Movimentos sociais, coletivos e grupos informais já consolidaram mais de 2,5 mil Comitês Populares de Luta pelo país. O desafio é derrotar o bolsonarismo com Lula presidente e mobilizar o povo a partir de 2023

 

 

Passam de 2,5 mil os Comitês Populares de Luta organizados pelo Brasil. A ideia, lançada pelo PT em janeiro, precisa dos movimentos sociais, de coletivos e mesmo grupos informais para acontecer. A proposta é que esses comitês funcionem como espaços permanentes de debate político e ação comunitária. O objetivo é recriar ou fortalecer aquilo que tradicionalmente é chamado de trabalho de base.

Em sua primeira fase, os comitês pretendem gerar mobilização para derrotar eleitoralmente o bolsonarismo. É o que está sendo feito agora. Passada a eleição, o projeto é manter esses comitês em atividade, para promover diálogos em torno das questões políticas que afetam o cotidiano da população e também promover ações que estimulem as pessoas a participar da política.

A criação de comitês continua. No último sábado, por exemplo, foi inaugurado o Comitê Popular de Luta de Heliópolis, favela localizada na zona sul da cidade de São Paulo. A atividade de lançamento teve a presença do ex-ministro Gilberto Carvalho, do economista Guilherme Mello e da secretária nacional de Organização do PT, Sonia Braga.

Mas a principal força dessa ideia não reside em eventos grandes e bem estruturados como o que aconteceu em Heliópolis, onde a organização popular e comunitária tem tradição. É especialmente por meio de pequenos grupos, como as mulheres bordadeiras que se reúnem todas as manhãs de quinta-feira na praça Joaquim Távora, em Fortaleza, que a ação se espraia. Essa é a expectativa.

“Queremos estimular um trabalho de base que não envolva só nossos filiados, mas trazer quem está distante da atividade política”, explica Sonia Braga. “A proposta é gerar relação com o território, com a vizinhança. Não tem relação com a formalidade partidária. É reunir as pessoas para debater os problemas a partir dos locais onde vivem, e propor soluções coletivas. O importante é o povo se encontrar, conversar sobre a vida e encontrar um jeito de se organizar”, resume.

Esses encontros podem independer de estrutura física. Os comitês são autogestionados. Há grupos que surgem a partir de organizações já estruturadas, como sindicatos ou assentamentos. Entidades como a CUT e o MST são parceiras importantes no projeto. PCdoB e PSOL, partidos da coalizão Vamos Juntos pelo Brasil, já se somaram. Essas parcerias podem oferecer estrutura para as reuniões e ações. A cessão de uma sala, por exemplo.

Um grupo de jovens que se reúne para panfletar em estações de metrô na cidade de São Paulo iniciou esse trabalho sem depender de ajuda externa. O Comitê Popular do Centro planeja as ações em encontros virtuais ou em locais que se adaptam à agenda do grupo a cada semana. Após a panfletagem e o tête à tête com as pessoas que passam, no início ou no final do dia, os integrantes do comitê partem para seus compromissos pessoais.

Os comitês podem se organizar também a partir de ações de solidariedade, como cozinhas comunitárias. Para o MST, uma das organizações que se empenhou nesse tipo de atividade nos períodos mais críticos da pandemia de covid-19, a organização de Comitês Populares de Luta é um desdobramento.

A distribuição de refeições ou de cestas básicas vem sempre acompanhada de conversas com as comunidades, em que se discutem distribuição de renda e reforma agrária. Cardápio politizado. Nessas ações, o MST costuma partir dos assentamentos e montar estruturas itinerantes em áreas urbanas, muitas vezes em parceira com coletivos que atuam nos territórios.

“Em nosso olhar, os comitês são ferramentas de construir mobilização, articulação e debate. Nossa perspectiva é politizar”, comenta Roberto Baggio, da coordenação nacional do MST. “São uma forma de retomar o canal direto com a população”. Para ele, houve um distanciamento dos movimentos sociais e da esquerda e a população em geral, nas últimas duas décadas.

“Houve um enfraquecimento da mobilização popular, o que gera uma enorme confusão e muitas dúvidas, o que facilitou essa onda conservadora que se abate sobre o país”, avalia Baggio. “São milhões de pessoas alijadas do processo, que não conseguem nem reivindicar”.

Em sua opinião, esse descolamento ocorre por duas razões principais. “Houve um conjunto de mudanças nos últimos 20 anos que faz com que a classe trabalhadora não seja mais aquela que fundou o PT e a CUT. Por um lado, aumentou significativamente do ponto de vista numérico, mas não cresceu do ponto de vista organizativo. Está sem mediação. A dinâmica do sistema jogou esses milhões para fora. O sistema não os quer”, aponta.

A outra razão vem de 2016, quando se iniciou a destruição sistemática do serviço público. “Há jovens que viveram um momento melhor, mas não testemunharam o processo político e econômico que gerou aquele momento. Não tiveram experiência organizativa e estão tentando se constituir”, completa.

Outros comitês estão se organizando a partir de questões temáticas distintas, como religião, cultura ou geração de renda. Há comitês evangélicos, de teatro, de chão de fábrica, de música. O tamanho dos grupos não é o mais importante, e sim sua capacidade de expandir as mensagens.

“Somos 72 mulheres, mas as atividades de rua costumam reunir em torno de 20”, explica Francisca Simone de Castro Alves Nepomuceno, uma das bordadeiras que atua na praça Joaquim Távora, Fortaleza. As peças que produzem atualmente são todas voltadas à defesa de Lula. Os bordados, que podem ser desde pequenos lenços a toalhas, são doados. Não sem antes uma boa conversa sobre política.

“Um tempo atrás, a gente ia buscar as pessoas. Agora, com os bordados do Lula, elas é que vem procurar a gente”, comemora Simone, que é uma das fundadoras do Coletivo Feminista Mulheres do Ceará com Dilma. Como o nome diz, a luta delas vem desde 2015, contra o golpe. Depois, elas foram a Brasília, Curitiba e Porto Alegre, protestar pela libertação de Lula. Suas agulhas vão construindo a trama justa da democracia.

Os comitês atuam também no mundo virtual, espaço de disputa incontornável. As Brigadas Digitais da CUT, criadas desde o final do ano passado, reúnem militantes de todo o país para a produção e distribuição de conteúdo para denunciar as mazelas do bolsonarismo. São cards, vídeos, áudios e textos para distribuição em redes sociais e aplicativos de mensagens.

Para se somar a essas iniciativas ou criar novos comitês, os sites das entidades fornecem sugestões. Uma delas é procurar associações de bairro, sindicatos, grupos de estudo em escolas, universidades, igrejas. “Ou propor uma boa conversa com café e bolo para seus vizinhos, um ótimo começo”, diz Sonia Braga. •

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