Por Ana Flávia Marques

Recorde no número de microempreendedores individuais

O último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que existem mais de 13,2 milhões de microempreendedores individuais, os chamados MEIs, que correspondem por 69,7% do total de empresas e a principal área de atuação é a de serviços.

São Paulo lidera o ranking de estados com mais MEIs com  3,6 milhões (27,2% do total), enquanto o Rio de Janeiro e Minas Gerais têm 1,5 milhão cada. Na sequência, vêm Paraná com 825,8 mil e Rio Grande do Sul 799,1 mil. 

Ainda segundo o IBGE

Entre as atividades mais comuns estão de Informação e Comunicação (48,5%); Educação (47,8%); e Transporte, Armazenagem e Correio (45,3%). 

A maioria dos MEIs é formada por homens (53,3%), da cor ou raça branca (47,6%), com idade entre 30 e 39 anos (30,3%) e sem formação de nível superior completo (86,7%).

Reforma trabalhista de Temer fez explodir a precarização

Após seis anos da reforma trabalhista do ex-presidente Michel Temer, fica nítido o seu propósito e efeito: precarizar e tornar ainda mais informal as relações de trabalho. O resultado foi a demissão de trabalhadores que passaram a ser contratados como MEI, sem direitos como FGTS e aumento real do salário.

Diante dessa situação, só sobrou para os trabalhadores e trabalhadoras abrir o seu CNPJ para oferecer seus serviços, buscar alternativas – os chamados “bicos” para ter alguma renda.

Veja bem, não estamos falando mal do MEI…

Quando criado, em 2008, o MEI foi a solução para trabalhadores e trabalhadoras que prestavam alguns tipos de atividades e que não tinham nenhum amparo legal ou segurança jurídica.

Mas, ultimamente a lista de atividades permitidas só cresce e demonstra a fragilidade a médio e longo prazo de direitos do conjunto dos trabalhadores, como a aposentadoria.

O desafio de dialogar  falar com essa classe-que-vive-do-trabalho

Além de reivindicar direitos para todas as pessoas que dependem do trabalho para sobreviver, é necessário refletir como dialogar com essas pessoas que muitas vezes se intitulam como empreendedores ou como profissionais autônomos.

As tecnologias de informação e comunicação têm transformado o modo de produção capitalista. Em todo mundo, o trabalho organizado sob demanda ou por projeto que exige um profissional que realiza diferentes funções, multitarefa e polivalente avança em uma cadeia global de valor cada vez mais descentralizada e complexa que conta com a contratação de pequenas e micro empresas nesse processo cada vez mais flexível de acumulação.

Como a própria pesquisa do IBGE mostra, 40% dos microempreendedores trabalham em casa. Diferente das cenas comuns do período fordista onde os trabalhadores ficam juntos em uma fábrica, hoje uma parte desses mais de 13 milhões trabalham distantes de seus colegas (do conjunto da cadeia) ou em pequenos estabelecimentos.

Trabalham nas suas garagens, de casa em casa, lugares alugados que sufocam a renda suada obtida com a jornada diária de 10, 12 horas de trabalho, como é comum para cabeleireiras, mecânicos e pequenos comerciantes.

Entregadores de empresas de aplicativos

Símbolo dessas transformações, os entregadores de empresas de plataformas tinham tudo para ficarem isolados, em seus celulares e aplicativos. Mas a dialética é implacável e, o próprio modelo de relações do trabalho que faz com que os lugares que pagam melhor sejam mais disputados pelos entregadores faz com que eles se juntem, se falem e construam laços entre si nos chamados “bolsões”, lugares onde ficam para estarem mais próximos dos bares e restaurantes e serem acionados pelo aplicativo. Ou seja, é possível encontrar e dialogar com esses trabalhadores.

Mas com qual mensagem? Quais são as suas principais bandeiras atuais? Como estabelecer pontos com uma classe tão diversa?

Em meio a tantas mudanças do mundo do trabalho, só não podemos ficar presos às formas de representação e entendimentos que não dialogam com a realidade, principalmente para aqueles que querem transformá-la.

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Ana Flávia Marques (Marx) é diretora do Instituto Lula e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Comunicação de Trabalho da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. É também doutoranda, mestre em ciências da comunicações e especialista em gestão de comunicação e marketing pela ECA-USP.

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