“Não vão nos calar”
Deputadas federais do PT e do PSOL sofrem perseguição política. Elas são vítimas de uma campanha sórdida de bolsonaristas, que querem puni-las com a perda de mandato
O movimento de mulheres e feminista, partidos políticos, entidades de classe e movimentos sociais têm se manifestado em apoio às deputadas federais Célia Xakriabá (PSOL-MG), Erika Kokay (PT-DF), Juliana Cardoso (PT-SP), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ). Elas estão sendo atacadas duramente pelo Partido Liberal (PL), sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, que tenta cassar seus mandatos no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
As parlamentares ainda estão sendo atacadas e viraram vítimas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que aceitou em tempo nunca antes visto no Congresso a representação ilegítima contra elas – todas mulheres, todas de esquerda. A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), ressaltou que a violência política de gênero é uma constante dentro e fora do Congresso Nacional.
O argumento do PL é que as parlamentares chamaram de “assassinos” os deputados que votaram a favor do Marco Temporal (PL 490/2007, atual PL 2903/2023), tese da bancada ruralista para alterar as regras da demarcação e a proteção às terras indígenas no Brasil, que colocaria em maior risco a vida dos povos originários, facilitando a já forte ação de garimpeiros, madeireiros e criadores de gado.
Logo após a instauração de processos disciplinares contra as deputadas no Conselho de Ética, elas deram uma entrevista coletiva à imprensa na qual denunciaram a violência política de gênero. A maior evidência de que sofrem uma perseguição infundada é a velocidade sem precedentes com que estão caminhando os processos, abertos a pedido do PL depois de as deputadas criticarem quem votou a favor do marco temporal.
“Assassinos são aqueles que colocam as canetas para que os tratores passem nas terras do nosso povo. Portanto, não vão nos calar. E nós todas, que estamos aqui, e tantas outras, se continuar essa forma absurda de colocar na comissão de ética, nós e as demais parlamentares estaremos semanalmente na comissão de ética. Portanto, eu ecoo aqui a todos vocês que nos ajudem a denunciar e a defender nossos mandatos”, afirmou Juliana Cardoso.
Gleisi denunciou o tratamento desigual dado às seis parlamentares, uma vez que deputados homens de direita fazem constante uso de palavrões, ofensas e ameaças, sem sofrer qualquer tipo de punição. Na semana passada, a Marcha Mundial de Mulheres se posicionou contra o processo na Câmara, denunciando-o como violência, e cobrando da direção do parlamento medidas que coíbam o uso desse tipo de recurso como forma de perseguição.
Parlamentares mulheres ocupam somente 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Mas 63% dos processos na Comissão de Ética da Câmara são contra deputadas, em um cenário em que representações contra homens de extrema-direita que conclamaram, organizaram e defenderam o golpe de 8 de janeiro dormem há 140 dias nas gavetas de Arthur Lira.
A violência política é um instrumento para afastar mulheres dos espaços de poder e é, neste caso, uma forma de calar vozes de esquerda em uma Câmara cujo papel deveria ser o de aprofundar a democracia. Este método de intimidação e silenciamento são usados por representantes da extrema-direita também em Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores ao redor do país, para impedir que representantes eleitas digam a verdade sobre a desigualdade, a exploração e a violência que as elites detentoras do poder econômico patrocinam contra a população brasileira.
O apoio às deputadas sob perseguição vem também de um grupo instituído pelo governo Lula. Sob coordenação do Ministério das Mulheres e composto pelos ministérios dos Povos Indígenas, da Igualdade Racial, da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Grupo de Trabalho Interministerial de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres enviou solicitação formal à Mesa Diretora da Câmara para rejeitar o pedido de processo aberto contra as deputadas.
O grupo pede ainda que a Câmara passe a considerar violência política de gênero as manifestações violentas contra parlamentares mulheres de quaisquer partidos e instaure mecanismos que criminalizem esse tipo de procedimento.
Na última semana, foi divulgado o relatório do enviado especial da Organização das Nações Unidas, Clément Nyaletsossi Voule, sobre direito à liberdade de reunião e associação. O relator especial esteve no Brasil para avaliar a situação dos direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação no país, conforme as resoluções 15/21 e 41/12 do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O documento será base para que as Nações Unidas possam fazer comparativos aos avanços e/ou retrocessos do governo atual com a gestão anterior.
Por ter sido apurado durante a gestão do ex-presidente genocida, o relatório expressa preocupação com o encerramento das reuniões cívicas no espaço e o aumento da violência política no Brasil, que ameaçam o efetivo gozo dos direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação ao longo dos últimos anos. Ele relaciona o aumento do número de assassinato com o crescente medo de pessoas, principalmente mulheres, de investirem na vida política por falta de segurança.
O relator especial adverte que o aumento da violência política e do discurso de ódio ameaça destruir os valores democráticos fundamentais dentro de uma sociedade que já luta contra o legado de racismo e discriminação contra comunidades indígenas e tradicionais, e com a intolerância histórica contra outros grupos minoritários, como pessoas LGBTI+, refugiados, requerentes de asilo e migrantes. •