Finalmente, o ex-presidente enfrenta o primeiro julgamento na Justiça pelos muitos abusos e crimes cometidos. O TSE julga esta semana o pedido de inelegibilidade movido pelo PDT que pode tirá-lo da disputa em 2026 e colocá-lo fora da política por oito anos. Ainda é pouco e não é nem o começo dos seus problemas no Judiciário. Ele terá de responder ainda pelos crimes contra a democracia e os quase 700 mil mortos na pandemia da covid-19

Bolsonaro na mira da justiça

Ninguém parece acreditar na possibilidade de Jair Bolsonaro escapar de uma condenação pela Justiça Eleitoral, que pode tirá-lo da vida política brasileira e privá-lo de seus direitos políticos pelos próximos oito anos. O próprio Bolsonaro esboçou uma reação tímida, quase temerária, dizendo que os sinais de que a Justiça vai condená-lo são evidentes.

O ex-capitão do Exército virou um problema até para o bolsonarismo e a extrema-direita, porque o Tribunal Superior Eleitoral deve condená-lo por abuso de poder nas eleições presidenciais de 2022, quando atentou contra o próprio processo eleitoral e jogou a sombra da suspeita — infundada — de que as urnas eletrônicas seriam passíveis de fraude. Ele jamais apresentou qualquer evidência. Bolsonaro é agora um zumbi, do qual poucos querem se aproximar, tal o grau de decomposição política que exala de sua liderança. Ele está marginalizado dentro do sistema político, desde que seus apoiadores invadiram e vandalizaram o Congresso, a Suprema Corte e o Palácio do Planalto em janeiro. A invasão dos prédios públicos ganhou repercussão internacional e provocou a rápida reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos outros chefes de poderes da República, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e a presidenta do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber.

O julgamento que começou no TSE na semana passada e deve ser encerrado nesta quinta-feira, 29, vai examinar se o ex-presidente cometeu abuso de poder e uso indevido da mídia quando recebeu embaixadores estrangeiros em julho para levantar dúvidas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas brasileiras. É o primeiro de outros 15 processos eleitorais que aguardam julgamento na Justiça Eleitoral.

A reunião com diplomatas foi realizada no Palácio da Alvorada e transmitido pela Empresa Brasil de Comunicação, evidenciando claramente uma manobra político-eleitoral para alimentar a desconfiança na integridade das eleições. Bolsonaro foi derrotado pelo seu principal adversário político, Luiz Inácio Lula da Silva, nos dois turnos da eleição presidencial de outubro. A reunião com diplomatas foi transmitida ao vivo pela TV e pelas redes sociais YouTube, Instagram e Facebook.

Ao ser condenado pelo TSE, Bolsonaro, de 68 anos, ficaria inelegível para concorrer a qualquer cargo político por oito anos, frustrando qualquer esperança de um retorno rápido. A expectativa é que ele se torne inelegível. Há muitas evidências contra ele. E isso tudo antes dos acontecimentos da insurreição de janeiro, alimentada por hordas de extremistas. Bolsonaro fugiu no final de dezembro de 2022 para não ter de transmitir o cargo, na cerimônia de posse de Lula, realizada em 1º de janeiro.

Bolsonaro negou qualquer irregularidade, alegando que o encontro com os embaixadores era para fins governamentais, não eleitorais, e que era legítimo que um presidente expressasse dúvidas sobre o sistema eleitoral. Na última semana, quando começou o julgamento da denúncia movida pelo PDT, na quinta-feira, o ex-capitão do Excército disse que queria se manter “100% ativo na política” e que qualquer veredicto de inelegibilidade seria uma “afronta”.

“O que fiz ao longo de quatro anos é algo a ser estudado. As pessoas passaram a respeitar a bandeira brasileira, cantar o hino nacional, aprenderam a valorizar a liberdade”, disse o ex-presidente. Ele próprio não acredita na possibilidade de ser absolvido pelo TSE. “Os sinais não são bons, mas estou tranquilo”, disse a apoiadores no último fim de semana passado, enquanto seus apoiadores se preparavam para o julgamento.

Ex-ministro-chefe da Casa Civil na gestão Bolsonaro, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), disse que uma sentença de inelegibilidade do tribunal seria uma “injustiça” que galvanizaria a direita em torno de quem se tornar o sucessor político de Bolsonaro. “Tirar os direitos de um líder que tem o apoio de 48% da população seria vitimizá-lo. O candidato dele venceria facilmente a eleição em 2026”, disse. O progonóstico é ilusório. O ex-presidente terá ainda outros problemas a enfrentar, inclusive na Suprema Corte.

Na última quarta-feira, o Senado aprovou, após quase oito horas de sabatina e duas votações, a indicação do advogado Cristiano Zanin para exercer o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga aberta pela aposentadoria de Ricardo Lewandowski. Ele foi advogado de Lula no caso da Lava Jato. Seu nome recebeu o voto favorável de 58 senadores, contra apenas 18. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o resultado foi de 21 a favor e 5 contra. No STF, Zanin deve se somar à maioria que virou alvo de Bolsonaro durante o processo eleitoral.

Na semana passada, o jornal britânico Financial Times — um dos mais renomados veículos de imprensa em todo o mundo — publicou reportagem de página inteira lembrando a discreta campanha do governo Joe Biden, presidente dos Estados Unidos para defender a eleição do Brasil, na qual Bolsonaro foi fragorosamente derrotado.

Além do julgamento na Justiça Eleitoral, Bolsonaro ainda enfrenta uma série de investigações criminais, incluindo a suposta incitação aos ataques terroristas ocorridos, quando as sedes na Praça dos Três Poderes em Brasília, foram invadidas e depredadas por apoiadores. Ele também vai responde a processo por falsificação de registros de vacinas contra a covid-19.

Além disso, o ex-presidente é investigado por corrupção, peculato e improbidade administrativa, depois que recebeu e guardou dois conjuntos de joias preciosas que teriam sido dados como presentes pela ditadura saudita quando ele ainda estava à frente do governo. De acordo com a legislação, ele teria de colocar as joias como presente ao Estado brasileiro, mas tentou “incorporar” o pequeno tesouro, avaliado em milhões de reais, ao seu “patrimônio pessoal”.

Por fim, Bolsonaro foi apontado pela CPI da Pandemia como um dos responsáveis diretos pela morte de quase 700 mil brasileiras que perderam suas vidas durante a pandemia da covid-19. O ex-presidente foi acusado formalmente de ter cometido nove crimes: prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade. •