“In Utero”, terceiro e último álbum de estúdio do Nirvana completou 30 anos de lançamento; a banda grunge de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl mudou a cara do rock americano para sempre com seu som agridoce

O Nirvana nem bem começou e acabou. É daquelas bandas efêmeras que botou sua marca na cultura pop mundial com apenas três álbuns de estúdio, menos dez anos de atividade, muito barulho e (alguma) tragédia. O aniversário de 30 anos de lançamento de “In Utero”, terceiro e último álbum de estúdio, em 21 de setembro, pode ser excelente oportunidade de revisitar a trajetória da banda que, como alguém disse uma vez numa rede social, logrou  unir “todas as tribos”.

Paradoxalmente, “In Utero” seria o disco mais difícil do Nirvana. Depois de surpreender o mundo com “Nevermind”, uma combinação agridoce de guitarras pesadíssimas (e sujas) com apelo pop inegável, o grupo decide, em seu terceiro disco de estúdio, radicalizar na direção mais autoral. Era uma aposta arriscada? Certamente, mas, desde que os amigos de colégio Kurt e Krist Novoselic se juntaram para tocar juntos (Cobain, na guitarra, Novoselic, no baixo) no final dos anos 1980, a história do que viria a ser o Nirvana, alguns anos à frente, é toda feita de riscos, apostas, idas e vindas.

Enquanto baseados em Aberdeen, estado de Washington, Kurt e Krist tinham uma vaga ideia de ter uma banda. Gostavam de metal, de hardcore e gravitavam em torno de uma banda local de hardcore punk, The Melvins. Em 1987, já começaram a ensaiar com o primeiro de vários bateristas que passariam pelo grupo e começam a fazer shows no circuito underground de Olympia e Seattle,  já sob com o nome Nirvana. 

Em 1988, chamam a atenção da Sub Pop, selo independente que abrigaria a maioria das bandas que seriam conhecidas como grunge, forma de punk tardio da Costa Oeste dos EUA. Com produção de Jack Endino, gravam um primeiro single, “Love Buzz” em 1988 e, em 1989, “Bleach”, o primeiro álbum de estúdio. O disco cai no circuito dos college radios, as rádios independentes das universidades americanas, conquista a imprensa especializada na Inglaterra e recebe elogios de grupos indies já influentes, como Sonic Youth e Dinossaur Jr. 

Em “Bleach”, há um Nirvana ainda em estado bruto, que alterna peso e lirismo, com guitarras potentes e atormentadas, vocais às vezes aos berros, às vezes lamuriosos, as melodias das canções como que brigando com a microfonia e o barulho. O nome das faixas sugere uma ingenuidade ainda quase adolescente: “School”, “About a Girl”, “Love Buzz” e, desde as primeiras apresentações ao vivo, o carisma de Kurt Cobain se impõe. 

No verão de 1990, a banda sai em turnê ao lado de seus ídolos novaiorquinos, o Sonic Youth que, depois de anos de underground está também experimentando um período de popularidade, graças ao circuito independente puxado pelas college radios. Ao final dessa turnê, o duo finalmente acerta o baterista, integrando Dave Grohl à banda.

Em 1991, Seattle já é pequena demais para o Nirvana. A banda rompe com a Sub Pop para gravar “Nevermind”, lançado em setembro daquele ano. “Smells Like Teen Spirit” torna-se um hit instantâneo na MTV e, em poucas semanas, a tiragem inicial de 50 mil cópias se esgota. No início de 1992, a banda do circuito universitário e underground já é o “novo grupo” mais bem sucedido dos Estados Unidos. O Nirvana desbanca “Dangerous”, de Michael Jackson, das paradas americanas e chega ao top ten da parada inglesa.

Com “Nevermind, o Nirvana consegue pegar num fio desencapado dos anos 1990. Era um disco pesado e barulhento e também romântico e sensível. Era um álbum enigmático, de letras atormentadas ou francamente agressivas, mas conduzido por três músicos muito escolados na tradição do grande rock americano. O vocalista tinha uma pegada pop e carisma inegável: era “o” menino bonito do colegial, que cantava de forma doce, até começar a expelir seus demônios internos — e que não eram poucos. 

Apesar da alta comunicabilidade pop, a banda preservava traços aparentados ao art rock mais cerebral e provocador. Com alguns clipes-chave e o disco circulando pelo globo, rapidamente conquistara fãs de forma global. Ainda em 1991, o disco vende 400 mil cópias por semana — isso só nos Estados Unidos. 

No ano seguinte, “Nevermind” tirou o álbum “Dangerous”, de Michael Jackson do 1º lugar das paradas de álbuns da Billboard, e também lidera as paradas em vários outros países. O álbum viria a vender mais de 8,5 milhões de cópias nos Estados Unidos.

O sucesso inesperado e massivo pegou todo mundo de calças curtas. Em entrevistas na TV, a banda, sobretudo Kurt e Kris, mostrava um comportamento errático, rebelde ou indiferente. 

A imprensa especializada corria atrás do enigma — quem eram, de onde vinham, o que comiam aqueles rapazes que arrastavam adolescentes histéricos aos show, mas eram admirados e até apadrinhados por músicos considerados mais “sérios” como Patti Smith, Michael Stipe e Thurston Moore. 

A vida pessoal de Kurt Cobain começa então a frequentar com insistência as revistas de celebridades, sobretudo a partir de seu casamento com a líder do grupo Hole, Courtney Love, em fevereiro de 1992, e das brigas entre Kurt e os demais membros da banda, em torno dos direitos sobre as músicas.

Nem a gravadora, que previa vender 250 cópias de “Nevermind”, soube lidar com a importância crescente da banda e passou a pressioná-los tanto por mais shows e turnês como pelo terceiro disco, que pretendiam lançar em 1992. 

Diante da recusa da banda, os três decidiram lançar a coletânea “Insesticide” em parceria com a Subpop, que ainda seguia como o selo independente mais importante do grunge. No meio desse furacão, os rumores de que Courtney e Kurt eram viciados em heroína deixam de ser rumores — uma declaração a uma revista americana de Courtney de que ela poderia ter usado heroína sem saber se estava grávida, acendeu os alertas do moralismo.

É nesse contexto conturbado que “In Utero” foi composto, gravado e acaba sendo lançado em setembro de 1993. Ao mesmo tempo que atesta uma maturidade surpreendente para uma banda com tão pouco tempo de existência, o álbum anuncia um rompimento com o cenário mais bem comportado do grunge. 

Ainda que tenham sido mantidas canções que facilmente poderiam ter entrado em “Nevermind”, como “Dumb”, a maioria das faixas sugere um caminho mais autoral, mais na direção da experimentação com o barulho, com as letras estranhas, viscerais e do tormento difuso, mas intenso, de Cobain. 

É um disco de canções perturbadoras pelo que revela da relação ambígua de Cobain com a fama, como “Rape Me” — que a banda foi proibida de tocar ao vivo no MTV Awards — ou “Serve the Servants”. Mas também de canções suaves de amor, como “Heart-Shaped Box”. De sonoridades talvez mais complexas do que “Nevermind”, o disco ainda hoje pode ser ouvido como um ponto de inflexão, um disco de transição que poderia ter colocado o Nirvana num patamar das bandas mais experimentais e inovadoras dos anos 1990. 

A história, no entanto, seria interrompida pelo suicídio de Kurt Cobain em 8 de março de 1994, aos 27 anos. O desfecho violento e auto-destrutivo do artista talentoso e frágil, por alguns anos emprestou ao Nirvana aquela aura de tragédia que costuma fetichizar, às vezes em demasia, uma banda que fulgurou de forma tão intensa, ainda que breve. 

No entanto, a permanência de seus discos, sobretudo “Nevermind”, “In Utero” e o “MTV Unplugged” — lançado postumamente em 1994 — atesta que, mesmo em seus caminhos tortuosos, o Nirvana viveu rápido para morrer ainda jovem, ainda fresco de juventude.  •

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