A Espanha inspirou o neoliberalismo de Temer e Bolsonaro com suas mais de 50 alterações na regulação laboral, sendo as de 1994 e do triênio 2011/2012 as mais extensas. Tais medidas flexibilizaram ainda mais os contratos laborais, estimularam o trabalho temporário e de curta duração, facilitaram demissões, deram prevalência aos acordos por empresa, inclusive para reduzir salários, direitos e condições de trabalho, atacaram os sindicatos e fragilizaram as negociações.

As novas regras da legislação trabalhista espanhola reduziram o custo do trabalho com a promessa de crescimento econômico e emprego. No Brasil, fez-se o mesmo em 2017 com a autorização da terceirização sem limites e a ampla reforma trabalhista.

Os resultados observados lá e aqui? Desemprego alto, geração de ocupações precárias, temporárias, inseguras e de curta duração. Além disso, houve arrocho salarial, redução da massa de rendimentos do trabalho, com fragilidade do poder de consumo das famílias, fraca demanda, desigualdade e anemia da economia.

Mas mudaram os ventos! Depois de nove meses de negociação tripartite entre o governo espanhol e as entidades sindicais (CCOO e UGT) e empresarias (CEOE e CEPYME), chegou-se a um acordo ambicioso. O acordo muda a trajetória do sistema de regulação laboral e de relações de trabalho. Aprovado pelo Conselho de ministros na forma de decreto-lei real (algo semelhante a uma medida provisória brasileira), o projeto entrou em vigor e será apreciado pelo Congresso.

Destaque-se que esse acordo vem na continuidade de outras importantes medidas tomadas em 2021, como o novo aumento do salário mínimo, que passou para 935 Euros (cerca de R$ 6 mil). Ainda houve a equiparação de direitos trabalhistas para os ocupados em home office/teletrabalho, prevê-se políticas de formação, inserção profissional e para geração de emprego, bem como novas regras de inspeção do trabalho, com prioridade para combater a precarização do trabalho entre os jovens, de igualdade salarial entre homens e mulheres, entre outras importantes medidas. Há um processo de mudanças em curso.

O novo acordo espanhol dá continuidade às mudanças e recoloca centralidade no diálogo tripartite para a formulação das políticas relacionadas ao mundo do trabalho, fortalecendo a negociação coletiva, valorizando os sindicatos. A medida dá prevalência os contratos coletivos setoriais sobre os acordos por empresa, ampliando sua eficácia para todos os trabalhadores e terceirizados.

Ainda estabelece como padrão os contratos de trabalho com prazo indeterminado, limitando o uso do contrato temporário, de prazo determinado e de curto prazo. No bojo das propostas, políticas de proteção dos empregos, inclusive diante de crises, de combate à rotatividade e informalidade. Ainda há espaço para formação profissional como direito e parte do contrato de trabalho. O esforço é para inibir demissões, inclusive no setor público, entre outras medidas.

Importante destacar que as perspectivas das mudanças trabalhistas já estão expressas no Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência da Espanha (PRTR), apresentado pelo governo à União Europeia, aprovado em junho de 2021, o que ajudou a impulsionar o acordo. Há críticas oriundas da direita — reforma marxista! —, dos empresários — foi muito! — e da esquerda — foi pouco!. Todos com seus motivos, razões e interesses.

Contudo, o que se apresenta é o resultado da complexa correlação de forças expressa nas mobilizações, nas negociações e deliberações para pactuar o acordo. Um novo passo nessa história, sempre incompleto, de desenho do novo sistema de relações de trabalho que constituirá a dinâmica econômica, política e social futura para transformar em novas bases o que quatro décadas de mudanças predominantemente regressivas promoveu e responder às profundas transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho. A tensa e desafiadora tarefa de imaginar o futuro e de construí-lo no presente. Fonte de inspiração para imaginar e criar o nosso caminho de futuro aqui no Brasil.

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