…para evitar o desastre ambiental. Enquanto isso, o Brasil passa vergonha e só assina acordos por pressão direta dos EUA. País deixou de ter peso político na comunidade internacional, conquistado sobretudo nos governos Lula e Dilma, e passar a ser visto como um problema para a humanidade

 

No domingo, 31, os principais líderes do mundo estão reunidos em Glasgow, na Escócia, para a Cop26, a Conferência sobre o Clima das Nações Unidas. Os países buscam alternativas ao aquecimento global, causado principalmente pela emissão de combustíveis fósseis graças à ação humana, que ameaça a existência das próximas gerações.

A década passada foi a mais quente já registrada e são cada vez mais constantes eventos climáticos como enchentes, incêndios florestais e o aumento do efeito estufa. Daí a consciência coletiva de que uma ação coordenada dos países para conter o aquecimento global. Apesar do consenso, a luta por garantir a existência da própria humanidade não é dada como iniciada.

É esperado que os quase 200 países presentes na Cop26 apresentem seus planos de cortes de emissões até 2030. No Acordo de Paris, em 2015, todos os países presentes concordaram em promover mudanças para manter o aquecimento global “bem abaixo” dos 2°C acima dos níveis pré-industriais — e tentar atingir 1,5°C — para evitar uma catástrofe climática.

Em Glasgow, o Brasil tem uma das maiores delegações do encontro e financia um luxuoso pavilhão promocional dentro do centro de conferências. Entretanto, apesar da urgência planetária, o presidente Jair Bolsonaro deu de ombros para o problema e decidiu não participar da Cop26, aprofundando o isolamento diplomático do país. Um revés para a posição sem altiva e ativa do país em fóruns internacionais, principalmente nos governos Lula e Dilma. O primeiro negociou pessoalmente em Copenhagen, durante a Cop15. A presidenta foi a anfitriã da Rio+20. Mas esses eram outros tempos. Agora, o país é ignorado.

Na abertura do encontro, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, destacou que a Cop26 deve marcar o começo do fim. O político britânico vendeu esperanças. Disse que “gerações futuras não vão nos perdoar se falharmos”. A tarefa, segundo o líder inglês, é envolver o mercado na “descarbonização”. Para Johnson, “o que o Acordo de Paris prometeu, Glasgow precisa entregar”.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, entretanto parece cético. E citou diretamente a situação do Brasil. “A Amazônia agora libera mais gases estufa do que absorve por causa das queimadas”, lamentou.  Além disso, alertou que estamos cavando a nossa própria cova: “Os últimos seis anos foram os mais quentes da história”.

Uma das vozes que chamaram a atenção na conferência é de uma brasileira. A ativista indígena Txai Suruí discursou na abertura da Conferência. “Hoje, o clima está aquecendo, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, e nossas plantas não florescem como antes. A Terra está falando, e ela nos diz que não temos mais tempo”, disse.

“Não é em 2030 ou 2050. É agora. Enquanto vocês fecham os olhos para a realidade, os defensores da terra foram assassinados por proteger a terra. Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, e nós precisamos estar no centro das decisões sendo tomadas aqui”, prosseguiu.

O presidente negacionista reagiu. Ausente dos debates, Bolsonaro se limitou a criticar a líder indígena brasileira. Na quarta-feira, 3, o presidente disse que Txai Suruí foi levada ao evento para “atacar o Brasil”. “Estão reclamando que não fui para Glasgow. Levaram uma índia para lá substituir o [Cacique] Raoni e atacar o Brasil”, criticou. A vergonha alheia é nossa.

No encontro em Glasgow, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou o corte das emissões de gases que contribuem para o efeito estufa em uma gigatonelada até 2030. “Há uma oportunidade incrível para todos nós. É um momento de inflexão na história do mundo. Podemos criar um futuro limpo e bons empregos e oportunidades no mundo. Podemos aumentar o padrão de vida no mundo. É uma demanda moral e econômica”, afirmou o presidente dos EUA.

Ao longa da semana, mais de 100 países, entre eles o Brasil, anunciaram a adesão à proposta de cortar emissões de metano, um poderoso gás-estufa, em 30% até o final da década, em relação aos níveis de 2020. Entretanto, a adesão brasileira a esse acordo só foi possível graças à forte pressão dos EUA, principal idealizador da proposta, via Departamento de Estado. Nos últimos dias, o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, convenceu o Itamaraty a aderir à iniciativa. A posição em favor do acordo é importante, mesmo diante do ceticismo generalizado, porque ao menos sinaliza a disposição do paísd para retomar a agenda verde, nem que seja depois da saída de Bolsonaro da Presidência da República, em 2023.

Outro avanço das nações, anunciado na Cop26, foi a Declaração das Florestas, que reuniu pelo menos 124 países em um compromisso para reverter e limitar o desmatamento. Os pilares do documento envolvem ações políticas em prol da conservação e uma visão “ampliada”, de que apenas medidas de comando e controle do desmatamento não são suficientes. São necessárias também ações paralelas, voltadas para o desenvolvimento da produção agrícola e de alimentos sustentáveis. O Brasil também é signatário do acordo, mas a posição do governo nem por isso deixa de ser ambígua.

No alto escalão do Ministério da Agricultura, por exemplo, o segundo princípio da declaração foi recebido com preocupação. O documento cita o comércio de commodities desvinculadas de desmatamento. Esse dispositivo trata da “facilitação do comércio e das políticas de desenvolvimento, internacional e domesticamente, que promovam o desenvolvimento sustentável e a produção e consumo de commodities sustentáveis, que trabalhem para o benefício mútuo dos países e que não conduzam ao desmatamento e à degradação da terra”.

A medida legal é encarada por representantes da agricultura empresarial brasileira como uma ameaça ao agronegócio nacional, que já enfrenta desde o início do governo Bolsonaro a má-vontade dos europeus, preocupados diante do aumento do desmatamento da Amazônia e a comercialização de produtos oriundos das florestas tropicais. Os consumidores no Velho Mundo não gostam do fato de produtos brasileiros terem origem em áreas degradadas. No Reino Unido, a pressão tem sido escancarada desde 2019.

Apesar de não constar na Declaração das Florestas, as nações mais ricas prometeram destinar US$ 12 bilhões de fundos públicos, até 2025, para financiar a proteção florestal e o setor privado prometeu outros US$ 7,2 bilhões.

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