Maio de 1956 – João Guimarães Rosa reinventa a linguagem em “Grande sertão”

O escritor João Guimarães Rosa lança “Grande Sertão: Veredas”, pela Livraria José Olympio Editora, em maio de 1956. A primeira coisa que chama a atenção ao ler Guimarães Rosa é a linguagem. A fala dos seus personagens não existe: é uma fala inventada por ele, que misturou uma fala letrada e erudita com outra fala, de raiz sertaneja, temperando essa mescla com transgressões e inovações linguísticas e filológicas — em especial, os neologismos.

A narrativa percorre ruínas, fragmentos, detritos e resíduos de tudo aquilo que o Brasil modernizado pelo desenvolvimentismo de Vargas e de Kubitschek não conseguiu aproveitar e que a República descartou por improdutivo, supérfluo e inútil. Ou seja, a massa compacta de vaqueiros, tropeiros, jagunços, garimpeiros, romeiros, roceiros, caipiras, prostitutas, índios, velhos, mendigos, loucos, doentes, aleijados, idiotas — uma gente que não vai a parte alguma, ninguém os reivindica, não são ninguém. Apenas uma multidão de depauperados e miseráveis que se desloca, sem parar, saindo do sertão, rumo às grandes cidades que simbolizam a última oportunidade de escapar de um mundo de necessidades e carências absurdas — e que descobre, ao fim e ao cabo, a completa inutilidade desse deslocamento.

Pela via da linguagem é possível ver que o pano de fundo da obra de Guimarães Rosa são os grupos excluídos da República brasileira. Pela via da linguagem, da famosa linguagem inventada por ele, essa gente, os excluídos da nossa República, tem a oportunidade de usar a palavra e aceder à História.

Terra de párias e de desterrados, o sertão de Guimarães Rosa é o que não se vê: o fundo arcaico projetado sobre uma sociedade primitiva que vive longe do espaço urbano e que é aparentemente seu avesso. No argumento do próprio Guimarães Rosa, “sertão é o sem-lugar que dobra sempre mais para adiante, territórios.” Sertão é dobra: nem um lado nem outro, mas o que se dá entre; não vai a lugar nenhum, refaz-se sempre no meio do caminho.

Logo no início da narrativa de ”Grande Sertão: Veredas”, o jagunço Riobaldo Tatarana afirma: “Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade”. Sertão é onde todas as coisas ainda estão por fazer, e existe, portanto, uma esperança de expansão do ideal de cidadania; e seu avesso, o lugar do desterro de Riobaldo e de sua gente, a pátria onde muitos brasileiros se equilibram pelas margens da modernidade, sem acesso aos bens, às leis, a um catálogo mínimo de direitos, ao ideário normativo da República.

Rememorar Diadorim é a maneira pela qual Riobaldo se propõe a guiar seu leitor/interlocutor pelo sertão. É a saudade de Diadorim, o desejo de recordar, de chamar Diadorim de volta ao coração que desencadeia em Riobaldo todo o esforço de construir uma narrativa.

É Diadorim, com sua ambiguidade, com sua condição permanentemente híbrida e cambiante, quem aguça nossa sensibilidade para perceber o significado da palavra sertão.

E é Diadorim quem revela igualmente o melhor modo para entender essa figuração equívoca do Brasil, essa paradoxal metáfora de uma República construída longe daquilo que é comum. Um país sem lugar, como Diadorim, permanentemente suspenso entre universalismo e particularismo, cidade e interior, modernidade e arcaísmo, autonomia e dependência, miséria e abundância, república e corrupção, desigualdade e democracia, primeiro e quarto mundo.
João Guimarães Rosa começou a publicar tarde. Em 1946, aos 38 anos, lançou “Sagarana”, seu primeiro livro. Em 1956, publicou “Corpo de Baile” (que se subdivide em três contos autônomos: “Manuelzão e Miguilim”, “No Urubuquaquá, no Pinhém” e “Noites do Sertão”), e seu único romance, “Grande Sertão: Veredas”.

Em 1962, sairiam “Primeiras Estórias” e, em 1967, ano de sua morte, “Tutameia”. Em 1969, a editora José Olympio publicaria dois livros póstumos: “Estas Estórias” e “Ave Palavra”.

25 de maio de 1982 – Repressão começa a queimar arquivos

O governador do Rio Grande do Sul, Amaral de Souza (PDS), extingue o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Estado e manda queimar todos os documentos. Até março de 1983, quando vários Estados passariam a ser administrados pela oposição, outros governadores do PDS iriam encerrar os Dops locais, destruiriam arquivos ou mandariam transferi-los para o Serviço Nacional de Informações (SNI). A operação de ocultamento dos crimes da repressão na ditadura entrava numa nova fase.

Os Departamentos ou Delegacias de Ordem Política e Social, vinculados às Secretarias da Segurança Pública dos Estados, existiam no país desde 1928, realizando sistemática repressão ao movimento operário. Nos cinco primeiros anos da ditadura, tiveram papel central na repressão política, especialmente na Guanabara (antigo nome do Estado do Rio de Janeiro), em São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Com o fim do Dops gaúcho, o governador Amaral de Souza antecipava-se a uma provável vitória do candidato do PMDB – que acabou não ocorrendo.

O Dops de São Paulo seria extinto às vésperas da posse do governador eleito pelo PMDB, Franco Montoro. O delegado Romeu Tuma, último chefe do Dops paulista, foi nomeado diretor da Polícia Federal no Estado, para onde foram transferidos os arquivos.

Os arquivos do Dops do Rio também foram enviados para autoridades federais antes da posse do governador eleito pelo PDT, Leonel Brizola. Em Minas, os documentos foram simplesmente escondidos – só viriam à tona a partir do trabalho de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa, em 1997.

19 de Maio de 1967 – ‘Terra em transe’, de Glauber Rocha, é premiado em Cannes

O longa-metragem “Terra em Transe”, dirigido por Glauber Rocha, é exibido no Festival de Cannes e ganha dois prêmios. Ambientado em Eldorado, país imaginário da América do Sul, o filme acompanha as trajetórias de um poeta e militante (Jardel Filho), um político de direita (Paulo Autran) e um líder populista (José Lewgoy), traçando um painel da política do começo dos anos 1960.

O filme é considerado um espetáculo poético sobre o transe político pelo qual passavam países da América Latina. É também considerado o mais importante e polêmico filme de Glauber e um dos precursores do movimento tropicalista.

O herói da trama é o poeta e jornalista Paulo Martins, vivido por Jardel Filho, especializado em trabalhar para políticos. Na fictícia república de Eldorado, campanhas políticas são polarizadas e confusas. Dois líderes disputam a Presidência: o religioso Porfírio Diaz (Paulo Autran) e o ex-sindicalista Felipe Vieira (José Lewgoy). Paulo é assessor de Diaz, mas se cansa com falsas promessas e passa a apoiar o opositor. Erra de novo. Como o rival, jura combater a fome e governar “para todos”. Mas faz um pacto com políticos e empresários desonestos, entre eles, Júlio Fontes (Paulo Gracindo), o magnata da TV.

Após a consagração em Cannes, “Terra em Transe” estrearia no Brasil, mas sua exibição ficara proibida durante algum tempo. Para a censura, o filme era subversivo. Em 2004, foi exibido, após ser recuperado, no Festival de Cinema de Cannes. O negativo original do filme foi perdido, sendo que o material usado para a restauração era uma master feita na Alemanha nos anos 70.

15 de maio de 1984 – Boias-frias em greve enfrentam a ditadura militar brasileira
Cerca de dez mil boias-frias (trabalhadores rurais temporários) da região de Guariba (SP) entram em greve por melhores salários, condições de trabalho e de vida. Foi a primeira paralisação organizada por essa categoria de trabalhadores, recrutados para trabalhar na colheita de cana-de-açúcar e de laranja sem carteira assinada e muitas vezes em condições semelhantes ao trabalho escravo.

A greve durou cinco dias e terminou num acordo intermediado pelo governo de São Paulo. Uma onda de greves de boias-frias se estenderia pelo interior de São Paulo e sul de Minas Gerais até o mês de setembro.

5 a 30 de maio de 1986 – Brasil redescobre os ‘Anos dourados’

A TV Globo exibe a minissérie “Anos Dourados”, que traça um painel sobre o período que vai do final dos anos 1950 ao golpe militar de 1964. Escrita por Gilberto Braga e dirigida por Roberto Talma, a minissérie mostra a era JK, marcada pela construção de Brasília, a chegada da indústria automobilística e as grandes obras de infraestrutura que garantiram maior integração regional ao país.

Nessa fase, o Brasil passava por uma grande efervescência política, com fortalecimento dos sindicatos, dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda. Vivia também uma verdadeira revolução estética, com o surgimento da Bossa Nova, do Cinema Novo e de companhias teatrais de vanguarda. Romances marcantes foram publicados nesse período. Os costumes e a moral conservadora começavam a ser contestados.
O painel de época traçado por Braga tem no centro da narrativa o romance entre a normalista Lurdinha, vivida pela atriz Malu Mader, e Marcos, estudante do Colégio Militar interpretado por Felipe Camargo. Lurdinha é filha de um médico respeitado e de uma dona de casa religiosa. Marcos vive com a mãe divorciada, que trabalha em uma boate, e é filho de um músico da noite. O casal enfrenta a oposição da conservadora família dela. A partir do romance, o Brasil de um período promissor, que combinou democracia, desenvolvimento e participação popular, é revelado às gerações que deixavam para trás os 21 anos de ditadura e apostavam na construção de um novo país.

A minissérie foi sucesso entre telespectadores de diferentes faixas etárias e foi licenciada para exibição em mais de 20 países. A canção-tema com o mesmo título, de autoria de Tom Jobim, tornou-se um clássico da música popular brasileira.

8 de maio de 1991 – Sai de cena Zélia, a gerente do confisco
É anunciada a demissão da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Duramente criticada em razão do Plano Collor e do confisco da poupança, seu desgaste chegou ao ápice após o fracasso do Plano Brasil Novo (Plano Collor 2), que não conseguiu conter a alta da inflação. Zélia foi substituída pelo então embaixador brasileiro nos EUA, Marcílio Marques Moreira, que tomaria posse dois dias depois. O novo titular da pasta acena com uma política mais ortodoxa e gradualista.

A revelação de que ela e o ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral mantinham um romance também contribuiu para seu enfraquecimento. Pouco tempo depois de seu afastamento, Zélia lançou uma biografia autorizada (“Zélia, Uma Paixão”) assinada pelo escritor Fernando Sabino. No livro, ela fala de sua passagem pelo governo e do relacionamento com Cabral.

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