Reconstruir a democracia
Em ministérios novos em folha, recriados ou os de sempre, a força da equipe de Lula se mostrou nas cerimônias de posse da equipe, nas quais as demandas sociais, a diversidade do povo se somam aos compromissos para refazer o país
Não foi só a posse de Lula que se transformou numa festa da democracia, da união e da reconstrução do país. As posses dos ministros, nos dias seguintes, solenidades em geral de caráter mais protocolar, também se transformaram em eventos de importância política e simbólica especial.
Cercada de muitas expectativas e especulação por parte da grande imprensa, a composição do ministério do terceiro mandato Lula promete uma gestão plural, comprometida com o plano de governo e representativa das demandas sociais do país.
Algumas transmissões de cargo ministeriais emocionaram o país e deram um recado claro para o país nesse início de governo. A repercussão na imprensa e na sociedade, com a viralização de vídeos e falas dos novos ministros e ministras apontam o acerto de Lula nas nomeações como pontapé da nova gestão.
Em uma das mais marcantes cerimônias, Silvio Almeida assumiu o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania dirigindo-se à nação brasileira ao reforçar a valorização das minorias sociais. Seu discurso viralizou na web.
“Recebo hoje um ministério arrasado. Conselhos e participação foram reduzidos ou encerrados. Muitas vozes da sociedade foram caladas, políticas descontinuadas e o orçamento voltando para os direitos humanos foram drasticamente reduzidos”, disse Almeida.
Em seu discurso, destacou pessoas em situação de rua, deficientes, idosos, anistiados, vitimas da fome, domésticas, mulheres, LGBT, negros, indígenas e trabalhadores. “Vocês existem e são valiosos para nós”, disse. “Um país que coloca a vida e dignidade em primeiro lugar”.
Também foi em festa que Margareth Menezes assumiu o recriado Ministério da Cultura, uma das cerimônias mais celebradas da composição do novo governo. Com participação de diversas personalidades públicas e autoridades, Menezes alegrou o país ao anunciar a retomada da cultura como força motriz brasileira.
“Voltou o MinC para o lugar de onde nunca deveria ter saído, ou seja, do seu lugar na esplanada e da relevância no imaginário do povo brasileiro. Está mais forte, com mais recursos e estruturas do que qualquer outro momento de sua história”, afirmou.
Ela estava emocionada ao assumir o cargo. “Damos início a desafiadora função de refundar o Ministério da Cultura”, disse. Margareth lembrou Gilberto Gil, ministro da Cultura no primeiro governo Lula, a quem agradeceu por “abrir portas”. Ela é a primeira mulher negra a assumir a pasta. “Acompanhamos o diálogo e vimos a destruição perversa da cultura nacional. Junto aos meus colegas, ouvimos as pessoas. Eu me emocionei com relatos de lutas por seus diretos e busca pela dignidade”, disse. De acordo com Margareth, “respeito e cuidado” serão o os guias de sua gestão à frente do MinC.
Devido aos ataques terroristas que sofreram os prédios dos Três Poderes em Brasília, as cerimônias de posse de Anielle Franco (Igualdade Racial) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) foram unificadas e aconteceram na última quarta-feira, 11.
A ministra Sônia Guajajara afirmou que criação da pasta repara a invisibilidade histórica dos povos indígenas do Brasil. “Estamos aqui, de pé, para mostrar que nós não iremos nos render”. Na cerimônia, anunciou que a Funai passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas, sob a direção de Joenia Wapichana, primeira mulher e indígena a presidir o órgão em seus 55 anos de existência.
Anielle Franco também fez um lindo e emotivo discurso em que lembrou a irmã, a vereadora Marielle Franco, assassinada em circunstâncias graves em 2018 e cuja autoria até agora não foi esclarecida. A ministra da Igualdade Racial tratou da importância da luta contra o racismo, fascismo e as violências de gênero e de raça durante a cerimônia de posse. E sinalizou que o racismo e antirracismo serão trazidos “para o centro do debate político brasileiro”, convidando a população brasileira a caminhar junto diante desse desafio.
A ministra da Igualdade Racial lembrou a fala do presidente em seu discurso de posse, apontando que “o Brasil do futuro precisa responder às dívidas do passado”. “Não podemos ignorar que a raça e a etnia são determinantes para as desigualdades no Brasil”, disse. “Afinal, que Estado de Direito é esse que estamos falando? Não é essa democracia racial que queremos. Enquanto houver racismo, não haverá democracia”.
Um dos momentos marcantes da solenidade de posse das duas novas ministras ocorreu logo na abertura, quando o Hino Nacional foi cantado, em parte, na língua Tikuna pela cantora Djuena Tikuna e, em parte em português, pela cantora preta Marina Íris — que, ao final da cerimônia, cantou “Histórias Para Ninar Gente Grande, samba-enredo da Mangueira de 2019 que homenageia Marielle, irmã da ministra.
Lotada, a cerimônia teve muitos momentos emocionantes e as presenças de Dilma e Lula que, ao final do evento, sancionou o a Lei 4.566, de 2021, que tipifica injúria racial como crime de racismo. Com a sanção, o projeto, aprovado pela Câmara dos Deputados no início de dezembro de 2022, se torna lei. E, assim, a pena para o crime aumentou de 1 a 3 anos de reclusão para 2 a 5 anos.
Com direito a discurso de Dilma e do ministro do STF Gilmar Mendes, Jorge Messias tomou posse da Advocacia Geral da União (AGU), anunciando a criação de uma Procuradoria de Defesa da Democracia, parecendo antever o que ocorreria na fatídica tarde de domingo, 8 de janeiro.
“Essa procuradoria atuará como ponta de lança de uma atuação interinstitucional que promoverá a estratégia brasileira de defesa da democracia – com a fundação do Sistema Nacional de Proteção à Democracia – para proteção da ordem constitucional, da integridade da decisão pública e da legitimação dos Poderes e seus membros para exercício de suas funções”, anunciou Messias.
Já Flavio Dino, ao tomar posse do Ministério da Justiça, defendeu o desarmamento e afirmou que trabalhará por uma Justiça antirracista, tendo como um dos focos da gestão descapitalizar organizações criminosas. “A democracia tem o dever de se defender contra aqueles que querem destruí-la, que não desapareceram. É preciso ter essa visão nítida e clara, ainda que para alguns isso possa parecer chocante”, afirmou o ministro.
Outras posses impactantes foram as das ministras Marina Silva e Nísia Trindade, que enfrentarão o desafio de, praticamente começar os trabalhos “do zero”. Marina assume o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, uma das áreas mais críticas deixadas como “herança maldita”.
À frente do Ministério da Saúde, como a primeira mulher a ocupar o cargo, Nísia enfrentará o desafio de reconstruir o Sistema Único de Saúde, depois de uma gestão que se notabilizou por virar as coisas para a ciência justamente em plena pandemia do coronavírus. Ex-presidente da Fiocruz, além de fortalecer o SUS, ela vai revogar portarias e notas técnicas que “ofendem a ciência, os direitos humanos, os direitos sexuais e reprodutivos”.
As cerimônias, que agitaram a Brasília por mais de uma semana, formaram um retrato festivo e simbólico, mas, ao mesmo tempo, também de reafirmação de compromissos assumidos pelo presidente Lula de fazer uma gestão pacificadora, desenvolvimentista e democrática. •