A crescente importância do bloco formado pelos cinco países emergentes — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — em meio à rápida mudança geopolítica está sendo refletida na segurança global. O multilateralismo é a força da cooperação de segurança: 40 outras nações querem participar do clube

Na última semana, os conselheiros de segurança nacional do  países que integram os BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — se reuniram na África do Sul, como parte da preparação para a tão esperada cúpula do bloco que acontece em agosto em Joanesburgo. A cooperação política e de segurança é um dos objetivos originais da cooperação do bloco, e é também um dos pilares da atual agenda. O encontro de conselheiros de segurança Nacional e altos representantes serve como a principal plataforma para os países do BRICS discutirem e realizarem cooperação no campo da política e segurança.

A atual governança de segurança global está passando por choques sistêmicos com crescentes fatores turbulentos na conjuntura internacional. Os EUA estão criando uma atmosfera de confronto e tensão em todo o mundo, utilizando a chamada Estratégia Indo-Pacífica e a OTAN para cercar e conter simultaneamente a China e a Rússia. O objetivo é manter a velha ordem global que os EUA monopolizam. 

Para conseguir isso, a Casa Branca fortaleceu seus vários mecanismos de cooperação em segurança, coagindo outros países a se alinharem aos seus interesses. Especialista militar chinês, Song Zhongping disse ao jornal Global Times que tal abordagem está, na verdade, usando um mecanismo de segurança para sequestrar os interesses de outras pessoas. Em contraste, a cooperação de segurança do BRICS enfatiza a segurança multilateral e a segurança comum, o que é muito diferente do que os EUA defendem. 

Diretor do Centro de Estudos Políticos e de Segurança do BRICS, da Universidade de Estudos Internacionais de Sichuan, Zhu Tianxiang avalia que o mecanismo do grupo tem maneiras e métodos diferentes dos mecanismos dominados pelo Ocidente ao lidar com questões globais e regionais importantes. A discussão de todas as questões, inclusive de segurança, pelos países do BRICS é baseada no consenso. Não existe o chamado domínio e todos estão em pé de igualdade. As soluções para problemas específicos também são diferentes daquelas adotadas no Ocidente. Diferente dos países do bloco, outros costumam impor sanções ou mesmo usar meios militares, enquanto na cooperação montada pelas cinco nações emergentes são usados métodos pacíficos, para promover a diplomacia, o diálogo, a negociação e a mediação. Isso tem fornecido novas ideias para a segurança regional e global.

Agora, as diferenças de segurança entre os países ocidentais e os países emergentes, incluindo aqueles em desenvolvimento, estão se ampliando e as disputas ideológicas em escala global estão se intensificando. Para tornar o mecanismo de cooperação do BRICS mais duradouro e desenvolvimentista, devem ser estabelecidos mecanismos de segurança correspondentes para garantir a cooperação entre os países que integram o bloco. Isso também é crucial para a cooperação econômica. Enquanto isso, o aprofundamento da cooperação econômica pode, por sua vez, promover a confiança mútua entre os Estados membros em sua cooperação de segurança.

Song acredita que é difícil manter o multilateralismo e um mundo multipolar apenas por meio da cooperação econômica. No campo da segurança tradicional, alguns países do Ocidente reprimiram os países emergentes e em desenvolvimento de várias maneiras. Ao mesmo tempo, no processo de cooperação econômica, os países em desenvolvimento também enfrentam restrições na segurança não tradicional, como terrorismo, nacionalismo extremo e forças separatistas. Tudo isso atrapalha o desenvolvimento econômico. É por isso que os BRICS devem fortalecer a cooperação no campo da segurança.

Pequim avalia que a Iniciativa de Segurança Global apresentada pela China defende a adaptação à situação internacional em mudança com um espírito de solidariedade e a resposta a desafios de segurança complexos e interligados com pensamento ganha-ganha. Busca eliminar as causas profundas dos conflitos internacionais e melhorar a governança da segurança global. Isso coincide com o multilateralismo e a segurança comum perseguidos pelos BRICS. 

Dentro dos membros do bloco, embora cada país tenha suas próprias condições nacionais, há um amplo consenso sobre a manutenção conjunta da cooperação internacional em segurança. O multilateralismo é necessário para os países emergentes e em desenvolvimento. Esta é também a razão pela qual mais de 40 países manifestaram interesse em ingressar no BRICS. 

Na avaliação do governo Xi Jinping, o BRICS tem uma força centrípeta, que busca promover um mundo multipolar e permitir que os países emergentes e em desenvolvimento tenham mais poder de discurso. Dentro do bloco, não há um país que dite e possa corroer os interesses de outros países à sua vontade. 

Nos primórdios do BRICS, havia muitas vozes falando mal da perspectiva do grupo, apontando os diferentes sistemas políticos, sistemas sociais e ideologias dos estados membros. Zhu disse que, embora isso seja verdade, a maneira como o BRICS se desenvolveu até hoje e a maneira como a cooperação econômica e de segurança avançou constantemente sob o mecanismo mostram que essas diferenças não afetam a unidade e atratividade do bloco e seu papel no sistema internacional. “Esta é a essência do multilateralismo”, disse Zhu ao GT.

O fato é que o BRICS passou de um slogan sonhado em um banco de investimento para um clube do mundo real que também controla um grande banco de desenvolvimento — o NDB. Agora dezenas de países de todas as tendências políticas, incluindo o Irã e a Arábia Saudita, estão clamando para se juntar, criando possíveis atritos na cúpula do grupo, que acontece de 22 a 24 de agosto na África do Sul.

Vale lembrar que a sigla BRIC foi cunhada em 2001 pelo economista Jim O’Neill, então no Goldman Sachs, para chamar a atenção para fortes taxas de crescimento no Brasil, Rússia, Índia e China. Foi concebido como uma tese otimista para os investidores em meio ao pessimismo do mercado após os ataques terroristas nos EUA em 11 de setembro daquele ano. As quatro nações pegaram a ideia e correram com ela. Seu rápido crescimento na época significava que eles tinham interesses compartilhados e desafios comuns.

Os quatro países já estavam cooperando em fóruns como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e sentiram que sua influência em uma ordem mundial dominada pelos EUA seria maior se suas vozes fossem combinadas. A primeira reunião de ministros das Relações Exteriores do BRIC foi organizada pela Rússia à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2006. O grupo realizou sua primeira cúpula de líderes em 2009. A África do Sul foi convidada a participar no final de 2010, estendendo a adesão a outro continente.

As maiores conquistas concretas foram financeiras. Os países concordaram em reunir US$ 100 bilhões em moeda estrangeira, que podem emprestar uns aos outros durante emergências. Essa facilidade de liquidez tornou-se operacional em 2016. Eles fundaram o Novo Banco de Desenvolvimento — uma instituição inspirada no Banco Mundial que aprovou mais de US$ 30 bilhões em empréstimos para projetos como infraestrutura de água e transporte desde que iniciou suas operações em 2015. O banco é presidido desde o início do ano pela ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff.

Agora, o BRICS planeja discutir a viabilidade de uma moeda comum este ano. Economicamente, os recursos naturais e produtos agrícolas do Brasil e da Rússia os tornam parceiros naturais para a demanda chinesa. A Índia e a China têm conexões comerciais mais fracas umas com as outras, em parte devido a rivalidades políticas e uma amarga disputa de fronteira.

O grupo começa a discutir a possibilidade de ampliar o bloco. A China iniciou a conversa sobre a expansão a sério quando presidiu o grupo no ano passado. A proposta será um foco principal na cúpula deste ano. Mais de 40 países manifestaram interesse e, desses, 22 pediram formalmente a adesão, incluindo a Argentina e “todos os principais países do Sul Global”. Arábia Saudita, Irã, Bangladesh e Emirados Árabes Unidos estão entre os interessados. Para novos participantes, fazer parte dos BRICS poderia expandir sua influência diplomática e abrir oportunidades lucrativas de comércio e investimento. •

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