Ex-ajudante-de-ordens do presidente entra novamente na mira da PF em escândalo de fraudes nos cartões de vacinação do ex-presidente e da filha. Ele foi preso na quarta-feira e o líder da extrema-direita teve a casa revistada por agentes federais, que apreenderam ainda o celular do ex-capitão

Na última quarta-feira, 3, a Polícia Federal deflagrou a Operação Venire para esclarecer a atuação de associação criminosa constituída para falsificação de cartões de vacina. A PF descobriu a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde.

A operação causou alvoroço no noticiário e nas redes sociais do país, pois incluiu buscas na casa do ex-presidente Jair Bolsonaro e levou à prisão o seu ex-ajudante de ordem, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid. Na Jovem Pan, Bolsonaro apareceu ao vivo chorando para tentar se explicar. Mas, à PF, ele se recusou a prestar depoimento. O esquema criminoso envolveu até a filha adolescente de Bolsonaro, Laura, de 12 anos.

O depoimento do ex-presidente chegou a ser marcado para as 10h da quarta-feira, mas Bolsonaro decidiu não comparecer. Horas antes do depoimento marcado, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão no imóvel onde reside com sua esposa, Michele Bolsonaro (PL), em um condomínio a 10 quilômetros do Palácio do Planalto. Na casa de Mauro Cid, agentes da PF apreenderam US$ 35 mil em espécie e R$ 16 mil em moeda corrente.

Michele foi às redes sociais para posar de vítimas e jurava não saber do que se tratava a operação. Ela afirmou que foi a única da família a se vacinar, assumindo que a filha Laura, menor de idade, e o marido não foram vacinados. Michele praticamente confirmou que há fraude, portanto, nos cartões de vacinação do marido e filha.

A investigação apura a falsificação dos cartões no sistema do Ministério da Saúde. Cid era o homem de confiança de Bolsonaro, inclusive para assuntos pessoais. Também é investigado no caso das joias sauditas, que Bolsonaro tentou importar sem pagar imposto, tentando ainda liberar as joias.

Também foram presos o policial militar Max Guilherme Machado de Moura, segurança de Bolsonaro e ex-sargento do Bope, e o secretário municipal de Saúde da Prefeitura de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha. Outro detido foi Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-candidato a deputado estadual pelo PL no Rio de Janeiro em 2022 e ex-major do Exército.

O mais surpreendente, segundo investigadores, é a confissão de Ailton de que sabe quem mandou matar a vereadora e ativista Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em 2018. Em conversa com Mauro Cid, o ex-major dá com a língua nos dentes: “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão. Sei quem mandou. Sei a p… toda. Entendeu?”, diz a mensagem de áudio de Ailton transcrita no relatório da Polícia Federal. No diálogo, no entanto, ele não revela o nome do suposto mandante do crime.

Os dados foram obtidos a partir da quebra de sigilo pela PF do telefone do tenente coronel Mauro Cid. No áudio trocado entre os dois investigados, Ailton afirmou que o ex-vereador do Rio de Janeiro Marcello Moraes Siciliano intermediou a inserção de dados falsos de vacinação nos sistemas do Ministério da Saúde em benefício da esposa de Cid. E que Cid deveria retribuir o favor, colocando Siciliano para conversar com o cônsul dos Estados Unidos no Rio de Janeiro. “Deixa comigo, coronel. Vamos ver, vamos ver o que eu consigo aqui”, respondeu Cid. 

A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, dentro do inquérito das milícias digitais. A fraude consistiu na manipulação de inserções falsas de vacinas que nunca foram aplicadas. Os registros fraudados ocorreram entre novembro de 2021 e dezembro de 2022 e beneficiaram o próprio Bolsonaro, a filha, o AJO Cid, a mulher dele e outros assessores.

Registros indicam que acessos foram feitos de computador do Palácio do Planalto em dezembro, dois dias antes de ex-presidente viajar aos EUA, para um autoexílio de dois meses. “Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes imposta pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa, no caso, a pandemia de Covid”, diz nota da PF. Ao todo, foram 16 mandados de busca e apreensão e seis mandados de prisão preventiva, em Brasília e no Rio de Janeiro

A operação, é claro, virou meme, especialmente após Bolsonaro aparecer chorando no Pânico, da Jovem Pan, horas depois de ter se negado a prestar depoimento marcado pela PF. Imagens com a mascote da vacinação no Brasil, o Zé Gotinha, prendendo Bolsonaro, ou tirando a fantasia e aparecer o rosto de Alexandre de Moraes viralizaram.

No Twitter, usuários fizeram piada dizendo que “o roteirista do Brasil vai prender Bolsonaro por falsificação de cartão de vacina”. Fora do país, o jornal inglês The Guardian, o americano Washington Post e o argentino La Nación foram alguns dos veículos que deram destaque à operação e o envolvimento de Bolsonaro em falsidade ideológica, associação criminosa e corrupção de menor. As agências de notícias Reuters, Associated Press e Bloomberg também alardearam o envolvimento direto do ex-presidente no esquema de violação da legislação sanitária.

Na pantomima montada na Jovem Pan, Bolsonaro negou tudo, aos prantos. Disse que realmente não tomou os imunizantes, como sempre bradou, e que ao viajar não teve nenhuma necessidade de apresentar o documento.

Mas o fato é que os dados de sua vacinação, assim como de sua filha e assessores foram inseridos no sistema do Ministério da Saúde. A fraude foi descoberta por uma investigação que identificou inconsistência nos registros, com lotes destinados a uma determinada cidade, em Goiás, sendo aplicado em outro município, no Rio de Janeiro. Em suas redes sociais, o filho do ex-presidente, Eduardo Bolsonaro, criticou a PF e falou em “perseguição da esquerda”.

No final da quarta-feira, Alexandre de Moraes determinou o depoimento de profissionais de saúde citados na fraude dos cartões de vacinação de Bolsonaro. Segundo o ofício da PF, um dos profissionais, Diego, teria aplicado uma dose da vacina contra a Covid-19, da fabricante Pfizer-Cominarty, em 13 de agosto de 2022 em Duque de Caxias. A outra profissional, Silvana, teria dado a vacina da mesma fabricante no dia 14 de outubro de 2022, no mesmo local. Bolsonaro não esteve na cidade nessas ocasiões.

Entre as condutas investigadas e que podem configurar crimes estão: infração de medida sanitária preventiva; associação criminosa; inserção de dados falsos em sistemas de informação; e corrupção de menores. Os itens apreendidos, como o telefone particular de Jair Bolsonaro e o dinheiro vivo na casa de Mauro Cid podem revelar inúmeras outras irregularidades pelo qual o político e seus assessores são novamente investigados. Isso sem falar dos outros processos movidos contra o ex-presidente na Justiça Federal e na Eleitoral. O risco dele ser preso está próximo de acontecer agora. •

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