Imagine um festival de rock com a presença de Gene Vincent, Jerry Lee Lewis, Little Richard, Chuck Berry, The Doors, Bo Didley e Alice Cooper. Pois isso rolou em Toronto e marcou a primeira apresentação do beatle com a Plastic Ono Band, em que Yoko berrava — literalmente — contra a guerra do Vietnã

Documentário resgata John Lennon em 1969

Olímpio Cruz Neto

Lançado em 2022, o incrível documentário “Revival69: The Concert That Rocked the World” [“Revival69: o concerto que chacoalhou o mundo”, em tradução livre] estava disponível há pouco no serviço de streaming da Apple e é uma surpresa. Em 1969, Toronto sediou um dos festivais de música mais impressionantes da história do rock’n’roll, no Varsity Stadium, com um line-up que incluía John Lennon, Gene Vincent, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry, Little Richard, Bo Diddley, Alice Cooper e The Doors. Foi ali, pela primeira vez, que Lennon ensaiou o fim dos Beatles, ao lado de Eric Clapton, Alan White e Klaus Voormann, apresentando-se depois de três anos longe dos palcos.

O documentário resgata como nasceu a ideia de realizar o show, com o improvável John Brower, diretor do documentário, conseguindo a proeza não apenas de escalar a nata do rock’n’roll dos anos 50, como conseguiu convencer Lennon a atravessar o Atlântico para, sem ensaiar uma única canção realizar uma apresentação. A participação do Beatle quase dissidente teve como ponto alto a performance escandalosa de Yoko Ono como denúncia da guerra do Vietnã, enquanto a plateia assistia estupefata ao show, em que ela ainda se sentou no palco dentro de um saco, cobriu-se da cabeça aos pés, enquanto Lennon berra a letra de “Cold Turkey”.

A proeza de resgatar os bastidores do festival é do produtor Ron Chapman (“Who the F**K Is Arthur Fogel”). O documentário inclui entrevistas exclusivas com Alice Cooper, Robby Krieger, Klaus Voormann e produtores como o lendário Shep Gordon — o homem que empresariou Alice e Blondie —, além de Geddy Lee (este na condição de fã que assistiu às apresentações). “Eu meio que sinto que existem algumas ótimas histórias canadenses que os canadenses deveriam conhecer e se orgulhar, e que deveriam ser divulgadas para o resto do mundo”, disse Chapman. “Poucas pessoas sabem sobre o evento, que a Rolling Stone chamou de o segundo mais importante da história do rock”.

O documentário leva você diretamente para os bastidores do festival, com imagens impressionantes captadas por DA Pennebaker — o homem que eternizou Monterrey Pop e perambulou com Bob Dylan na turnê pelo Reino Unido nos anos 60. É uma história quase inacreditável de como essa constelação de estrelas se juntou para tocar num festival no Canadá, cujos principais veículos duvidaram que John Lennon iria tocar sem os Beatles. O filme resgata as negociações e conversas hilárias entre produtores e jornalistas. Além de imagens incríveis, como Chuck Berry tocando com uma banda de apoio de jovens de 20 anos de idade. E ele não bateu em ninguém.

John Brower, que aparece garoto no filme e relembra a aventura de ter produzido um festival de tamanha envergadura, parece pasmo. Isso porque enfrentou tantas dificuldades que pensou que perderia a própria sanidade. Ele compara seu trabalho no festival a navegar pelo oceano e chegar a um ponto sem volta. “Ou você continua e chega ao seu destino, ou vai afundar”, conta. “Estávamos ansiosos pelo sucesso e quando as coisas começaram a parecer que não iriam [ser bem-sucedidas], apenas adicionamos mais, fazendo com que os Doors entrassem na lista, trazendo Kim Fowley [famoso apresentador americano] e Rodney Bingenheimer [lendário DJ de rock dos EUA] para a cidade”, lembra Brower. 

“O que Ron criou como uma montanha-russa neste filme é, para mim, a parte mais intrigante, porque realmente captura aquele zeitgeist de sucesso e destruição iminente em um período de cinco dias, que é exatamente como foi”, disse Brower em entrevista ao Yahoo! Canadá. Ele menciona que um aspecto estimulante do documentário é observar como, nas horas finais, John Lennon e Yoko Ono desembarcam em Toronto, prontos para se apresentar como The Plastic Ono Band, apresentando Eric Clapton, Alan White e Klaus Voormann. E isso efetivamente levou Lennon a deixar os Beatles.

“O momento mais emocionante foi estar na limusine com John, Yoko e Rodney Bingenheimer quando paramos no centro e estávamos levando nossa escolta para a cidade. É uma das melhores filmagens que já vi”, disse Brower. “Foi impressionante porque eu não fiz parte da montagem disso, eu estava no estádio fazendo o show. E, no dia seguinte, eu estava pensando: ‘isso realmente aconteceu?’ Quero dizer, foi como um sonho enquanto estava acontecendo”.

O produtor do show acredita que pouca gente conhece a história ou a existência do festival pelo fato de ter acontecido em Toronto. “Este festival foi esquecido pelos Estados Unidos”, diz Brower. “Eles não se deram ao trabalho de enviar [nenhuma imprensa] porque [eles têm seus] próprios festivais. A outra parte, é claro, é que uma boa porcentagem do público… veio da América porque os canadenses nem sabiam que esse show estava acontecendo. Eles não sabiam que Lennon estava vindo porque eles não contaram às pessoas. A América sabia disso e eles vieram em massa”.

“Revival69: The Concert That Changed the World” estreou nos cinemas do Canadá em dezembro do ano passado e foi exibido no Hot Docs Cinema de Toronto, seguida de uma sessão de perguntas e respostas com Ron Chapman, John Brower, Geddy Lee e Robby Krieger, moderado por Alan Cross. O filme está disponível em serviços de streaming, no exterior mas o escriba teve a sorte de assistir pelas mãos de um amigo. Você encontra informações sobre o documentário no site da IMDB e pode assistir ao trailer no YouTube. Já vale pressionar a Globoplay para comprar o filme. Este documentário precisa ser exibido por aqui. Urgente! •