Com votos contrários do PT, comissão do Senado abre a possibilidade de comercialização de órgãos e afetará doação voluntária de sangue. Precedente é perigoso, alerta o líder do governo Jaques Wagner

O Brasil está diante de uma flerte perigoso para a saúde pública, abrindo um precedente para a criação de um “mercado de sangue”. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado acatou um retrocesso enorme para a política nacional de sangue em vigor no país, aprovando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2022, que autoriza comercializar o sangue humano em território nacional. A matéria foi aprovada com 15 votos favoráveis e 11 contrários – entre eles, os de senadores do PT e será apreciado pelo plenário.

O objetivo da PEC é mudar a legislação para permitir que o setor privado comercialize o plasma e produza hemoderivados – prática proibida no Brasil desde 2001, sendo possível apenas a doação voluntária e não gratificada. A mesma norma ainda em vigor determina que o plasma excedente seja repassado gratuitamente ao Sistema Único de Saúde (SUS). O material é usado pela estatal Hemobrás em pesquisas e na produção de hemoderivados para atender prioritariamente à demanda da saúde pública.

O senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, fez um alerta. “Eu não quero ficar dependendo de país nenhum. A pergunta que eu coloco: alguma empresa internacional quer vir produzir imunoglobulina aqui ou ela só quer o plasma brasileiro para produzir imunoglobulina e outros derivados lá fora, e me colocar para comprar?”, questionou. “Só os países ricos podem pagar”. Ele disse que a PEC retira do SUS o controle e a fiscalização da produção de hemoderivados.

Durante a votação, parlamentares de diversos partidos fizeram duras críticas à matéria, que teve lobby favorável escancarado nas capas de jornais e sites, na véspera da votação do texto na CCJ. O texto publicitário é assinado pela Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS). “É bom dizer sobre esses bancos de sangue, que assinaram nota em jornal: a maior parte deles não cumpre a lei. Não manda o plasma para a Hemobrás. É por isso que eles querem [a aprovação da PEC]. Porque vão vender. Vão querer fazer comercialização”, denunciou o senador Humberto Costa (PT-PE).

Atualmente, o Brasil não tem uma fábrica para fracionar o plasma e produzir hemoderivados. Por isso, a Hemobrás recolhe o material nos hemocentros, analisa e atesta a qualidade e envia para a empresa suíça Octopharma AG, que produz e devolve ao Brasil albumina, imunoglobulina e outros a um preço mais acessível do que o praticado no mercado.

“Não é verdade que a Hemobrás pega o plasma, manda para fora e compra simplesmente o produto. É uma parceria público-privada. Está havendo transferência de tecnologia. Ao mesmo tempo que a gente manda o plasma, volta o medicamento mais barato, e ao mesmo tempo que isso acontece estamos pegando a tecnologia para o Brasil ter autossuficiência”, explica Humberto Costa.

A previsão é de que em 2025 a Hemobrás possa operar todas as etapas de produção e, com isso, se tornar a maior fábrica de medicamentos hemoderivados da América Latina. Em pleno funcionamento, a empresa terá capacidade de processar até 500 mil litros de plasma ao ano, podendo chegar a até 700 mil litros, caso haja demanda. Essa é uma etapa fundamental para a autossuficiência do país. •

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