Nas ruas, o bloco soviético
A fantástica história da agremiação carnavalesca da estrela (vermelha), que sacudiu o carnaval de rua de São Paulo e fez história. Nascido em 2013, grupo juntou jornalistas, artistas, estudantes e foliões que se achavam a nata da “esquerda festiva”
Se ainda estivesse saindo no Carnaval de rua paulistano, o Bloco Soviético teria completado 10 anos em 2023. Nascido de um grupo de amigos que se reunia em torno de um bar na região da Augusta, São Paulo, o bloco começou improvisado, mas já muito aguerrido. Com comando central das ativistas Vange Leonel, Cilmara Bedaque e Verônica Goyzueta, juntou jornalistas, artistas e estudantes em torno da ideia de recuperar a parte festiva da expressão “esquerda festiva”.
O carnaval de rua em São Paulo, ainda que nunca tenha deixado de existir completamente, engatinhava naquele início da década de 2010. Com paródias de marchinhas clássicas fazendo tanto referência às lutas pela tomada do poder pelo proletariado na Rússia de 1917, bem como aos direitos mais contemporâneos, como à ocupação das ruas, o combate sem tréguas aos preconceitos e discriminação da população LGBTQIA +, o Bloco Soviético foi atraindo cada vez mais gente para aquela pândega que tomava as ruas da Consolação até Santa Cecília.
Nem com a morte precoce de Vange Leonel em 2014, que sempre saía fantasiada como uma comandante de guerrilha latino-americana, o bloco esmoreceu. Ao contrário. A memória de Vange, cantora, escritora e já o que se chamaria hoje de influencer nas redes sociais, animava o núcleo de músicos e de seguidores a continuar saindo aos sábados de pré-Carnaval.
“Noite Preta”, o grande hit de Vange Leonel, era cantado a plenos pulmões no esquenta da concentração, muitas vezes com os cantores oficiais e as vozes que se juntavam, quase às lágrimas —Vange morreu aos 51 anos e deixou uma legião de amigos desolados.
Depois, era descer a Consolação ocupando cada vez mais a rua, fazendo o trânsito parar só na gentileza, e passar na frente do Mackenzie, palco das batalhas entre a esquerda e o Comando de Caça aos Comunistas em 1968, cantando a “Internacional” a plenos pulmões.
À medida que o bloco ia ficando maior e mais conhecido, no entanto, grupos da neodireita que já começavam a se organizar, passaram a fazer ameaças pelas redes, que chegaram, algumas vezes, às vias de fato. Eram grupelhos pequenos ainda, mas com capacidade de intimidar e chegar a agredir.
Como o anticomunismo e o conservadorismo moral foram um combustíveis que deram na virada histórica que interrompeu um dos mais longos períodos de democracia que o Brasil já teve, a tentação de levar demasiadamente a sério os símbolos que usávamos nas fantasias e camisetas era grande demais para a onda reacionária que tomou o Brasil a partir do golpe de Dilma Rousseff, em 2016.
Em 2017, ano do centenário da Revolução Russa, o Bloco Soviético atingiu seu ápice de público e visibilidade. O aniversário foi tema do bloco, claro, e arrastou mais de 20 mil pessoas descendo a Augusta e quase se encontrando com o Acadêmicos do Baixo Augusta. O bloco ficou grande demais e complicado demais para um momento político em que as forças progressistas já amargavam o empresário João Dória na prefeitura e, no ano seguinte, veriam a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder.
Num manifesto publicado nas redes sociais — e ainda no ar, no perfil oficial do Facebook—, o Bloco Soviético encerrou as atividades: “É hora do Bloco Soviético sair de cena e partir pra Cuba, onde a esquerda é mais feliz, em busca da revolução”.
Parte dos integrantes do bloco fundou, em 2018, a Acadêmicos da Ursal, que ainda resiste nas ruas e leva alguma coisa do espírito inefável e festivo que o Soviético conseguiu, nos seus breves quatro anos de existência, imprimir às ruas de São Paulo. •