Pré-candidato à prefeitura da maior cidade do país, o deputado federal Guilherme Boulos está otimista. Em meio a uma campanha promissora que já tem o apoio de 32% dos eleitores da capital paulista, ele fala sobre o cenário em entrevista à Focus Brasil

O deputado federal Guilherme Boulos veste camisa social branca e olha para direita. Ao fundo, em desfoque, o Viaduto do Chá
Guilherme Boulos em entrevista: é preciso resgatar a tradição progressista de São Paulo. Foto: Leandro Paiva / @leandropaivac

O deputado federal Guilherme Boulos, pré-candidato à prefeitura de São Paulo nas eleições de 2024, recebeu a reportagem da revista Focus no meio de uma maratona de entrevistas. Pesquisa de intenção de voto do Datafolha para eleições municipais em 2024 registrou Boulos com 32% das intenções de voto, contra 24% do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB). “O Datafolha aponta algumas tendências que são importantes. O principal é o desejo de mudança da população de São Paulo: 79 % das pessoas querem um tipo de governo diferente daquele que nós temos hoje no município. A pesquisa também registrou uma aprovação muito forte do presidente Lula na cidade – é preciso lembrar que, assim como Haddad ganhou do Tarcísio na capital em 2022, Lula ganhou do Bolsonaro também”, fez questão de ressaltar.

Sair à frente na corrida eleitoral como candidato, mesmo que à distância de 13 meses das eleições, pode ser animador, mas não esmorece o propósito de construir uma trajetória consistente para sua candidatura em 2024. No dia 1 de setembro, alguns dias antes da realização da entrevista, Boulos tinha iniciado a primeira caravana, cumprindo uma agenda extensa de encontros em São Mateus, na Zona Leste da capital. A ideia é percorrer uma a uma das 32 subprefeituras da cidade, realizando encontros com lideranças locais, movimentos sociais e exercendo, como afirma Boulos, atividades de escuta dos problemas concretos de cada região.

Aos 41 anos, Guilherme Boulos exibe a invejável disposição de luta de quem começou cedo na militância. Ainda adolescente, foi do movimento secundarista. Desde 2002, está no Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), onde coordenou várias ocupações de terrenos de interesse social. Como dirigente do MTST, liderou mobilizações de rua na resistência ao Golpe de 2016 e à prisão de Lula.

Filiou-se ao PSOL em 2018 e, no mesmo ano, foi candidato a presidente pelo partido, ficando em décimo lugar no primeiro turno. Em 2020, novamente concorreu, desta vez à prefeito de São Paulo, chegando ao segundo turno contra o candidato do PSDB Bruno Covas. Apesar de derrotado, teve 32% dos votos na capital. Eleito deputado federal em 2022 como mais de 1 milhão de votos (foi o deputado federal mais bem votado de São Paulo), Boulos está dividindo seu tempo entre o Congresso Nacional e a pré-candidatura, que terá apoio do PT.

 Os desafios dessa candidatura são enormes: desde 2012 que São Paulo não tem uma candidatura de esquerda realmente competitiva, numa eleição em que enfrentará o atual prefeito da cidade, que deve ter o apoio de Jair Bolsonaro e do PL. Mais ainda: é a primeira vez, desde a redemocratização, que o PT não concorre às eleições municipais em São Paulo com candidato próprio – e foi o PT quem fez as três administrações progressistas na cidade, com Luiza Erundina em 1988, Marta Suplicy em 2000 e Fernando Haddad em 2012.

Focus Brasil — Como você está, animado com os números do Datafolha? Candidatíssimo?

Guilherme Boulos— Bastante animado. Para além dos números de intenção de voto que ainda são muito precoces, pois nesse momento estamos ainda distantes das eleições de outubro de 2024, o Datafolha aponta algumas tendências que são importantes. O principal é o desejo de mudança da população de São Paulo: 79 % das pessoas querem um tipo de governo diferente daquele que nós temos hoje no município. A pesquisa também registrou uma aprovação muito forte do presidente Lula na cidade – é preciso lembrar que, assim como Haddad ganhou do Tarcísio na capital em 2022, Lula ganhou do Bolsonaro também.

Isso cresceu ainda mais com os números de aprovação ao governo do   presidente Lula e uma rejeição muito grande ao bolsonarismo, com quem o atual prefeito está aliado. Ou seja, acho que temos um cenário, nesse sentido, bastante favorável para uma alternativa progressista em São Paulo. Nosso desafio é construir uma frente progressista que seja a mais ampla possível, que dialogue com todas as regiões da cidade, que dialogue sobretudo com as periferias da cidade. Nós começamos já a fazer uma caravana que vai percorrer as 32 subprefeituras até o final do ano, nós do PSOL junto com o PT, com os movimentos sociais, com as lideranças locais. Também estamos planejando dialogar com todos os setores setores representativos da cidade de São Paulo. Temos muito trabalho pela frente. Eu, como bom corintiano, sei que até os 49 do segundo tempo tem jogo sempre, mas com estou entrando com muito ânimo e com muita esperança para essa pré-campanha. E, como corintiano que eu também sou, a gente gosta de ganhar de virada, mas virada em eleição não tem exatamente, né? Tem o segundo turno, mas não tem virada. Enfim, eu vou só, antes do Guto fazer a pergunta dele, eu só vou fazer um comentário aí, um comentário já enganchando uma outra pergunta.

— O último governo municipal progressista foi de Fernando Haddad, entre 2013 e 2016. Foi uma prefeitura de muitas realizações e que mudou a cara da cidade, mas foi derrotado ainda no primeiro turno na reeleição. Claro que 2024 não é 2016, mas Isso mudou, é claro, o mundo mudou, a política do Brasil mudou,  então como é que você vê essa possibilidade de conseguir afastar o fantasma do conservadorismo em São Paulo?

— Primeiro, temos que lembrar que São Paulo é uma cidade com um histórico progressista importante. São Paulo elegeu a Luiza Erundina, na época no PT, em 88, depois elegeu Marta Suplicy nos anos 200, também do PT, depois elegeu Fernando Haddad em 2012. O Estado de São Paulo tem um conservadorismo muito mais arraigado, particularmente no interior. Mas aqui na capital, até por ser uma cidade cosmopolita, uma cidade ligada a vanguardas, uma cidade mais aberta ao pensamento crítico, você tem uma tradição progressista muito forte. E é preciso colocar a diferença importante do que estava acontecendo em 2016, quando o Haddad terminou o mandato e foi para a reeleição, e 2023. Naquele momento, a esquerda estava sendo atacada brutalmente com a Operação Lava Jato, com o golpe parlamentar contra a Dilma, e nós estávamos na defensiva política. Isso influenciou a eleição municipal. A eleição municipal em São Paulo sempre tem um componente nacional, por ser a maior cidade do Brasil. Hoje nós estamos com o Bolsonaro derrotado, o Lula presidente do Brasil, num processo de reconstrução, com avaliação do seu governo muito positiva, e ainda mais positiva na capital. Acredito que o cenário é bem diferente do que aquele que a gente viveu há sete anos. 

— Sobre a frente ampla que você mencionou, Boulos, a imprensa já está até te provocando com relação a isso, dizendo que o seu grande desafio será justamente esse, como criar essa frente de maneira que te aproxime de um eleitorado de centro. Você acha que vai precisar moderar seu discurso para conseguir chegar nesses eleitores? Como é que será?

— Acho que vamos ter que exercitar uma grande capacidade de diálogo para chegar nesses eleitores, mas deixando claro o nosso programa para a cidade. Que será construído a partir do programa dos governos populares que nós tivemos em São Paulo, das três ocasiões em que PT governou São Paulo, ou seja, um programa de combate às desigualdades, de inversão de prioridades e que olhou para a periferia com uma atenção que outros governos não tiveram na nossa cidade. Precisamos mostrar o tamanho da desigualdade na cidade de São Paulo. Pegue o mapa da Rede Nossa São Paulo, agora, no início desse ano, quem vive em cidade de Tiradentes tem expectativa de vida de 59 anos, e quem vive nos bairros mais ricos da cidade, em Moema, no Jardins, tem expectativa de vida de 80 anos. É o IDH da Suécia de um lado, o IDH dos países mais pobres do mundo do outro lado. Esse modelo de cidade tão desigual, com esses abismos enormes, é insustentável em todos os sentidos: torna a cidade mais insegura, torna a cidade um espaço de convivência muito mais conflagrado. Então, combater a desigualdade não é bom apenas para quem mora na cidade de Tiradentes ou no Jardim Ângela, combater a desigualdade é bom para toda a cidade. E é isso que eu quero dialogar com as classes médias de São Paulo, com o setor empresarial, com os comerciantes da cidade e também assumir compromissos. Isso da imprensa contra e dos adversários vai existir, a gente sabe. Enfrentamos isso no ano passado na eleição do presidente Lula contra o Bolsonaro:  todo tipo de fake news, as caricaturas…. Nós sabemos que elas virão. Vamos ouvir: o Boulos é radical, extremista, vai invadir as casas. Nós sabemos. Nós temos que desmontar essas fake news e apontar um compromisso para dialogar com o conjunto da cidade. Esse é o desafio que nós temos para poder ganhar a eleição do ano que vem.

— Você se comunica como poucos com os eleitores, explica os temas de uma forma direta e simples, sabemos. Mas qual será a tática de enfrentamento a essa política de desinformação? 

— Primeiro, nós temos que já partir com vacinas, porque nós sabemos o que vai vir. Nós não precisamos esperar vir toda a onda de fake news que virá inevitavelmente no próximo ano. Temos buscado desmistificar esses ataques e essas caricaturas pelos canais que nós temos, utilizando as redes sociais, nos espaços de encontros, de plenárias, de debates, em todas as regiões da cidade. Acho que isso é muito importante desde já, porque com isso você municia as pessoas, municia a militância, municia as lideranças, municia todos aqueles que nos acompanham de argumentos para desmentir quando vier a fake news. O que me preocupa é que o atual prefeito, aliado com o bolsonarismo, deve vir com um jogo muito baixo. Já começou, inclusive. Se ele dedicasse metade do tempo que ele dedica para me atacar em entrevistas, em eventos, para melhorar a vida do povo paulistano, a cidade estava muito melhor. E ele já começou em ataques pessoais, com invenções, com distorções. Nós temos que utilizar os mecanismos que a gente tem, as redes que a gente tem, seja aquelas diretas, de diálogo direto com o povo, nos encontros, na caravana que nós iniciamos, seja as redes sociais com o impacto que tem para desmontar essas fake News. E ao mesmo tempo trazer os grandes problemas da cidade. É impressionante. Tenho 41 anos vividos na cidade de São Paulo. Eu nunca vi uma situação tão contraditória entre as possibilidades que a cidade tem, com o maior orçamento da sua história que deve chegar no ano que vem a 112 bilhões de reais, e ao mesmo tempo com tanto abandono, com a maior população em situação de rua da história, com problemas crônicos, por exemplo, na área da saúde em relação à distribuição de medicamentos, nem dipirona tem nas UBS das periferias da cidade, com o nível de abandono das pessoas muito grande… É isso que nós vamos mostrar e dialogar com o povo na campanha.

Você anunciou um giro por São Paulo para falar com toda a população. Como tem sido esse giro pelas subprefeituras e o reencontro com a população fora das telas dos celulares? 

Estamos começamos agora. Fizemos o primeiro encontro em São Mateus, com uma agenda muito extensa: nos reunimos com religiosos, com o Fórum de Assistência Social, Fórum da Criança e do Adolescente, visitamos comunidades que estão com problemas crônicos… Aliás, lá no Vila Bela, em São Mateus, é muito emblemático o que está acontecendo. A bandeira do Ricardo Nunes tem sido o asfalto, um prefeito que não tem o que mostrar e começa a asfaltar, só fala de asfalto. Só que mesmo o asfaltamento que ele tem feito, tem sido cheio de problemas, 75 % do asfalto que fez foi nas Marginais e grandes avenidas. No bairro Vila Bela, o povo está lá esperando o asfalto há anos, numa situação precária. Nós fomos lá, fizemos a denúncia, junto com vários parlamentares do PT, vereadores, deputados, que já estão nos acompanharam nessa jornada. Então, esse giro vai servir para isso. Temos feito grandes plenárias com movimentos, com mandatos parlamentares… É um momento importante de escuta, porque como nós não estamos ainda na campanha. Na campanha, você vai para pedir voto, é uma coisa mais de evento, de demonstração… Agora, há  um ano ainda da eleição, o que  gente tem condições de fazer são essas atividades para escutar os problemas, e que vão nos subsidiar para formular um programa de governo de baixo para cima, o que nós queremos fazer no primeiro semestre do ano que vem. Por isso, esse giro, de você ouvir a pessoa que está lá na comunidade, na ponta, de ouvir o assistente social que está trabalhando lá no CRAS, perceber quais são os problemas da vida real e cotidiana do povo em cada uma das regiões da cidade, isso dá uma condição para que a gente formule um programa de governo sintonizado com o povo, que pulse no mesmo ritmo que o povo. Ou seja, por enquanto, estamos trabalhando sobretudo como um giro de escuta, de mobilização da nossa militância, das lideranças nas regiões, mas principalmente de escuta dos problemas para que a gente possa depois traduzir isso num programa de mudanças para São Paulo.

— E é legal também se vocês trouxerem isso durante todo o processo, para todo mundo ler também, todo mundo poder escutar, porque, às vezes, a gente está preso na nossa bolha, mas não escuta o que o outro está sofrendo na mesma cidade.

Com certeza. À vezes, numa eleição municipal, você fica discutindo os grandes problemas da cidade, a segurança pública, o problema do atendimento à saúde, faz uma discussão geral sobre educação, sobre serviço público e muitas vezes, não consegue entrar nos temas concretos que o povo está enfrentando. Você fica em debates gerais. A eleição municipal é aquela eleição mais perto do povo. O primeiro contato do povo com o poder público é com a prefeitura, com os temas básicos de zeladoria, com os temas básicos de cuidado, de assistência, de serviço público. Para que a gente saiba o que não funciona, para poder, inclusive, fazer a crítica e construir soluções para que passe a funcionar de uma melhor maneira, é essencial escutar as pessoas.

— Você está numa pré-candidatura dessa cidade-país, que é São Paulo, um país, um orçamento gigantesco e você está acompanhando de perto o governo federal, atuando no Congresso. Como você está vendo com esperança esse momento político?

Eu vejo com muita esperança, mesmo sabendo das dificuldades. Nós derrotamos o Bolsonaro, mas ainda não derrotamos o bolsonarismo. Nós derrotamos o Bolsonaro, mas nós temos um Congresso Nacional que não expressa o programa que foi eleito nas urnas junto com o presidente Lula. Isso traz contradições, isso traz dificuldades para o processo de reconstrução do Brasil. Mas eu vejo com muita esperança, primeiro porque nós tiramos a corda do pescoço. Às vezes, eu paro e imagino o que seria da gente hoje se o resultado em outubro do ano passado fosse diferente. Onde nós estaríamos? Então, nós precisamos saber valorizar as nossas vitórias. Tivemos uma grande vitória popular, apertada, difícil, enfrentando uma máquina que foi usada de uma forma violenta no governo federal ano passado. E isso abriu um outro horizonte. Um horizonte, inclusive, para que a gente possa discutir os problemas urbanos. Um horizonte para que uma campanha eleitoral no ano que vem não fique presa inteiramente ao chorume, ao ódio, àquele clima doído que nós vivemos nos últimos quatro anos no Brasil. Acho que o sentimento da eleição do ano que vem, após a vitória do presidente Lula, será outro. Ao mesmo tempo, nós não podemos minimizar os riscos. Porque está claro qual é a estratégia do bolsonarismo. O Bolsonaro quer encarar o PL, as lideranças bolsonaristas, querem encarar a eleição do ano que vem como uma prévia para 2026, especialmente nas grandes cidades brasileiras. Seja com os seus candidatos mais raivosos, que expressam um bolsonarismo mais extremo, seja com candidatos de uma direita mais tradicional, aliados ao bolsonarismo, como é o caso de São Paulo, onde, pelo menos até agora, eles tendem a compor uma aliança com o Ricardo Nunes. O Ricardo Nunes cola no Bolsonaro e fica puxando o Bolsonaro… Ele quer evitar um candidato bolsonarista para não correr o risco de sofrer a mesma síndrome que o Rodrigo Garcia sofreu. Máquina na mão não garante nem ir para o segundo turno, quanto menos vitória eleitoral. O ano passado mostrou isso aqui na eleição para governador no estado de São Paulo. O Rodrigo tinha uma máquina maior que a dele e não foi nem para o segundo turno.  Para além disso, também mostra a dificuldade que ele tem de discutir os problemas da cidade. Ele não tem o que responder de por que não cumpriu nenhuma meta, de por que era para fazer 14 piscinões e fez 2,  por que era para fazer 40 quilômetros de corredor no programa de metas e fez 4, por que nós temos 53 mil pessoas morando nas ruas de São Paulo com o caixa cheio, com uma política assistencial de habitação totalmente ineficiente. Ele não tem resposta para esses temas. Eu acho que nós temos que nos focar nos temas municipais, mas ao mesmo tempo, ter muita firmeza para fazer o debate nacional. Ele vai querer esconder o Bolsonaro, porque ele precisa do Bolsonaro, mas ao mesmo tempo vai tentar escondê-lo, porque sabe que o Bolsonaro é tóxico na cidade de São Paulo, tem uma rejeição altíssima. Eu vou ter o maior orgulho de mostrar o presidente Lula e de ser o candidato do Lula em São Paulo.

— Você disse no ano passado, em um talvez senso comum, mas bem assertivo, que a eleição [2022] seria uma encruzilhada entre democracia, civilização e a barbárie. Me parece que até hoje os setores da sociedade não sabem o que é de fato essa barbárie, não assumem que a gente viveu uma barbárie. Como explicar que pessoas que mais sofrem estão ainda ligadas à extrema-direita, como mostram pesquisas?

Sobre esse tema de setores populares que ainda apoiam o Bolsonaro: eles são cada vez mais minoritários, é importante dizer isso. É importante pontuar que isso teve uma ligação muito forte com o uso da máquina e com a venda de uma ilusão a partir desse uso da máquina, o que foi lá nas vésperas da eleição aumentar o Bolsa Família, que eles chamaram de Auxílio Brasil, o que foi criar aquele consignado do Auxílio Brasil, que inclusive foi suspenso. Ou seja, a maior parte das camadas populares sentiram na pele o que foi o efeito do programa econômico do Bolsonaro e do Paulo Guedes. E por isso elegeram o Lula. O Lula ganhou essas eleições, sobretudo pelo voto popular das pessoas que ganham menos de dois salários-mínimos no país. Esse é o ponto importante. É lógico que ainda existe um setor que tem essa vinculação e, no meu entendimento, a chave disso é a antipolítica. O Bolsonaro é produto da antipolítica. Quando se diz todo político é igual, ninguém presta, é farinha do mesmo saco, qual é a consequência natural disso? É você buscar soluções fora da política. E ele foi vendido, apesar de ser deputado há 27 anos, foi vendido como o cara de fora da política, o anti-establishment. E isso pegou para uma parte da população mais pobre com esse sentimento de rejeição à política. Eu acho que o presidente Lula está voltando a colocar a política no centro da arena e isso é muito importante. 

— Como tem sido a conversa e a proximidade com o presidente Lula? Ele está animado?

Pelo que eu tenho conversado com o presidente, ele compreende a importância da eleição de São Paulo para a cidade de São Paulo e para o Brasil. Nós estamos falando da principal cidade do país e estará conosco na campanha. Vai estar e é muito importante que esteja. Pela força, o Lula é a maior liderança popular da história desse país. A capacidade de comunicação, o carisma do Lula, a relação direta que ele tem com o povo brasileiro, com o povo mais pobre… Isso é muito forte. E isso é muito importante, até por entender também que o atual prefeito, apesar de ser de um partido que tecnicamente está na base do governo, que é o MDB, fez uma opção política. E essa opção ele não fez só agora. Ele votou no Bolsonaro em 2018 e declarou. Ele fez campanha para o Tarcísio em 2018 na capital de forma aberta, usando a máquina. Se reúne com o Bolsonaro e com os bolsonaristas toda semana para buscar consolidar o apoio. Tenho certeza que esse processo fortalece ainda mais a convicção do presidente Lula de entrar com força e de cabeça na campanha em São Paulo.

— Qual sua utopia de reconstrução da cidade de São Paulo?

— Quando moleque, fui atuar no movimento social, porque era uma coisa que eu não conseguia digerir, de ver gente morando na rua. Para mim, esse sempre foi uma coisa desumana. Para além de convicção ideológica, teórica, isso é muito prático. Ter alguém passando fome, ter alguém que não tem um teto, é uma coisa inadmissível. Eticamente inadmissível. Por isso que eu fui e fiquei vinte e poucos anos atuando no movimento dos trabalhadores sem teto. Quando eu decidi entrar na política institucional, ser candidato, isso não foi uma virada para mim. A mesma coisa que me moveu lá atrás a ir para um barraco de lona, numa ocupação, e lutar junto com as pessoas que não tinham onde se abrigar, é a que me moveu depois a ser candidato a prefeito, a me tornar deputado federal, porque a política é o grande instrumento que nós temos para mudar a vida das pessoas.

 A política é fascinante, a política mexe com esperança, mexe com o futuro. Poder utilizar esse instrumento para fazer com que em São Paulo nenhuma pessoa more debaixo de um viaduto, nenhuma pessoa revire o lixo para poder comer, isso para mim é um senso de dever, é uma missão, é daí que nós temos que partir. Agora, lógico, para além desse sonho que é mais afetivo, que é mais visceral, politicamente, nós estamos num momento em que o mundo todo, todas as cidades do mundo estão pensando transição socioambiental, construção de cidades resilientes às mudanças climáticas, transição energética para ônibus elétricos, tratamento dos resíduos sólidos de uma forma diferenciada e não enterrando em aterro, separação na origem, redução de distâncias entre local de moradia e local de trabalho, uma cidade socialmente mais justa, ambientalmente mais sustentável e politicamente mais participativa. Uma das coisas que eu acho que as experiências de governo municipal do PT construíram de mais estimulante foram mecanismos, como orçamento participativo. É chegar numa região, numa periferia, num fundão onde muitas vezes o povo nunca foi ouvido e permitir que essas pessoas tenham um poder de decisão sobre as prioridades que o Estado deve atuar naquela região. Esse processo de descentralização de gestão que as gestões petistas construíram muito bem… É nesse caminho que eu imagino a reconstrução de São Paulo com uma vitória eleitoral nossa no ano que vem.  •

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