A sociedade civil está unida contra os ataques do presidente ao Estado de Direito. Isolado por setores da elite que o apoiaram em 2018, Bolsonaro mantém a ofensiva contra as urnas eletrônicas. E confessa o medo de ser preso pelos crimes cometidos contra o país

 

Em poucos momentos na história, a sociedade brasileira se levantou contra os abusos do governante de plantão. Mas a administração desastrosa de Jair Bolsonaro está conseguindo reunir contra si segmentos variados do povo. Desesperado, o presidente dá sinais de que não está preparado para ser derrotado nas urnas e se assustou com o grau de isolamento. Pior. Teme ser preso pelos inúmeros cometidos no Palácio do Planalto, amargando o mesmo fim da ex-presidenta da Bolívia Jeanina Áñez, condenada a 10 de anos de cadeia.

O governo não tem mais sequer interlocução com setores empresariais. Os ataques constantes e permanentes do Palácio do Planalto contra a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas provocou a movimentação de quase todas os segmentos da sociedade civil contra o inominável. De empresários a banqueiros, passando por artistas, intelectuais, advogados e profissionais liberais, até organizações populares, como as centrais sindicais e associações estudantis, o país está unido em defesa da democracia e do Estado de Direito.

Nesta quinta-feira, 11 de agosto, manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília estão previstas para acontecer em defesa da Constituição. Os atos marcados são iniciativas de estudantes e professores de Direito, além de intelectuais e artistas, em defesa da democracia, da soberania popular e dos princípios republicanos expressos na Constituição de 1988. Nesta data simbólica da criação dos cursos jurídicos no país, todos querem mostrar o firme compromisso com o Estado Democrático de Direito e apoio à Justiça Eleitoral e ao sistema eleitoral brasileiro.

Os atos estão programados para acontecer na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, na capital paulista; na Faculdade de Direito da UnB, no Campus Darcy Ribeiro; e na Candelária, no Centro do Rio. O manifesto da USP, que conta com a adesão dos ex-presidentes Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso, já reúne mais de 775 mil assinaturas. O documento intitulado “Carta aos Brasileiros, em Defesa da Democracia”, está hospedado no site Estado de Direito, Sempre! e pode ser assinado por qualquer brasileiro interessado em defender a democracia.

Outros atos estão sendo programados para acontecer em mais 12 capitais, convocados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e centrais sindicais, além de movimentos populares, partidos políticos, estudantes e outras entidades da sociedade civil. Também haverá o lançamento de uma Carta dos Empresários, iniciativa da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), em defesa da democracia e do Estado de Direito.

O presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, está preocupado com o nível dos ataques do Palácio do Planalto ao processo eleitoral. “Não deveríamos estar discutindo, a esta altura do campeonato, a urna eletrônica, e sim uma agenda para o país, como fomentar o desenvolvimento”, disse. “Não há como ignorarmos a insegurança criada pela contestação da confiabilidade do sistema eleitoral e do Judiciário”.

Na quarta-feira, 3, o Bolsonaro cancelou a ida à Fiesp, prevista para ocorrer no 11 de agosto, coincidindo com os dois eventos programados para ocorrer na mesma data dos atos programados para acontecer em defesa do processo eleitoral. No dia anterior, 2, Bolsonaro voltou a convocar seus apoiadores para manifestações no dia 7 de setembro, Dia da Independência.

“Queremos transparência”, disse o presidente em entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre, na qual repetiu as alegações falsas e sem fundamentos sobre o sistema eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas. Ele alega que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) convidou as Forças Armadas para participar da comissão de transparência eleitoral e disse, equivocadamente, que a corte se recusou a aceitar sugestões feitas pelos militares.

O presidente aproveitou a entrevista para atacar os signatários que articulam a Carta aos Brasileiros “Esse pessoal que assina esse manifesto é cara de pau, sem caráter. Não vou falar outros adjetivos porque sou uma pessoa bastante educada”, disse o tresloucado Chefe de Estado. Entre os nomes que assinam o texto estão os banqueiros Roberto Setúbal, Pedro Moreira Salles e Cândido Bracher, do Itaú Unibanco, e os empresários Walter Schalka, da Suzano, e Guilherme Leal e Pedro Pedro Passos.

Isso ocorreu no mesmo dia em que a colunista Monica Bergamo revelou que Bolsonaro está inquieto e vem repetindo a interlocutores que teme ser preso. Ele disse que tem certeza de que será alvo de inquéritos que teriam como objetivo levá-lo para trás das grades, caso perca as eleições de outubro. O presidente acredita que seus filhos podem se tornar alvos mais fáceis no momento em que ele deixar a Presidência da República, em 5 de janeiro de 2023.

Nas manifestações que convocou no ano passado, no feriado da Independência, Bolsonaro fez duros ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal. Em Brasília, chegou a chamar o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”. E fez ameaças: “Ou o chefe desse Poder enquadra os seus ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos”.

O ministro Alexandre de Moraes havia sido o responsável por decisões contra apoiadores do presidente que fizeram ameaças às instituições e à democracia. “Não podemos aceitar mais prisões políticas”, disse Bolsonaro em seu discurso. O discurso foi feito em meio às manifestações massivas de apoiadores que pediam o fechamento do Supremo e uma “intervenção militar”. Uma faixa, localizada em frente ao Congresso Nacional, clamou por “faxina nos Poderes”.

Em ato realizado na Avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro repetiu os ataques: “Sai, Alexandre de Moraes! Deixa de ser canalha! Deixa de oprimir o povo brasileiro”. E subiu o tom: “Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair”.

Há a suspeita de que a extrema-direita planeja reeditar, em 7 de Setembro, um “atentado do Riocentro”. A informação, publicada pela revista Veja, reforça a necessidade de aumento da segurança dos atos convocados para a data por Bolsonaro e aliados. De acordo com o colunista Matheus Leitão, dois oficiais dos órgãos de inteligência do país confirmaram a suspeita de que há um plano em curso para simular um ataque a bolsonaristas para culpar a esquerda e o ex-presidente Lula, pré-candidato do PT e líder em todas as pesquisas eleitorais até o momento, inclusive com indicação de vitória em primeiro turno.

Para o senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, trata-se de uma farsa planejada. “É uma denúncia gravíssima. O intuito é criar um factoide político para mudar o curso da eleição de 2022, envolvendo grupos radicais de direita”, afirmou. •

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