A crise humanitária se aprofunda, à medida que Israel mantém intenso bombardeio sobre os palestinos refugiados em Gaza. O mundo está em choque, mas a ONU não tem força para deter a matança. Já são mais de 9,5 mil palestinos mortos

É terrível, não vamos sair disso', grita palestina a jornalista do L'Humanité

Pierre Barbancey | L’Humanité

Sujeito a terríveis bombardeios e incursões terrestres por parte do exército israelense, mais habitantes do enclave palestino morrem a cada dia. A situação humanitária ainda está a piorar com os centros de saúde sendo atingidos. Telavive está cada vez mais isolada internacionalmente e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é criticado em seu próprio país.

Narima já não responde. A última mensagem da jovem dizia que, com seus três filhos e seu marido, ela havia deixado a cidade de Gaza para Deir Al Balah, mais ao sul, mas, ela disse à reportagem da L’Humanité, que “mesmo aqui os bombardeios não param”.

Walid, por outro lado, recusou-se a sair, a cumprir as ordens israelenses lançadas dos aviões. “Sair é reviver o que meus avós passaram. É Nakba, o exílio sem esperança de retorno”, assegura. Zoher deixou para trás a sua aldeia de Abassan e, juntamente com a sua família, encontrou refúgio numa escola da ONU para refugiados palestinos. “É terrível, não vamos sobreviver”, gritou, durante nossa última conversa, já quase inaudível.

Narima, Walid e Zoher estão vivos ou mortos? Não sabemos nada sobre isso. Desde 27 de outubro, Israel cortou todas as comunicações, incluindo a internet. A Human Rights Watch alertou que isso poderia ser uma “cobertura para atrocidades em massa, que contribui para a impunidade por violações dos direitos humanos”.

Provavelmente é isso que está acontecendo. As poucas imagens são dos corajosos jornalistas palestinos no local, que transmitem através de telefones de satélite. Cenas alucinantes de prédios totalmente destruídos, ruas quebradas, crianças feridas com rostos ensanguentados ou mortas, envoltas em mortalhas que suas mães usam com olhares sem vida. Homens gritam a sua raiva. As cenas são ainda piores do que as vistas em ofensivas israelenses anteriores, em 2008-2009 ou 2014.

Para evitar controvérsias sobre os números, a Autoridade Palestina divulgou uma lista de 2.665 nomes de crianças, juntamente com números de carteira de identidade, mortas entre 7 e 23 de outubro. Um número que tem aumentado nos últimos dias.

De acordo com o Ministério da Saúde em Gaza, o número de mortes ultrapassou 9.500, 70% das quais são crianças, mulheres e idosos, enquanto mais de 18.567 pessoas ficaram feridos. O número de palestinos ainda sob os escombros de casas e edifícios bombardeados desde o início da ofensiva seria de cerca de 1.800, incluindo 1.000 crianças.

Desde a noite de sexta-feira, 27 de outubro, o exército israelense vem operando em terra com soldados e blindados, enquanto continua a intensificar seus bombardeios contra o território de 365 km2 por via aérea, terra e marítima, oficialmente em retaliação pelo sangrento ataque do Hamas em seu solo em 7 de outubro, que matou 1.400 pessoas.

Gaza está sujeita a bloqueio desde 2007, mas o governo israelense tem apertado o cerco à faixa desde o início de sua ofensiva, há semanas, para incluir cortes de água e eletricidade, impedir a entrada de materiais básicos e combustível.

Os ataques aéreos e de artilharia israelenses concentraram-se em Beit Hanoun, Beit Lahia e Jabaliya, no norte do enclave palestino. Mas muitas áreas a noroeste da cidade de Gaza também foram submetidas a intensos bombardeios. O sul, onde a população deve se reagrupar, não é mais poupado, como se Israel quisesse forçar os habitantes de Gaza a cruzar a fronteira egípcia. A ONU identificou mais de 1 milhão de deslocados.

Desde 7 de outubro, vários funcionários ou ex-funcionários israelenses pediram ao Egito que instalasse os palestinos em “tendas” no “espaço quase infinito” do Sinai. Uma vontade israelense duradoura. Em 1948, 760 mil palestinos fugiram ou foram expulsos de suas casas. Foi o Nakba, o desastre. O mesmo cenário ocorreu em 1967, após a vitória israelense. Após a Guerra dos Seis Dias, 300 mil palestinos tomaram o caminho do êxodo.

A situação humanitária é desastrosa. Além da ONU, o Crescente Vermelho Palestino (PRC) denuncia as práticas do exército israelense, que bombardeou instalações de saúde 69 vezes, destruindo 12 delas; 46 dos 72 centros de saúde pararam de funcionar após o bombardeio e devido à falta de combustível.

ONGs e agências da ONU (estas últimas anunciaram que 53 de seus funcionários foram mortos) relataram ter perdido contato com suas equipes em Gaza. Algumas operações cirúrgicas são realizadas sem adormecer completamente os pacientes, incluindo amputações, devido à escassez de produtos anestésicos, alertou, no último sábado, 28, os Médicos Sem Fronteiras (MSF).

É terrível, não vamos sair disso', grita palestina a jornalista do L'Humanité
TORMENTO – Segundo informações da Autoridade Palestina, 70% das 9,5
mil pessoas que morreram nos ataques em Gaza são mulheres e crianças

Enquanto o porta-voz militar israelense anunciava “a expansão da invasão terrestre” em conjunto com intensos ataques aéreos direcionados a todas as áreas, o objetivo final não foi revelado. “Não temos interesse em ocupar Gaza ou ficar em Gaza”, disse o embaixador israelense na ONU, Gilad Erdan, em 12 de outubro.

A única indicação partiu do ministro das Relações Exteriores, Eli Cohen. Ele anunciou a “diminuição do território de Gaza” após a guerra. O que parece reforçar a ideia de criar uma grande zona de exclusão ao Norte e nas margens da Faixa de Gaza ao longo de Israel. Para isso, o exército israelense poderia enviar comandos encarregados de enfrentar os combatentes do Hamas, inclusive nos túneis, esporadicamente e em vários lugares ao mesmo tempo, antes de se retirar. Mais do que a morte dos seus soldados, o governo israelense teme que alguns sejam feitos prisioneiros.

As dificuldades de Benjamin Netanyahu neste caso são multiplicadas pelo seu crescente isolamento diplomático. Ele avisou que essa guerra será “longa e difícil”, mas não convence nem internacionalmente nem em seu próprio país. O primeiro-ministro se mostra incapaz de tranquilizar as famílias israelenses cujos membros estão agora em Gaza. Da mesma forma, não responde ao líder do Hamas do enclave palestino, Yahya Sinouar, que no sábado, 28 de outubro, disse estar pronto para concluir “imediatamente” a troca de reféns contra “todos os prisioneiros”palestinos.

“Muitos civis, incluindo crianças, foram mortos. Isso vai contra o direito internacional humanitário”, advertiu o Alto Representante da União Europeia, Josep Borrell. A opinião pública em todo o mundo está em emoção, quer acabar com o massacre em curso na Faixa de Gaza e expressá-lo nas próprias ruas, apesar das proibições em alguns países.

Esse borrão mantido por Israel, sem dúvida, visa não colocar o aliado dos Estados Unidos em apuros, já que Washington se tornou quase o último grande apoio de Israel, como ficou claro nos debates na ONU nos últimos dias. A Assembleia Geral que, ao contrário do Conselho de Segurança, reúne todos os estados-membros, aprovou, no final de outubro, uma resolução sobre “a proteção dos civis e o cumprimento das obrigações legais e humanitárias” por 120 votos a favor, 14 contra e 45 abstenções.

Isso quer dizer que Israel está sozinho hoje. França, Espanha e Bélgica apoiaram o texto, enquanto Alemanha, Itália e Finlândia se abstiveram. Este é um sinal de dificuldade, para alguns governos que geralmente apoiam Telavive sem limites, em se opor a tal desejo. Parar Israel é urgente. Os governos americano e europeu, incluindo a França, que desde o início só tem palavras para a defesa de Israel, carregam uma pesada responsabilidade à medida que os crimes de guerra se multiplicam em Gaza. •