A eleição mais importante dos últimos 40 anos marca o triunfo da força do povo sobre o arbítrio. De um lado, liderando a Frente Ampla em Defesa da Democracia, o ex-líder operário. Do outro, o ex-capitão do Exército que esteve à frente do pior governo da História da República

Na mais acirrada disputa política desde o fim da ditadura militar (1964-1985), o Brasil sobreviveu ao cataclisma provocado pela passagem da extrema-direita pelo poder. No último domingo de outubro, 30, o ex-operário e líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito presidente do com 60.309.292 votos, o equivalente a 50,83% dos votos válidos.

A vitória de Lula é a vitória da democracia e do povo brasileiro sobre o projeto autoritário liderado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que teve 49,17%. O ex-capitão do Exército, que esteve à frente do pior governo da história da República, obteve 58.158.332 votos, deixando como legado o maior ciclo de destruição de empregos, mais de 689 mil motos na Covid, a volta da fome e do desemprego e o crescimento da desigualdade.

A volta ao poder de Lula varreu as manchetes de jornais em todo o mundo. De acordo com o New York Times, a vitória do petista completou um renascimento político impressionante para Lula, que saiu da Presidência chegou a ser condenado à prisão e agora regressa ao Palácio do Planalto. “Antes parecia impensável”, escreveu o chefe do escritório do jornal no Brasil, Jack Nicas.

A derrota de Bolsonaro foi comemorada, até pela imprensa. “Também encerra o período turbulento de Bolsonaro como o líder mais poderoso da região. Foi a primeira vez que um presidente em exercício não conseguiu ser reeleito em 34 anos de democracia moderna no Brasil”, sublinhou o correspondente.

A herança deixada pelo líder da extrema direita brasileira é a pior possível. O presidente que desferiu de maneira inédita ataques à democracia, colocou em dúvida o sistema de votação brasileiro e passou a maior parte da sua administração governando contra o interesse da maioria do povo, foi derrotado, mas deixa o país em ruínas e diversas bombas montadas contra o novo governo.

Na economia, a situação é de terra arrasada. Sob Paulo Guedes, o Palácio do Planalto deixou a inflação escalar de 2020 até o início de 2022, chegando em abril a mais de 12% na taxa acumulada em 12 meses. É maior inflação para o período de um ano desde outubro de 2003. A taxa de desemprego é de 15%, atingindo diretamente 14,8 milhões de brasileiros.

A pobreza também aumentou. A parcela de brasileiros que não tem dinheiro para alimentar a si ou a sua família em algum momento nos últimos 12 meses subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021, atingindo recorde da série iniciada em 2006, segundo levantamento do FGV Social. O problema afeta especialmente as mulheres: o patamar de insegurança alimentar ficou relativamente estável entre os homens, mas subiu de 33% para 47% para elas.

É a tragédia social que explica a vitória sobre o ex-capitão. Ainda assim, ele teve força eleitoral e conseguiu superar as expectativas e as pesquisas de opinião. O uso da máquina pública, o abuso do poder econômico e a máquina de mentiras montada pelo bolsonarismo quase colocaram o país em risco.

Ainda no domingo e pelas semanas seguintes, um séquito de bolsonaristas permaneceu em estado de ebulição para tentar um terceiro turno. Caminhoneiros no coração da região agrícola central do Brasil iniciaram incêndios e tentaram bloquear rodovias. Em algumas cidades, os apoiadores do presidente foram para a porta dos quartéis pedir um golpe de Estado. Os ânimos ainda permaneceram agitados, passados mais de 20 dias da derrota.

No começo da apuração, Bolsonaro chegou a estar à frente da disputa. O Tribunal Superior Eleitoral só confirmou a vitória de Lula com 98,86% das urnas apuradas, quando tecnicamente já não havia como o atual presidente virar a disputa. A apuração foi apertada na maior parte do tempo. Lula passou à frente de Bolsonaro quando quase 70% das urnas estavam apuradas e ampliou pouco a pouco a vantagem.

Também pela primeira vez desde a redemocratização, a abstenção caiu entre os dois turnos de votação. Pouco mais de 20,5% dos eleitores não votaram, 0,39 ponto percentual abaixo do registrado no primeiro turno, quando a abstenção foi de 20,95%. •

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