Série documental em seis episódios, disponível na Looke, VivoPlay e Claro+, retrata a sordidez que moveu a derrubada de Dilma, a prisão de Lula e a esperança trazida pela sua libertação

 

 

Contar a história do tempo presente, alinhavando episódios recém-ocorridos dando-lhes algum sentido crítico, não é tarefa simples. No calor da hora, paira sobre os envolvidos direta ou indiretamente na ação uma espécie de cegueira situacional que tolda o entendimento. O documentário A Trama, produção em seis episódios disponíveis em plataformas de streaming, pretende cumprir parte dessa tarefa, retratando os já longos nove anos situados entre o finais de 2014 e de 2019.

Numa ponta dessa linha do tempo encontramos um país que acabara de reeleger Dilma Rousseff presidente da República. Na outra, Lula, o principal personagem do documentário, é libertado após 580 dias numa cela em Curitiba. É sobre os estratagemas que tentaram retirá-lo da cena política que se debruça A Trama, que tem como subtítulo A História da Prisão de Lula.

A complexidade de um registro histórico dessa natureza pode ser sentida pelo espectador ao final de cada episódio do documentário. Numa consulta simples a quem já assistiu, é comum ouvir testemunhos de esquecimentos sobre determinadas passagens do período, mesmo as mais sórdidas ou decisivas.

Detalhes apagados da memória seja pelo manancial desairoso do noticiário, que ao apoiar o golpe e a operação Lava Jato produziu propositalmente confusão, seja por mecanismos do subconsciente, que procuram poupar a sanidade mental de quem vê tudo e se sente impotente.

Outra evidência da intrincada missão de documentar o período histórico que vivemos é a revelação, tantas vezes ignorada, de que o ódio e o desejo de vingança, tão criticados no outro, podem ser contagiantes. Há sequências em A Trama que suscitam esses sentimentos. Nada mais humano: é difícil não sentir engulhos quando a tela exibe passagens como a pregação em que Deltan Dallagnol, diante de uma plateia de fiéis evangélicos, afirma que a Lava Jato é uma missão divina. Ou quando revemos o candidato derrotado no segundo turno de 2014 prometendo guerra e perseguição.

O desfile de tipos movidos por razões que a própria história se apressa em revelar falsas encontra um elo involuntário com outra produção em cartaz no streaming, Gaslit. A série estadunidense, estrelada por Julia Roberts, é uma mistura de fatos com ficção e se situa no período que antecede a agonia do governo Nixon. A certa altura, a mesquinhez, a cafonice e a desonestidade dos personagens se alastram de tal forma que tudo parece uma grande caricatura. Porém, basta lembrar de quem ocupa a Presidência no Brasil para concluir que a realidade pode imitar a caricatura.

Mas o ódio não é bom conselheiro para a política, nem para a análise histórica. Eis um dos méritos do documentário, o de recolocar os acontecimentos na perspectiva necessária para que não se perca esta quadra histórica no esquecimento ou na versão ligeira e inconsequente de grande parcela da imprensa. A Trama procura também um olhar menos apaixonado para retratar o período, embora, em alguns momentos, pareça destinado exclusivamente a torcedores do PT e a fãs de Lula.

A Trama foi dirigido pelo trio Carlinhos Andrade, Otávio Antunes e Vinícius Zanotti. As imagens foram colhidas de coberturas feitas pela própria equipe – Antunes e uma parte da produção trabalharam na campanha presidencial de 2018 –, de arquivos da Fundação Perseu Abramo, da internet e também de trechos da cobertura das principais emissoras de TV.

A linha narrativa é construída com entrevistas de dirigentes partidários, acadêmicos, jornalistas e outras testemunhas do período. Dilma é entrevistada em 2019, antes das revelações da Vaza Jato. Montado entre 2020 e 2021, o documentário não entrevista seu principal personagem, Lula.

Mas Lula fala. Em trechos de entrevistas premonitórias concedidas de dentro da prisão, em discursos, em lágrimas vertidas sobre dona Marisa Letícia e o netinho Arthur. E surge, quase sobrenatural, como uma figura que parece imune à cegueira que atinge a maioria no olho do furacão. A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, reconhece que, às vésperas da prisão do ex-presidente, após um longo período de perseguição implacável, ninguém ao redor tinha certeza do que fazer. É quando Lula decide se entregar, prometendo sua volta e a permanência das ideias que representa.

O povo também fala, no momento mais entusiasmante do documentário. A equipe de TV que captava imagens e depoimentos para a campanha de 2018 se vê, subitamente, na cidade piauiense de Guaribas, no dia em que Lula poderia ser libertado por decisão inesperada de um desembargador, em julho daquele ano. Guaribas é o primeiro município em que foi implementado o Bolsa Família. O que se vê entre os moradores é uma torcida apaixonada pela volta de Lula e sua possível candidatura, como se fosse final de Copa do Mundo com o Brasil em campo. •

 

 

Ficha técnica

A Trama – A História da Prisão de Lula

Produção: Lira Filmes e Pixys Produções Artísticas

Onde: Looke, Vivo Play e Claro+. Primeiro episódio gratuito. Os demais custam R$ 4,90

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