Moro quebrou empresas que contribuem com 78% do faturamento de seu empregador até o ano passado. Ele gerou uma situação como juiz que o beneficiou como particular. É um acinte

 

 

Sérgio Moro, em entrevista ao Flow Podcast, declarou em alto e bom som que ele era o comandante da Lava Jato. A declaração é uma monstruosidade e significa a confissão de suspeição reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Digo isso só para constar e relembrar rapidamente que a Lava Jato foi uma operação fora da lei.

Mas foi bem mais que isso. Além de rasgar a Constituição e as leis, a gangue de Curitiba foi responsável pela perda de 4,4 milhões de empregos e R$ 172,2 bilhões em investimentos. O setor mais atingido foi o da construção civil, que perdeu 1,1 milhão de postos de trabalho, segundo dados do Dieese.

Além disso, com a queda de faturamento, as companhias envolvidas atravessaram uma crise financeira, administrativa e de reputação e deixaram de recolher aos cofres públicos R$ 41,3 bilhões a título de tributos.

O autor dessas canetadas bilionárias e que devastaram o país atende pelo nome de Sérgio Fernando Moro.

Agora, saltemos no tempo e vamos para dezembro de 2020. Moro, já ex-juiz e ex-ministro é contratado pela empresa de consultoria norte-americana Alvarez & Marsal.

Poderia ser um emprego como outro qualquer não fosse a tal consultoria a responsável por promover a recuperação das empresas quebradas pela Lava Jato, ou melhor por Sérgio Moro, seu comandante como ele próprio confirmou.

Por esse “detalhe”, o Tribunal de Contas da União, a pedido do Ministério Público, abriu investigação para apurar a ocorrência de um possível conflito de interesses. O caso tem toda a pinta do que os americanos chamam de revolving door — porta giratória — que acontece quando um ex-agente público resolve trabalhar na iniciativa privada e na mesma esfera de atuação de quanto prestava serviços ao Estado. Leva consigo informações privilegiadas obtidas no serviço público.

Vejam só: Moro quebrou as empresas que contribuem com 78% do faturamento de seu novo empregador. Ele gerou uma situação como juiz que agora o beneficia como particular. Das centenas de empresas do tipo, porque Moro escolheu justamente essa para trabalhar? Isso merece investigação.

Mas o ex-juiz afirma que a investigação é ilegal. Uma ingerência do Estado em relações privadas. E diz mais: não recebe nenhum tostão das empresas investigadas, condenadas e quebradas por ele. Será isso mesmo? Vamos por partes, como ensina Jack, o estripador:

1. Moro no auge da Lava Jato dizia, com pretensões literárias, que a “luz do sol é o melhor detergente”. Quebrou sigilos às mancheias sob essa alegação. De acordo com ele, o homem público não deve ter segredos.

2. O ex-amigo de Bolsonaro se apresenta, hoje, como candidato a Presidente da República. Por que não esclarece espontaneamente o que a sociedade quer saber: quanto ganhava, o que fazia, quais eram os termos do contrato? Moro juiz prenderia Moro consultor.

3. Não há nenhum idiota dizendo que ele recebia diretamente das empresas que quebrou. Recebia indiretamente.

4. Quer queira quer não queira, Moro tem de atender à requisição do TCU. Ele é Pessoa Politicamente Exposta (PEP) e, como tal, pode ser monitorado pelo Banco Central e pelo COAF.

 

Consideram-se PEP os agentes públicos que desempenham ou tenham desempenhado, nos últimos cinco anos, no Brasil ou em países, territórios e dependências estrangeiros, cargos, empregos ou funções públicas relevantes, assim como seus representantes, familiares e outras pessoas de seu relacionamento próximo (Redação dada pela Circular 3.654, de 27/3/2013).

Moro desempenhou essas funções nos últimos cinco anos. Portanto, não há qualquer ilegalidade ou ingerência indevida por parte do Estado. Trata-se de uma rotina de monitoramento da movimentação financeira e fiscal a que toda PEP está submetida. Essa avaliação tem como objetivo prevenir a corrupção e crimes contra o sistema financeiro, como a lavagem ou desvio de dinheiro, por exemplo, de acordo com as normas e diretrizes Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) consubstanciadas na Circular 3.461, de 24 de julho de 2009, do Banco Central. Esse ato normativo consolida as regras sobre os procedimentos a serem adotados na prevenção e combate às atividades relacionadas com os crimes previstos na Lei 9.613/98.

Moro usou e abusou dessa normatividade na Lava Jato e agora tenta se esquivar. Por tudo o que aqui se disse, Sérgio Moro está obrigado legal e moralmente a prestar esses esclarecimentos ao povo brasileiro, que por tanto tempo ele enganou.

Enquanto escrevo essas linhas, o lavajatista anunciou que vai informar quanto ganhava, como se fosse o último capítulo de uma novela. Isso é ridículo. Marcar dia e hora para informar algo que exige apertar algumas poucas teclas. Qualquer que seja o valor não vai apagar a ilegalidade dessa contratação.

E essa novela está longe de terminar. Só vai se encerrar quando Sérgio Moro responder pelos seus inumeráveis crimes.

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