Com a prisão de mais um suspeito de participação no crime, Polícia Federal e MPF avançam na investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O ex-policial Élcio Queiroz faz delação premiada e Flávio Dino diz que solução está perto de acontecer

E quem é o mandante?

O Brasil acordou na última segunda-feira, 24, com mais uma razão para ter esperança de conseguir entender, finalmente, quem mandou matar Marielle Franco e por quê? Às 7h02, o ministro da Justiça, Flávio Dino, avisou, por suas redes sociais, que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro tinham novidades sobre os homicídios de Marielle e do motorista Anderson Gomes: “Foram cumpridos um mandado de prisão preventiva e sete mandados de busca e apreensão.”

A operação deflagrada pela PF nas primeiras horas do dia 24 resultou na prisão do bombeiro Maxwell Corrêa, o “Suel”. De acordo com o MP do Rio, Maxwell era o dono do carro usado para esconder as armas que estavam em um apartamento de Ronnie Lessa, apresentado na coletiva de Dino como amigo e ex-bombeiro, que também teria ajudado a jogar o armamento no mar.

Além de Maxwell, foram intimados a depor Denis Lessa, irmão de Ronnie; Edilson Barbosa dos Santos, conhecido como Orelha; o casal João Paulo Vianna Soares, vulgo Gato do Mato, e Alessandra da Silva Farizote. O mesmo no caso do policial militar Maurício da Conceição dos Santos Júnior, o Mauricinho; e Jomar Duarte Bittencourt Júnior, Jomarzinho, filho de um delegado federal.  Além disso, com a delação de Queiroz, um novo nome surgiu no caso: Edmilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé.

Ao longo da última semana, os brasileiros ainda saberiam de mais detalhes sobre o crime cometido em 14 de março de 2018, quando a vereadora do PSOL e o motorista foram sumariamente executados em pleno centro do Rio de Janeiro.

O que desencadeou esse avanço nas investigações que, de resto,  já havia sido anunciado alguns dias antes pelo ministro, foi a delação premiada do ex-policial militar Élcio Queiroz, acusado de ser o condutor do veículo que levava o suspeito de assassinar Marielle Franco, Ronnie Lessa, outro ex-PM. Na delação, ocorrida semanas atrás, Queiroz confessou que conduzia o veículo e confirmou que Ronnie Lessa foi o autor dos disparos que mataram Marielle Franco.

O que pôde ser divulgado sobre a delação de Queiroz também fez os brasileiros reviverem, com detalhes tenebrosos, a brutalidade do atentado, que também deixou ferida a jornalista Fernanda Chaves, assessora da vereadora. Por exemplo, o fato de que, depois de que se livraram do carro e da arma do crime, Queiroz e Lessa passaram a noite comemorando o feito. Ou que o plano de matar Marielle vinha sendo planejado há tempos, desde 2017.

No entanto, mesmo que as investigações tenham dado passos importantes, o documento da Polícia Federal assinalou que ainda será preciso entender quem mandou matar Marielle. A razão é simples: apesar dos esforços da Polícia Federal e do MPF do Rio, muitas linhas de investigação já se perderam ou não são possíveis de ser recuperadas.

Documento divulgado pela PF e pelo MPF afirma: “Outro aspecto relevante a ser destacado consiste na notória dificuldade imposta pelo extenso lapso temporal entre o crime e a presente apuração. Parte significativa das provas e evidências deixadas por seus autores, seja mandante seja executor, pereceu com o tempo, impondo severa limitação a novas diligências que se mostraram oportunas com o avanço dos trabalhos”.

Apesar desse banho de água fria, o ministro Flávio Dino, em coletiva concedida na própria segunda-feira, considerou a nova etapa um “avanço”. A partir da delação de Élcio, as instituições envolvidas terão os elementos necessários ao prosseguimento da investigação. “Não há, de forma alguma, a afirmação de que a investigação se acha concluída, pelo contrário. O que acontece é uma mudança de patamar da investigação”, disse. “Há aspectos que ainda estão sob investigação, em segredo de Justiça. O certo é que nas próximas semanas provavelmente haverá novas operações derivadas desse conjunto de provas colhidas no dia de hoje [segunda]”.

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou que o ex-bombeiro Maxwell atuava na “vigilância” e no “acompanhamento” de Marielle Franco. “Já poderia adiantar que ele participou de ações de vigilância e acompanhamento da ex-vereadora e apoio logístico com os demais [participantes] de toda essa cadeia criminosa. Ele teve papel importante neste contexto inteiro. Antes e depois [do crime]”, comentou.

“Conseguimos determinar com lastro firme como foi o dia 14 de março. Essa é uma fase do trabalho e conseguimos provas importantes. Conseguimos, com muita consistência, estabelecer a mecânica do crime”, disse o superintendente da Polícia Federal no Rio, Leandro Almada .

Apesar de as prisões dos principais suspeitos do crime Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz terem ocorrido em 2019, ainda há muito o que esclarecer, além da pergunta sobre quem mandou matar Marielle e Anderson. As constantes trocas no comando do inquérito da Polícia Civil e uma série de tentativas de atrapalhar as investigações deixaram o caso praticamente em ponto morto nos últimos quatro anos.

Só quando a Polícia Federal instaurou, em fevereiro, um novo inquérito e passou a trabalhar em conjunto com  o Ministério da Justiça e o Ministério Público Federal  do Rio é que o caso foi retomado.

Uma das interrogações mais importantes se refere às motivações do crime. Desde as primeiras denúncias, a principal linha é que a atuação política da vereadora pode ter levado os assassinos a agirem. “Isso não exclui outras motivações. [Mas] não exclui o fato de que Ronnie tinha ojeriza às causas defendidas por ela. Isso está na primeira denúncia e permanece”, disse o promotor Eduardo Martins.

O novo “patamar das investigações” sobre o caso Marielle, como denominou Flávio Dino, foi recebido com entusiasmo pelo campo progressista, que saudou a celeridade das novas descobertas em apenas cinco meses de investigação. Bem como o fato de poder saber, afinal, quais as ligações dos perpetradores Lessa e Queiroz com as milícias cariocas e seus desdobramentos políticos, como a possível ligação de Lessa com a família Bolsonaro.

Já a extrema-direita, que espalhou fake news sobre Marielle desde o primeiro momento, tentando desqualificar sua militância como feminista negra e lésbica e sua atuação junto às comunidades dominadas pelas milícias, ainda tentou interferir ativamente para atrapalhar as investigações. Daí que, imediatamente, bolsonaristas  reagiram nas redes sociais minimizando as revelações do MPF e da PF ou problematizando o recurso da delação.

A grita daqueles que preferiam tratar o atentado de Marielle como um crime qualquer ou motivado por questões pessoais não passou despercebida por Dino. Ainda na segunda-feira, o ministro postou o seguinte comentário nas redes sociais: “Impressiona a quantidade de gente incomodada com o avanço das investigações do caso Marielle. Mas isso não me intimida nem desmotiva. Vi de tudo nas ultimas 24 horas: disparates jurídicos proferidos por incompetentes; comentários grosseiros na TV; campanhas de desinformação via internet; reclamação pela presença da Polícia Federal nas investigações. Sabem o que mudou no nosso caminho de luta ? NADA”. •