar renda, tecnologia e sustentabilidade, visando a qualidade de vida e enfrentando o aquecimento global, que afeta diretamente Porto Alegre, localizada em uma região impactada por esse fenômeno.

– Pesquisas apontam que, além do transporte, saneamento é um problema grande para as áreas mais vulneráveis do município. Como você aborda a questão na preparação do programa de governo?

– No que diz respeito ao saneamento básico, é um elemento essencial que, para nós, está articulado na regularização fundiária do direito à cidade, de um modo geral, e à própria saúde. Porto Alegre tem mais de 100 áreas da cidade que são áreas de risco, onde as pessoas vivem às margens de arroios, em locais vulneráveis a deslizamentos e, sobretudo, em áreas alagadiças. No entanto, a gestão atual, que já vem há 20 anos destruindo serviços públicos em Porto Alegre com a lógica de privatizações, nós tivemos o desmonte do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais) e a redução dos investimentos nessa área é preocupante na cidade. Cada vez mais, mais áreas ficam alagadas diante das chuvas, porque há um assoreamento dos canais e riachos, por onde, naturalmente, a água escoaria até o Rio Guaíba. Mas há também um acúmulo de lixo, um acúmulo de sujeira mesmo que não é coletada, que não é tratada, que não é adequadamente recolhida pela administração municipal. Circulou na última semana em um grande jornal local a manchete que a entrada da cidade tem como “cartão de visita” o lixo deixado nas ruas. É claro que isso é gravíssimo. Esses problemas se agravam durante períodos de chuva intensa, impactando a dengue e contribuindo para o assoreamento, gerando um impacto negativo no escoamento pluvial e na qualidade da água.

Após pesquisar, constatei que cidades gaúchas como Canoas e outras localidades do Brasil já possuem secretarias ou órgãos específicos para a proteção ambiental, desempenhando tanto o trabalho preventivo quanto o de defesa civil, inclusive com a participação direta da população. O que observo em Porto Alegre é um jogo de empurra. Hoje, falta luz dia sim, dia não, e muitas vezes, todos os dias, na cidade de Porto Alegre, em alguns bairros. A propaganda nos meios de comunicação informa diariamente quais bairros ficarão sem luz em determinado dia. Enfrentamos, portanto, problemas na prestação desse serviço essencial devido à ineficiência das empresas, que antes eram públicas e que, após serem privatizadas, desmantelaram o serviço prestado ao cliente.

A atual administração municipal de Porto Alegre almeja seguir o mesmo caminho. A prefeitura, que apoiou a privatização da energia elétrica, agora deseja privatizar o Departamento Municipal de Águas e Esgotos (DMAE), algo que não podemos permitir. Com 60 anos de serviços prestados, o DMAE foi um ponto de destaque durante a gestão do PT e da Frente Popular na cidade. Porto Alegre garantia mais de 99% de água potável nas torneiras, refletindo um acesso universal. Ao longo dessas últimas duas décadas, esse índice tem diminuído. E por que essa porcentagem não chegava a 100%? Sempre enfatizamos que o 1% que faltava era devido à existência de áreas de risco, nas quais tínhamos projetos para realocar as pessoas em áreas urbanas mais seguras, sem representar riscos para suas vidas e de suas famílias. Portanto, nosso objetivo não era alcançar 100% nesse sentido, pois 1% precisava ser realocado na cidade, removendo-os das áreas de risco.

Estamos percorrendo todos os bairros, todos os lugares, conversando com as pessoas. Seja no armazém da esquina, no café, na lancheria do parque, no Bonfim, na Zona Norte, em Sarandi, ou nas igrejas, independentemente da denominação religiosa, porque respeitamos todas. Dessa forma, nessa cidade tão diversificada, estamos formando pequenos e grandes grupos para discutir como deverá ser a Porto Alegre do futuro, tanto do amanhã, que é 2025 quanto para os próximos anos. Estamos empenhados em construir um programa participativo.

– Temos testemunhado eleições cada vez mais violentas no ambiente digital e a senhora, infelizmente, é uma das vítimas mais atingidas por essa violência política. Neste ano, com Inteligência Artificial, deve piorar o cenário. Como se preparar e se proteger? 

Ao longo de toda minha trajetória política, após passar por momentos de ataques e desrespeito, não só dirigidos a mim, mas também às mulheres que agora estão mais presentes na política nacional, tenho sido motivada por dois objetivos. O primeiro é desempenhar um bom trabalho e servir ao Brasil, a Porto Alegre, buscando proporcionar uma vida melhor para as pessoas. Acredito sinceramente que a política é um ato de serviço, de se colocar à disposição para defender aquilo que melhora a vida das pessoas. Esse é o meu primeiro objetivo. E para isso, necessita-se da segunda característica. Para nós, mulheres e para mim em particular, ser candidata é um ato de coragem.

É importante não se dobrar àqueles que desejam estigmatizar, diminuir nossa capacidade, criar estereótipos e dizer sobre nós, o que nós não somos. Em cada eleição e em cada passo que busquei dar na política, sempre contei com a gratidão da população. Sendo vitoriosa nas eleições e integrando atualmente a mesa diretora da Câmara dos Deputados, encontro-me em um momento político no qual aqueles que foram meus detratores, bem como detratores de todas nós mulheres, estão um a um sendo derrotados, por nós e pelo Brasil.

Vivencio este momento como um momento de coragem e afirmação para todas as mulheres. Embora seja verdade que sofremos violência política, é importante destacar que não somente nós, mas muitas mulheres em seu cotidiano enfrentam, ou enfrentaram, alguma forma de violência, sofrem silenciamento de suas competências, de seu brilho, de sua própria existência. Decidi declarar ao mundo que não seremos silenciadas, que somos suficientemente corajosas para afirmar nossa competência. A mesma competência que acredito ter demonstrado em meu trabalho parlamentar, com a confiança daqueles que me elegeram, pretendo mostrar colocando as mãos na massa em cada comunidade da cidade.

Uma coisa que as pessoas podem esperar de mim é que esteja presente na vida da cidade, conversando com elas para transformar essas conversas em políticas públicas para todas as pessoas, em uma cidade para todos aqueles que nela vivem. E há algo que me inspira mais do que tudo. Em 2008, quando fui candidata a prefeita, participei de debates nos quais, de um lado, conversava com Luciana Genro e do outro com Manuela D ‘Ávila. Hoje, nesta eleição, caminho de mãos dadas com o apoio de Luciana Genro, de Manuela D ‘Ávila e de todas as mulheres dos partidos: PT, PCdoB, PV, Rede e PSOL. Temos uma frente consolidada que continua crescendo. Essa frente, como diz a presidenta Gleisi, é uma frente que não só engloba os partidos, mas é das mulheres de todas as etnias, das mulheres negras, das mulheres dos bairros, das mulheres intelectuais e daquelas que trabalham como empregadas domésticas nos serviços gerais. Essa frente não é apenas das mulheres, é de todas as pessoas. Aqueles que desejam uma cidade mais humana, desenvolvida, estão juntos conosco.

Esse cenário me anima muito, pois caminhar ao lado dessas mulheres, que no passado seguíamos caminhos separados, é algo transformador. O que nos uniu apesar de nossas diferenças? Embora antes estivéssemos separadas nas eleições, atualmente, que honra imensa poder desde o primeiro turno, carregar a bandeira da unidade e da esperança para a cidade, conduzida pelas mãos das mulheres. Isso é magnífico, é transformador e libertador para todas nós, em nosso país e sobretudo, em nossa querida Porto Alegre. Acredito que agora, unidas, é o nosso momento de construir uma cidade melhor para todos, priorizando aqueles que mais necessitam dela. As pessoas que vivem nos bairros, as mulheres, as pessoas com deficiência, aqueles à margem dos direitos atualmente. Isso me traz uma felicidade imensa, pois a política é um ato de serviço, de coragem, e um sentimento de alegria quando conseguimos formar uma frente política como essa, tendo o presidente Lula como referência e fortalecendo os princípios do nosso partido, o PT.

– Essa seria a minha próxima pergunta. Quer dizer, então, que essa aliança já está construída?

– Luciana retirou sua candidatura… Ela retirou seu nome em apoio à nossa candidatura, o que considero um símbolo maravilhoso. Manuela está nos Estados Unidos, mesmo assim já está contribuindo com a formulação do programa. Ela foi nossa candidata na última eleição em Porto Alegre, tendo conquistado mais de 40 a 45% dos votos, sendo uma figura muito importante. Além disso, temos outras novas deputadas federais em seu primeiro ou segundo mandato, como Fernanda Melchionna, uma figura consolidada, e Daiana Santos. Contamos também com deputadas estaduais, vereadoras… Atualmente, acredito que contamos com um amplo apoio. Estamos buscando aproximação com o PDT, o PSB e muitas outras irmãs e irmãos que poderão estar conosco nessa eleição. 

Gostaria de enfatizar que Porto Alegre sempre teve essa vocação. De onde veio a força das gestões de Olívio, de Tarso, de Raul Pont? Vem da democracia participativa, da criação de políticas públicas voltadas para a qualidade de vida da cidade, e da conexão de Porto Alegre com o Mercosul e o mundo. Porque nós, no período mais difícil do neoliberalismo, nós fomos uma cidade muito conectada à transformação, a enfrentar esse fascismo que começava a se apresentar. Vejo com muita alegria, e estou representando neste programa, construído a muitas mãos, esta retomada. 

A qualidade de vida na nossa cidade, a conexão, porque eu vou governar, se estiver eleita, com o presidente Lula na presidência. Então, um governo que será espelhado nas ações do presidente Lula, eu tenho certeza de que ele vai governar junto comigo a cidade, se eu estiver na prefeitura municipal. E, ao mesmo tempo, eu tenho procurado já todos os contatos dos setores democráticos, do Mercosul, de Montevideo, de Buenos Aires, e do mundo, para o diálogo, para recuperar para Porto Alegre o seu lugar como a cidade-sede do Fórum Social Mundial.

– No mês em que celebramos o Dia Internacional das Mulheres, que mensagem você deixa?

– Quero dizer que a transformação que buscamos para o mundo certamente começa quando nos unimos para exercer nosso poder. Muitas vezes, quando sentimos que não somos suficientemente fortes, é nos olhos de outra mulher que encontramos a força necessária para seguir em frente. Posso afirmar sinceramente que isso aconteceu comigo várias vezes. Nada nos derruba: não há vento capaz de nos derrubar, nem tempestade que diminua a vontade de uma mulher de transformar o mundo e garantir a todas o respeito e direitos que merecem, assim como os espaços que devemos ocupar por nossa competência e pelo espírito de solidariedade que também carregamos em nosso projeto de transformação. Vida longa a todas nós e às companheiras que nos fortalecem, o “Elas por Elas” como é o caso do nosso partido, o PT, que nos trouxe até aqui.

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