A falta de escrúpulos das grandes empresas de tecnologia se escancara. Depois do Google se voltar contra a PL das Fake News, agora é a vez da big tech de Dubai desferir um golpe contra o Congresso. Mas a plataforma foi imediatamente enquadrada pelo STF. É chegada a hora de discutir a regulação das redes sociais e colocar limites

Entre avanços e recuos, nas últimas três semanas, o Brasil assistiu às grandes corporações de tecnologia partirem para uma ofensiva na tentativa de minar a legitimidade do Congresso Nacional em regular o setor, no esforço de reduzir a desinformação e cessar os discursos de ódio promovidos pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos. Depois do Google lançar uma campanha contra o Projeto de Lei 2630/2020 e ter de ser contido pelo Supremo Tribunal Federal, na semana passada foi a vez do Telegram lançar uma campanha aberta contra o projeto das fake news.

Na terça-feira, 9, a plataforma sediada em Dubai, nos Emirados Árabes, enviou uma mensagem a todos os seus usuários afirmando que “o Brasil está prestes a aprovar uma lei que irá acabar com a liberdade de expressão”. 

A reação foi imediata, no parlamento, deputados e senadores alertaram que o ataque era inaceitável. Na quarta, 10, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou à plataforma que apagasse a mensagem crítica ao projeto. E destacou: se a decisão não fosse cumprida em 72 horas, o aplicativo será suspenso em todo o território nacional. No mesmo dia, o Telegram apagou a mensagem.

A decisão de Moraes é dura: “A conduta do Telegram configura, em tese, não só abuso de poder econômico às vésperas da votação do projeto de lei, por tentar impactar de maneira ilegal e imoral a opinião pública e o voto dos parlamentares – mas também flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais investigadas no inquérito 4.874, com agravamento dos riscos à segurança dos parlamentares, dos membros do Supremo Tribunal Federal e do próprio Estado Democrático de Direito, cuja proteção é a causa da instauração do inquérito”.

Moraes ainda determinou ao Telegram que enviasse nova mensagem a todos os usuários, com o seguinte conteúdo: “Por determinação do Supremo Tribunal Federal, a empresa Telegram comunica: A mensagem anterior do Telegram caracterizou flagrante e ilícita desinformação atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e à Democracia Brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada (PL 2630), na tentativa de induzir e instigar os usuários a coagir os parlamentares”.

A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) questionou a campanha da plataforma, criada há 10 anos pelos pelo irmãos Nikolai e Pavel Durov, os fundadores do VK, a maior rede social da Rússia. “Falando em liberdade! Leram o projeto? De que liberdade estão falando? De cometer crimes? Incitar a violência? Mentir? Aliás na mensagem do Telegram várias fake news como a que o governo tem poderes de censura”, criticou.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, elogiou a de decisão do ministro Alexandre de Moraes. “É um passo importante para fixação de balizas regulatórias a tais empresas. O faroeste digital é incompatível com a Constituição”, disse. Dino se surpreendeu com a ferocidade da plataforma. “O que pretendem? Provocar outro 8 de janeiro?”, questionou. E alertou que o governo federal não se deixaria intimidar: “Providências legais estão sendo tomadas contra esse império de mentiras e agressões”.

As grandes corporações de tecnologia, como Google e Telegram, querem permanecer lucrando de qualquer maneira, sem limitações ou responsabilidades legais pela promoção de discursos anti-democráticos ou que recorrem ao uso da violência. O Telegram foi longe demais ao afirmar que o projeto daria ao governo “poderes de censura sem supervisão judicial prévia”. No Congresso, parlamentares do PT perceberam que a própria “campanha”  contra o projeto configura em si mesmo uma peça de fake news e desinformação. Afinal, o texto do projeto de lei não dá ao governo ou outro órgão administrativo o poder de determinar que conteúdos possam ser removidos das redes. O que o projeto define são obrigações às plataformas.

Entre as determinações do PL 2630/2020, que nada têm a ver com “censura”, o texto da lei traz orientações sobre como combater a disseminação de posts criminosos que infestam as redes sociais. “Todas essas atividades ilegais, operadas através dessas plataformas, geram muito lucro. Deve ser por isso que elas quase sempre se negam a colaborar com as investigações”, advertiu o deputado federal (PT-SP) Jilmar Tatto. “É por isso que países do mundo inteiro regulamentam o app”, afirmou o secretário Nacional de Comunicação do PT. •

Os principais pontos do Projeto

  • É dever das plataformas vetar contas inautênticas
  • Obrigação de divulgar relatórios trimestrais de transparência sobre moderação de conteúdos
  • Cria a possibilidade de provedores criarem instituição de autorregulação
  • Multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil em caso de descumprimento na lei
  • Punição por conteúdos com violações à Lei do Estado Democrático, como incitação a golpe, e de direitos da criança e do adolescente; as penas podem ir de advertência a bloqueios
  • Responsabilidade civil das plataformas por qualquer conteúdo impulsionado ou monetizado
  • Transparência dos algoritmos de recomendação de conteúdo
  • Remuneração de conteúdos jornalísticos pelas plataformas
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