“Só os que estão fora da guerra podem pará-la”
Em entrevista ao espanhol El País, o presidente do Brasil mostra preocupação com o conflito no leste europeu, diz que o acordo entre Rússia e Ucrânia é possível e que é hora de promover a paz
A volta do Brasil ao tabuleiro do jogo político internacional continua sendo saudado por líderes políticos. A ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Europa na última semana, quando passou por Portugal e Espanha para fechar acordos de cooperação e reabrir as portas do país ao mundo, também serviu para o líder da esquerda reiterar seu compromisso com a construção de um ambiente de paz no concerto das nações.
Na quinta-feira, 27, na esteira da repercussão de sua passagem por Lisboa e Madri, onde se reuniu com os chefes de Estado e de governo de Portugal, Marcelo de Sousa e António Costa, além do primeiro-ministro Pedro Sánchez e do rei de Espanha, Felipe IV, Lula surgiu na capa do jornal espanhol El País defendendo que as nações ajudem a promover a paz entre Rússia e Ucrânia, envolvidas num conflito bélico que já promoveu milhares de baixas e arrastou o mundo para uma crise social há mais de um ano.
Desde fevereiro, quando viajou aos Estados Unidos para uma reunião com o presidente Joe Biden, Lula manifestou seu plano de montar um clube de países neutros que possam articular o fim da guerra. “Só quem está de fora pode ajudar a construir uma engenharia capaz de frear essa guerra”, disse. “Esta guerra não deveria ter começado. E começou porque não havia capacidade de diálogo entre os líderes mundiais há muito tempo”..
Ele ressaltou que a violação territorial por tropas russas é grave. “O Brasil condena a guerra porque a Rússia não tem o direito de invadir o território ucraniano. Então os russos estão errados. Ou você alimenta a guerra ou tenta acabar com ela. Para mim é mais interessante falar sobre acabar com esta guerra”, ressalta.
“E ninguém fala de paz, só eu. Fui falar com Joe Biden, com Olaf Scholz [primeiro-ministro da Alemanha], com Xi Jinping [presidente da China], com Emmanuel Macron [presidente da França]. É preciso se encontrar para acabar com esse conflito. E isso só pode ser feito se dois negociarem em uma mesa. É o que eu defendo”, disse o presidente brasileiro. O El País ressalta que Lula está promovendo uma nova política global e que, por isso, deve ser ouvido pela comunidade internacional.
Ele declarou que a guerra está ligada a “interesses eleitorais”. “Putin acredita que tem razão, e Volodymyr Zelensky, invadido, tem o direito de se defender. Então, quem vai acabar com a guerra? Preocupa-me que esta guerra esteja ligada a interesses político-eleitorais. Isso já aconteceu outras vezes no mundo e não acho justo que haja uma guerra sem que ninguém construa a paz. Vou tentar fazer isso”, insiste o líder da esquerda. A entrevista de Lula foi conduzida pela diretora do jornal, Pepa Bueno.
Lula foi saudado pelo prestigioso jornal madrilenho, que destaca o esforço do presidente para retomar o lugar do Brasil no mundo. Segundo o jornal, Lula encarna esse retorno disposto a nada menos do que liderar a busca pela paz na guerra que sangrou a Ucrânia desde que Vladimir Putin decidiu invadi-la, com repercussão no mundo todo. “Lula fala impetuosamente, mas busca com cuidado palavras que não estraguem suas chances de mediador. Ambiguidades e equilíbrios que causaram irritação em algumas chancelarias nas últimas semanas”, aponta.
Na entrevista, o presidente brasileiro alerta para o crescimento da extrema-direita em todo o mundo e estabelece como objetivo de seu terceiro mandato à frente do maior país da América do Sul a geração de emprego de qualidade e uma nova relação entre capital e trabalho. Ele também se diz empenhado em reduzir o desmatamento e aponta que, ao final de seu mandato, os dados de desmatamento na Amazônia terão melhorado. Lula disse que a democracia corre riscos, não apenas no Brasil, mas no resto do planeta: “Devemos salvar a democracia em todo o mundo, porque também existe a extrema direita na Espanha, em Portugal, na França, na Alemanha… A Espanha sabe o que é o autoritarismo”.