Briga dentro do partido leva presidente da Câmara, Kevin McCarthy, a ser deposto por conta de uma rebelião no partido. A loucura tem método e um homem por trás da manobra: Steve Bannon

A política nos Estados Unidos está em tal grau de ebulição e conflito, com guerras internas para todos os gostos, que a mais nova vítima não é o presidente Joe Biden. Mas o presidente da Câmara, Kevin McCarthy. Na terça-feira, 3, ele foi deposto como do posto, tornando-se o primeiro líder na história da Câmara dos Deputados a ser removido do cargo. Detalhe: McCarthy foi vítima do próprio partido. Ele é republicano.

Em uma dramática votação nominal, por 216 votos contra 210, a Câmara endossou uma “moção para retirar” McCarthy do comando do parlamento. O mais impressionante é que oito deputados republicanos votaram contra o líder da própria legenda e ficaram do lado de 208 democratas, selando a remoção do parlamentar.

A votação sem precedentes prepara o terreno para uma nova eleição que deve escolher o novo presidente da Câmara. Mas ainda não há um candidato de consenso entre os republicanos para definir quem comandará a casa — a maioria é republicana. A votação para eleger o novo presidente pode acontecer nesta semana.

Um dos responsáveis pela rebelião no partido é ninguém menos que o ex-conselheiro de Donald Trump na Casa Branca, o famigerado Steve Bannon — um veterano da extrema-direita americana que alimenta as loucuras de tipos como Eduardo Bolsonaro. Na manhã de quarta-feira, 4, dois dos republicanos que derrubaram McCarthy estiveram com Bannon em seu estúdio situado em Washington.

“Mudanças de placa tectônica aqui na capital imperial”, disse Bannon aos ouvintes de seu talk show, intitulado “Sala de Guerra”, enquanto os orientava a doar dinheiro aos seus dois convidados. “Devemos ficar na brecha agora. Temos que lançar a fervura que é a rua nesta nação”. Ao seu lado estavam Matt Gaetz, deputado da Flórida e instigador da rebelião republicana, e Nancy Mace, da Carolina do Sul.

McCarthy disse aos republicanos a portas fechadas após sua destituição que não concorreria novamente a presidente. Mais tarde, ele confirmou sua decisão em um post no X, a plataforma que era conhecida como Twitter. “Posso ter perdido um voto hoje, mas lutei pelo que acredito — e acredito na América”, disse. “Foi uma honra servir ao país”.

A expulsão de McCarthy ressalta as divisões acentuadas no Partido Republicano e ameaça inaugurar uma nova era de disfunção em Washington. A Câmara não pode realizar aprovar quaisquer projetos legislativos até que seja eleito um novo presidente.

O impasse vem em um momento difícil para o Congresso, com uma medida paliativa para financiar o governo que se esgota em meados de novembro e os legisladores em desacordo sobre a aprovação de mais ajuda dos EUA à Ucrânia. “Estas são águas desconhecidas”, disse Jim Clyburn, veterano congressista democrata da Carolina do Sul. “Ninguém sabe o que vai acontecer”.

Patrick McHenry, um congressista republicano da Carolina do Norte e aliado próximo de McCarthy, foi designado “interino” ou comandante “pro tempore” para liderar a Câmara na ausência de um presidente eleito. Ele disse que seria “prudente” que a Câmara entrasse em recesso para que seus membros democratas e republicanos pudessem se reunir separadamente e “discutir o caminho a seguir”. O presidente é o membro mais sênior da Câmara dos Deputados e o segundo na linha de sucessão presidencial, atrás do vice-presidente.

A revolta republicana contra McCarthy foi liderada por Gaetz, que decidiu se rebelar depois que o presidente fez acordo com democratas para evitar uma paralisação do governo. Os republicanos controlam a Câmara por margem pequena, o que deu a um número ínfimo de rebeldes republicanos poder suficiente.

Na terça-feira, os líderes democratas descartaram sugestões de que ajudariam McCarthy a manter o poder, aconselhando seus membros a “votar sim” para derrubá-lo. “Agora é responsabilidade dos membros do Partido Republicano acabar com a guerra civil da Câmara”, disse Hakeem Jeffries, o principal democrata da Câmara, em uma carta aos colegas do partido.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, disse que o presidente Joe Biden esperava que a Câmara “escolha rapidamente” um novo presidente. “O povo americano merece uma liderança que coloque as questões que afetam suas vidas na frente e no centro”, acrescentou.

A votação para remover McCarthy revelou as divisões mais profundas dentro do partido republicano, com as divisões ameaçando tornar a câmara baixa do Congresso ingovernável. Vários dos republicanos que votaram para remover McCarthy na terça-feira também se opuseram a ele em sua tentativa de se tornar presidente no início deste ano. McCarthy só foi eleito na 15ª rodada de votação em janeiro.

O acordo de fim de semana de McCarthy com os democratas levou a uma votação bipartidária para manter o governo financiado nos níveis atuais de financiamento até meados de novembro, quando muitos republicanos pressionaram por cortes orçamentários.

McCarthy defendeu o acordo, dizendo aos repórteres no Capitólio antes da votação de terça-feira: “Manter o governo aberto e pagar nossas tropas foi a decisão certa. Eu defendo essa decisão. No final das contas, se eu tiver que perder meu emprego por causa disso, que assim seja”. Perdeu.

O ex-presidente da Câmara disse que Gaetz estava realizando uma vingança pessoal decorrente de uma investigação de ética do Congresso sobre alegações de que o congressista da Flórida havia se envolvido em tráfico sexual. O Departamento de Justiça encerrou sua própria investigação sobre Gaetz no início do ano sem acusá-lo. O rival nega qualquer irregularidade.

“Matt Gaetz tinha planejado fazer isso desde o início”, disse o presidente à CNBC antes da votação. “Ele tem coisas pessoais em sua vida com as quais tem desafios, tudo bem”.

Enquanto isso, Trump é réu

Ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump teve de se ocupar de um julgamento incerto e esquecer a corrida pela Casa Branca na última semana. Na segunda-feira, 2, o empresário ficou cara a cara com um juiz no primeiro dia de julgamento da acusação que pesa contra si por fraude em um tribunal de Manhattan, na cidade de Nova York.

Procurador-geral de Nova York, Kevin Wallace apresentou clipes de depoimentos em vídeo recentes de Eric Trump, Donald Trump Jr e Allen Weisselberg, o ex-diretor financeiro da Trump Organization que cumpriu uma pena de cinco meses de prisão depois de ser condenado por fraude fiscal. Os depoimentos estavam sendo usados contra Trump.

No momento mais surreal da manhã, o ex-presidente, que compareceu ao processo pessoalmente, olhou para um monitor de vídeo para assistir ao seu próprio testemunho de abril, no qual lhe foi perguntado sob juramento se Weisselberg era responsável por garantir que suas demonstrações financeiras pessoais cumprissem os princípios contábeis: “Eu diria que sim”, disse Trump no vídeo.Kevin então foi duro ao confrontar o ex-presidente. “Você estava mentindo ali ou está mentindo agora?”, disse. Ele argumentou que Trump e os outros réus mentiram sobre o patrimônio líquido — inflacionando-o em até US$ 2,2 bilhões por ano — a fim de garantir empréstimos bancários em termos vantajosos do Deutsche Bank e de outros credores.

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