Nick Drake e a bucólica imortalidade de ‘Pink Moon’
Gravada em duas noites no inverno de 1971 com apenas Drake ao violão, a curta obra-prima de canções sombrias e introspectivas do precoce compositor britânico completa 50 anos reverenciada por gerações de artistas
O receio de fechar as portas da vida sem um aplauso ou um verso transformado em lema para ser impresso nas costas da posteridade é um fantasma que assombra músicos desde sempre. Assim viveu e morreu Nick Drake, um homem sensível às fragilidades e infortúnios da aventura humana e cuja arte não foi apreciada devidamente enquanto, em breves 26 anos de existência, o compositor inglês produziu brilhantes poemas musicados. Drake morreu prematuramente no final de 1974, vítima de uma overdose de medicamentos para a depressão, doença que o perseguiu por toda a vida. Dois anos antes, deixava sua obra definitiva para as gerações futuras, Pink Moon, que completou neste ano cinco décadas, desde sua gestação em um cinzento inverno inglês no final de 1971.
Se tivesse como prever o futuro, Nick Drake poderia respirar aliviado quanto à longevidade de sua criação. Apesar do fracasso retumbante em vendas —tanto Pink Moon, quanto seu antecessor, Bryter Layter, venderam menos de 5 mil cópias quando foram lançados —, o álbum se tornaria, paulatinamente ao longo dos anos, uma referência para gerações de compositores e bandas, do folk americano ao indie rock da ilha onde cresceu. E despertaria curiosidade e ampla admiração por todos os aspectos de sua efêmera passagem pela vida, duramente marcada pelo fracasso comercial.
O mundo não é mesmo justo. Mas o próprio desgosto de Drake com o insucesso de seus álbuns anteriores, tecnicamente mais bem produzidos, pavimentaram o caminho para a genialidade Pink Moon. O álbum deve suas suas qualidades, em parte, além da originalidade na interpretação das músicas, à obstinação de Drake pelo minimalismo nos arranjos do disco. As onze canções que compõem Pink Moon são extremamente enxutas — o álbum não dura meia hora —, foram gravadas em duas noites com o produtor John Wood e tiveram somente Drake ao violão e no piano da faixa-título.
Por trás da aparente simplicidade há, no entanto, uma introspecção sombria, contida, escondida na inocência bucólica de faixas como a própria Pink Moon, a instrumental Horn e Things Behind the Sun. Quando decidiu gravar o disco, apesar da relutância da própria gravadora Island, decepcionada com as baixas vendagens de Bryter Layter e do disco de estreia, Five Leaves Left, Drake estava determinado a usar o mínimo de recursos do estúdio em que havia gravado os dois primeiros discos, até mesmo efeitos básicos como reverb e eco.
“Ele queria fazer um disco muito direto e pessoal”, declarou o produtor John Wood, em recente entrevista ao jornal britânico The Guardian. “Eu pensei, depois das primeiras músicas, que provavelmente aumentaríamos um pouco. Não muito, mas eu esperava que ele trouxesse Danny Thompson [contrabaixista que tocou nos primeiros álbuns] talvez”, relatou Wood. “Depois do segundo take, eu sugeri algo e ele apenas respondeu: ‘Não, é isso. Isso é tudo o que estamos fazendo.” E foi isso”, resumiu o produtor.
De fato, os dois não precisavam mesmo de muito mais. O violão hipnotizante de Drake, que era um exímio instrumentista, afeito a explorações com intrincadas técnicas de dedilhado e afinações diferentes, chamadas em inglês de open tunings, somadas a sua voz tranquila e de curto alcance, tornam a audição de Pink Moon ainda mais desconcertantemente reflexiva.
Liricamente, Drake, que estudou literatura na Universidade de Cambdrige, dedicando atenção especial ao poeta e pintor William Blake, acomodou suas percepções do mundo em evocativas imagens que abordavam sentimentos de inadequação social, instabilidade emocional, amores perdidos e o medo da morte.
Durante as sessões de Pink Moon, Wood se deparou a execução da estranha e tristemente bela Parasite: “Sailing downstairs to the Northern Line/ Watching the shine of the shoes [Navegando escada abaixo para a Linha Norte/ Observando o brilho dos sapatos]”, diz um trecho da letra. “E olhe direito e você poderá me ver no chão/ Pois sou o parasita desta cidade”, arremata Drake, em tom de falsa calmaria. “Aí eu soube que esse disco seria diferente”, confessou Wood, ao jornal.
Há espaço também para o romantismo irresistível de Which Will, declaração de um Drake completamente rendido: “Which will you go for/ Which will you love/ Which will you chose from/ From the stars above? [A quem você irá?Quem você amará? / Quem você escolherá / Das estrelas acima?]”.
Quando gravou Pink Moon, Nick Drake tinha apenas 23 anos, o que torna a potência de seu trabalho ainda mais assustadora. Ele não era afeito a entrevistas e apresentações e se retirou completamente da vida pública até o trágico fim, no dia 24 de novembro de 1974. Após a silenciosa saída de cena, seus discos permaneceram congelados em uma espécie de limbo, esperando para serem devorados por ouvintes identificados com sua arte, o que começou a acontecer a partir da década de 80.
Do final da década de 90 em diante, já com o advento da internet, Drake ganhou impulso definitivo para integrar o rol dos grandes artistas da música contemporânea. E ganhou os fãs certos, com algumas décadas de atraso. De Robert Smith, do Cure, a Peter Buck, do R.E.M., passando pelos cantores Beck e Bon Iver, até bandas como Belle and Sebastian e Iron & Wine, a lista de artistas admiradores de Drake é extensa, tanto quanto seu fã clube, que cresce a cada dia de descoberta de sua obra, hoje atemporal.
“Now we rise/ And we are everywhere [Agora ascendemos e estamos em todos os lugares]”, como atestam os versos de seu epitáfio musical, From the Morning, a última faixa de sua obra máxima. •