O fato de a gigante de tecnologia Meta, proprietária do Facebook, Instagram e Whatsapp, admitir descontrole sobre o conteúdo ajuda a impulsionar o debate sobre o tema. “Todo o poder às plataformas gera um sistema privado de censura”, diz relator do projeto das Fake News, deputado Orlando Silva

Brasília 07/03/2023 – Joāo Brant João Brant (Secretaria de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, durante primeiro painel AGU e a defesa da democracia. Durante abertura da cerimonia de comemoração dos 30 anos da Advocacia Geral da Uniāo (AGU). Foto: Joédson Alves/Agência Brasil.

Isaías Dalle

A Meta, empresa que é proprietária das plataformas Facebook, WhatsApp e Instagram, já admitiu que seus sistemas de controle e moderação de conteúdo falharam. A Big Tech assumiu que falhou ao manter no ar um vídeo que conclamava a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes da República, em 8 de janeiro.

O fato de a própria gigante de tecnologia reconhecer que não excluiu o vídeo por não ter capacidade de detectar seu caráter antidemocrático e ilegal reforça a necessidade de uma regulação para o setor. A avaliação é do secretário de Políticas Digitais do governo Lula, João Brant.

A gigante do Vale do Silício já havia admitido o erro em março. Mas, na semana passada, voltou a abordar o assunto. Dessa vez, atribuiu o erro ao fato de que a pontuação do texto que acompanhava o vídeo, em português, confundiu seus sistemas de controle. Essa explicação oficial, mesmo que não diga tudo, serve ao menos para mostrar uma fragilidade no modelo de moderação a cargo exclusivamente da própria empresa.

Isso sem falar nos ataques explícitos que as próprias plataformas protagonizaram contra o projeto de lei que pretende regular a veiculação de conteúdos digitais no Brasil. Às vésperas da votação da proposta no Congresso, no início de maio, o Google veiculou anúncio oficial em que acusava o projeto de tentar impor censura no país e de prejudicar a qualidade dos serviços.

Segundo a empresa admitiu depois ao Supremo Tribunal Federal, o anúncio teria custado R$ 2,1 milhões. A pressão das big techs forçou o adiamento da votação do projeto, em tramitação no Congresso Nacional. O nível de pressão revelou o caráter danoso da atuação das grandes empresas de tecnologia, que atuam como se não tivessem obrigações legais. O ministro da Justiça, Flávio Dino, criticou duramente a conduta da empresa.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto, batizado pela imprensa de “Lei das Fake News”, acredita que o tema deve ser apresentado novamente à Câmara dos Deputados no início do segundo semestre. Silva e Brant participaram, na semana passada, de um debate sobre regulação das redes, promovido na Universidade de Brasília (UnB) e organizado pelas fundações partidárias, entre elas a Perseu Abramo.

Para o deputado e o secretário, um dos principais desafios para a aprovação do projeto é desfazer a ideia, junto à opinião pública, de que se trata de tentativa de censura. “É exatamente o contrário. O usuário das plataformas não será tutelado, e sim terá um mecanismo de proteção”, afirma Orlando Silva.

Um dos pilares da proposta é criar um conjunto de princípios, cujo cumprimento será analisado periodicamente por um conselho independente, com participação de representantes de usuários, das próprias empresas de tecnologia e de comunicação, dos poderes públicos e de pesquisadores. “Não haverá controle individualizado sobre as atividades das pessoas”, garante.

Esse tipo de regulamentação vigora em outros setores, explica João Brant. “É similar ao que se pede a uma empresa concessionária de estradas”, exemplifica. “Ela não deve responder por cada acidente ou imprudência de motoristas individuais. Mas deve agir preventivamente, sendo cobrada pela qualidade do asfalto, da sinalização”.

Outro exemplo citado por Brant é o setor financeiro, que tem regras para prever e evitar riscos sistêmicos, como a quebra de bancos. “No caso das plataformas digitais, há um conjunto de riscos sistêmicos, e um dos maiores é o risco para a democracia. O modelo de negócios desse setor, baseado no engajamento a qualquer custo, favorece o espírito incendiário para atrair audiência”, aponta.

A censura existe, de fato, no modelo atual, na opinião de Orlando Silva. “Todo o poder às plataformas gera um sistema privado de censura, em que os dados são coletados e processados em escala industrial. O que defendemos é o direito de ter um controle sobre esses dados, de forma plural”. Silva destaca que esse controle não estará nas mãos do governo, e sim de um conselho em que as empresas, inclusive, terão participação. “Houve críticas dizendo que o governo pretendia criar o Ministério da Informação. Onde isso está escrito?”, questiona João Brant.

Segundo o secretário de Políticas Digitais, a regulamentação proposta cria regras gerais, a partir de conceitos legais e de direitos já consignados em outras esferas da sociedade. Por isso, não engessariam a evolução tecnológica.

Um desses conceitos, segundo Brant, é o dever de cuidado. Refere-se à prevenção de crimes contra o Estado, racismo, violência contra a mulher, suicídio, crimes contra crianças e adolescentes e contra a saúde pública. Outro é a instituição de auditoria periódica, sob responsabilidade do conselho independente, como ocorre, entre outros setores, nas atividades empresariais. “Esse órgão vai lidar com as obrigações das plataformas. Já as atividades individuais na rede vão ser reguladas pelas próprias plataformas”.

O deputado e o secretário têm dialogado, desde o início do ano, para aperfeiçoar o projeto de lei, ouvindo propostas de diferentes setores, inclusive de pessoas envolvidas em projetos de regulação que estão avançando na Europa. Ambos acreditam, no entanto, que falta mobilização social de setores progressistas. Ao contrário do que se observa no campo fundamentalista, que vem mobilizando a partir de fake news como, por exemplo, a de que o projeto vai impedir a publicação de trechos bíblicos na rede. •

`