Diante do presidente dos EUA, Jair Bolsonaro não se constrange em dizer que o governo protege a Amazônia e volta a questionar processo eleitoral brasileiro. Mas fez pior: gastou dinheiro público em uma motociata na Flórida

 

O presidente Jair Bolsonaro teve passagem melancólica pela Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles, a partir de quarta-feira, 8. Ele chegou aos Estados Unidos com um dia de atraso para a reunião com o presidente Joe Biden, que aconteceu na quinta. E, para variar, mentiu. Mentiu descaradamente. “A questão ambiental, temos nossas dificuldades, mas fazemos o possível para atender aos nossos interesses e a vontade do mundo”, disse no encontro com Biden.

Ele voltou a afirmar que sente a soberania da Amazônia ameaçada e declarou que tem buscado ampliar a proteção da floresta amazônica e cuidado do meio ambiente. Uma ficção desmentida pelos fatos. Na sexta-feira, 10, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou que a Amazônia Legal teve 900 km² de área sob alerta de desmatamento apenas em maio. O número é o segundo maior para o mês em seis anos – atrás apenas de 2021.

A gestão de Bolsonaro acumula altas nos números do desmatamento e cortes em órgãos de fiscalização e controle ambiental. Órgãos como o Ibama, ICM-Bio e Funai têm sofrido cortes orçamentários. Em janeiro, o governo anunciou um corte total de R$ 35,1 milhões no Ministério do Meio Ambiente. A maior parte — R$ 25,8 milhões – saiu dos cofres do Ibama, justamente nas ações de prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais prioritárias, que tiveram redução de quase R$ 17,2 milhões. 

No informe oficial, a Casa Branca apontou que a conversa girou sobre como “nossos países devem trabalhar juntos para facilitar o desenvolvimento sustentável na maior bacia amazônica para reduzir drasticamente o desmatamento, se coordenar no Conselho de Segurança da ONU (na resposta sobre) a invasão da Ucrânia pela Rússia e apoiar a renovação democrática”.

Ao abordar o tema da Amazônia, Biden tratou de algo caro ao governo brasileiro: o auxílio internacional para preservar o bioma. “Vocês têm feito grandes sacrifícios como país na tentativa de proteger a Amazônia, o grande sumidouro de carbono do mundo. Acho que o resto do mundo deveria participar ajudando vocês a financiar isso para que vocês possam preservar o máximo que puderem. Todos nós nos beneficiamos disso”, disse. Mas Biden não apontou como tal financiamento pode vir a acontecer. Talvez no próximo governo.

Bolsonaro ainda insistiu em colocar sob suspeita o processo eleitoral brasileiro. Ele retomou a ladainha da necessidade de o Brasil ter eleições “auditáveis”. Na véspera do encontro com Biden, o líder da extrema-direita brasileira questionou novamente a vitória do atual presidente dos Estados Unidos afirmando que ficou com “o pé atrás” em relação às eleições americanas, ocorridas em 2020. O ex-presidente Donald Trump, aliado de Bolsonaro, está sob o cerco do Congresso dos EUA, acusado de tentar promover um golpe e tentar invadir o Capitólio, em Washington, em 6 de janeiro de 2021.

Desde que chegou ao poder, há um ano e meio, Biden e Bolsonaro jamais tinham conversado. O presidente dos EUA sempre evitou  contato, já que Bolsonaro fez repetidos comentários questionando a legitimidade da eleição do democrata, em 2020. Mas, frente à frente com o líder brasileiro, o líder americano fez questão de reiterar seus comentários de que o Brasil tem uma “democracia vibrante e inclusiva e instituições eleitorais fortes”.

O encontro foi protocolar e frio, conforme apontaram veículos como os diários espanhol El País e português Diário de Notícias. A mídia anotou que não houve sequer uma troca de apertos de mãos e nem mesmo contato visual entre os dois mandatários. A conversa durou cerca de 50 minutos, apesar da previsão inicial de meia hora. Por cerca de 20 minutos, a pedido de Bolsonaro, os dois líderes ficaram sozinhos na sala, apenas com tradutores, o chanceler Carlos França e o secretário de Estado, Antony Blinken.

A BBC descreveu o encontro apontando os sinais de impaciência de Biden. Bolsonaro falou por cerca de sete minutos, contra pouco mais de um minuto e meio de Biden na abertura do encontro, que foi acompanhado pela imprensa. Conforme o brasileiro fazia o que chamou de “apresentação”, Biden foi crescentemente demonstrando sinais de impaciência, com sorrisos irônicos e evitando contato visual com Bolsonaro.

O mais constrangedor, contudo, estava reservado na Flórida. Em Orlando, Bolsonaro participou de uma motociata organizada por bolsonaristas que vivem nos EUA. Marcado de última hora, e sem constar na agenda oficial do presidente, foi a primeira vez que o chefe do Executivo faz um passeio desses fora do Brasil.

De acordo com a organização da motociata, o Grupo Yes Brasil USA, são esperadas cerca de 1 mil pessoas em apoio ao presidente. A motociata está prevista para acontecer após a inauguração do consulado. Bolsonaro também se encontrará com os prefeitos de Orlando, Buddy Dyer, e de Miami, Francis Suarez. O mais patético, contudo, é que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República deslocou agentes para Orlando a fim de garantir a segurança.

Dinheiro público torrado em vão. “Não se espera que um chefe de Estado de outro país organize uma coisa dessas em uma visita ao seu território”, comentou um diplomata envolvido nos preparativos da viagem, ao explicar a preocupação do Ministério das Relações Exteriores em evitar um possível mal estar com o governo americano. O presidente do Brasil não deixa de fazer o país passar vergonha por onde anda. •

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