A violência nas escolas
Adolescente de 13 anos invade escola e promove um ataque mortal contra educadores e alunos. Esfaqueada, uma professora de 71 anos não resiste e morre. Mas o governo de São Paulo anuncia que vai reforçar ronda policial em colégios
As imagens, daquelas que nenhum adulto responsável quer ver, percorreram as emissoras de televisão, foram estampadas nos portais e reproduzidas ad infinitum nas redes. Editadas ou congeladas, mostravam o horror: um adolescente, vestido de preto, rosto coberto por capuz também preto, esfaqueia a professora que estava fazendo a chamada, às 7h20 da manhã, de segunda-feira, 27. Em seguida, o rapaz de 13 anos ataca com a mesma arma outra mulher, que tenta se defender. Em outra cena, duas mulheres finalmente contém e desarmam o agressor.
O ataque, que ocorreu na Escola Estadual Thomázia Montoro em São Paulo, deixaria um rastro de sangue e medo na comunidade escolar. A primeira professora atacada, Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, não resistiu aos ferimentos e morreu. Outras cinco professoras — Ana Célia da Rosa, Rita de Cássia Reis, Cinthia da Silva Barbosa, Sandra Pereira Mendes e Jane Gasperini Apergis — e um aluno ficaram feridos.
Ataques de pessoas armadas em escolas acontecem no Brasil desde 2002. De lá para cá, ocorreram 22 ataques planejados por alunos e ex-alunos, com um total de 36 mortes, de acordo com levantamento de pesquisadores da Unicamp e da Unesp. Desde a pandemia, no entanto, é um por mês: 9 desses 22 ataques aconteceram entre agosto de 2022 e março de 2023 e deixaram sete mortos.
O padrão é mais ou menos o mesmo: agressor sem antecedentes criminais, aluno ou ex-aluno da própria escola invadida que entram para causar o maior estrago no menor tempo possível. Os agressores apanhados com vida (alguns cometem suicídio ou tentam) em geral não oferecem resistência à polícia ou autoridades e, em sua maioria, são muito jovens.
Muitos deles planejam cuidadosamente o ataque com antecedência, às vezes com ajuda de outros parceiros que conhecem virtualmente. Alguns traços psíquicos comuns emergem, como a introversão, o gosto manifesto ou enrustido por games e brincadeiras violentas, histórico de bullying, como promotores e/ou vítimas.
O agressor do ataque da Vila Sônia, bairro de classe média em São Paulo, assim que foi preso, disse que tinha assassinado a professora de biologia Bete, como preferia ser chamada na escola, e agredido as demais “por vingança”. Ela teria advertido o adolescente por um xingamento racista em uma briga entre alunos, dias antes.
No curso das investigações até agora, foram revelados outros elementos que podiam ter antecipado e, quem sabe, prevenido o ataque. Em uma rede social aberta, o jovem usava o sobrenome do agressor da escola de Suzano, Taucci. Relatos de ameaças, interesse em armas de fogo e até mesmo um convite a uma colega para participar do ataque começaram a aparecer.
Se à polícia falou em “vingança” dirigida às professoras que lhe chamam atenção por causa de racismo, em carta deixada à família antes do crime, ele disse ter “feito uma besteira” por raiva, tristeza e ser vítima de bullying. Ao mesmo tempo, não apenas disse na carta ter planejado o ataque por dois anos. Dias antes do evento, tentou comprar uma arma de fogo. E, por fim, num usou a mesma máscara, com desenho de caveira, usada pelos atiradores do massacre em Suzano (São Paulo) e em Aracruz (Espírito Santo). O símbolo é usado por supremacistas americanos.
No dia do ataque, Guilherme “Capitão” Derrite, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, declarou que, entre as medidas da pasta para evitar os ataques está o reforço de policiamento. “O que nos cabe agora é intensificar os programas que já existem, em especial a ronda escolar, o programa Vizinhança Solidária Escolar, fazer com que novas tragédias como essa possam ser evitadas e não aconteçam”, disse.
Ainda que a ronda escolar da polícia possa ser eficaz para garantir a segurança de alunos, professores e funcionários no entorno das escolas públicas, ela contribui pouco para a prevenção deste tipo de episódio. Na Vila Sônia, a Ronda foi chamada e chegou apenas para encaminhar o estudante para a delegacia. Ou seja, depois que o aluno já tinha sido contido e desarmado por professoras.
Os casos de violência nas escolas, entretanto, exigem mais do que força policial. Além de serviço de inteligência e monitoramento, prescindem de ajuda especializada em saúde mental. Psicólogos nas Escolas, programa criado durante a pandemia para auxiliar professores, alunos e funcionários na volta às aulas presenciais em 2021, foi interrompido pelo governador de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas, no início do ano letivo.
O programa colocava à disposição do sistema público de ensino mil psicólogos, que atendiam as mais de 5 mil escolas no estado inteiro, para lidar com as questões emocionais e psíquicas da comunidade escolar que se agravaram com o confinamento na pandemia.
Além disso, a disseminação da cultura incel e de ideologias racistas e/ou de supremacia racial pelas redes sociais tem cobrado seu preço. Incel, abreviação de “involuntary celibates” (ou celibatários involuntários), adolescente ou homens muito jovens que se reúnem em fóruns virtuais para partilhar ódios, frustrações e fracassos de relacionamento, são marcados pela misoginia e violência. Muitas vezes, surgem a partir de relações de amizade em torno de videogames ou de cultura pop.
Ainda que, nas faixas etárias superiores possa estar relacionado com experiências sexuais e afetivas ruins, atrai também adolescentes que nem chegaram a experimentar nada e já se sentem derrotados de saída. E, se nem todo incel é um supremacista branco, essa subcultura transmuta a frustração em ódio com a ajuda ao culto de símbolos da masculinidade mais agressiva, como armas de fogo. Seus heróis da vida real são aqueles que conseguem se destacar da pior maneira: atacando, ferindo e matando covardemente crianças e mulheres.
“Vou ver se consigo fazer pelo menos uma ‘kill’”, disse o adolescente de 13 anos em mensagem nas redes, procurando o apoio e aprovação de seus pares. A chamada “pressão do grupo”, que costuma ser particularmente aguda na adolescência, nesses casos de violência se traduz no que os especialistas chamam de “efeito de contágio”. O tratamento sensacionalista da imprensa, cuja cobertura intensiva e com publicação de imagens detalhadas e sem cortes das agressões, estimula a imitação daquele comportamento, pois torna seu autor, de alguma forma, “famoso”, destacado dos demais.
Não tardou. Dois dias depois dos ataques à escola Thomázia, foram registrados sete boletins de ocorrência pela Secretaria Estadual da Segurança Pública de São Paulo com “planos de ataques”. •