Segundo deputado petista, apesar disso, há esperança nos corredores da COP26 de que o país mude logo de rumo. Ele destaca que, para além do Brasil oficial, o Brasil real, da sociedade civil e dos movimentos populares atua com força em Glasgow

 

 

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) está na Cop26, que começou no domingo, 31, em Glasgow, na Escócia, e afirma que o Brasil está sendo representado por duas delegações antagônicas. Existe o Brasil oficial, que atua defendendo a cartilha do governo Bolsonaro, e um outro, que é o dos movimentos populares, ONGs e academia. “Este é o Brasil real e vivo”, define.

Esta delegação genuína é quem luta por acordos sobre a preservação do meio ambiente e pela redução das emissões de poluentes. Tatto diz que a comunidade internacional é cética com a retórica do governo brasileiro, mas há esperança é de que o país possa mudar de rumo o quanto antes. 

Focus Brasil — Como o senhor está sentindo a receptividade ao Brasil na Cop26, tendo em vista que vivemos sob um governo negacionista, que assinou acordos benéficos ao meio ambiente por causa da pressão internacional?

Nilto Tatto — O clima geral com relação ao Brasil é de muito ceticismo porque o próprio governo vem fazendo tudo ao contrário daquilo que o país vinha se comprometendo ao longo do tempo nos acordos sobre o clima. O mundo todo está acompanhando o governo Bolsonaro, que vem destruindo aquilo que o Brasil construiu para enfrentar a crise climática, seja na estruturação dos organismos de Estado, como Ibama, ICMBio, Funai, Incra e o próprio Programa de Controle e Monitoramento do Desmatamento, como na flexibilização da legislação. A consequência disso são os indicadores de aumento de emissões por parte do Brasil em decorrência do crescimento das queimadas e do desmatamento. Também pesa para esse ceticismo a violência que tem resultado em aumento de conflitos pela terra. É o caso das invasões de terras indígenas, territórios quilombolas em especial e extrativistas. E agora, o Brasil volta com a presença na Cop, inclusive com um estande, mas o objetivo é tentar disputar uma narrativa para dizer que o que está sendo feito é sustentável. Mas isso não condiz com o que os indicadores demonstram. O Brasil, nessa toada, tenta também passar uma imagem de que tem compromisso com o futuro da agenda quando anuncia reduções, inclusive maiores do que já havia se comprometido até 2030, mas sem demonstrar como vai fazer para cumprir com essa promessa.

O mundo todo percebe, evidentemente, a prática do governo e a falta de consistência nas metas que se propõe a fazer. A percepção é de que o Brasil não vai conseguir cumprir com aquilo que está prometendo. Isso é uma coisa oficial sobre o Brasil na Cop. Somos vistos com descrença e ceticismo por parte da comunidade internacional. Mas existe outro Brasil aqui que é um espaço organizado pela sociedade civil e que tem a presença dos parlamentares de oposição e dos movimentos sociais. Este outro Brasil cobra que o conjunto dos países nessa Cop assumam mais responsabilidades para enfrentar a crise climática. Precisamos de metas mais ousadas. E é este “outro Brasil” que diz que o país precisa fazer a sua parte. Há expectativa de outro governo para  dar sequência à agenda histórica que sempre defendemos.

 

— Teve repercussão o fato de o coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima ter pedido demissão?

— Sim. E fica muito evidente a agenda do governo brasileiro, sem diálogo com a sociedade. Esse coordenador não tinha função para desempenhar, porque não há diálogo. Aqui, o espaço oficial do Brasil tornou-se um espaço privado de setores da economia, a CNI [Confederação Nacional da Indústria] e a CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil] tomaram conta. A gente pode dizer que, tirando os negociadores do Itamaraty, representantes do Estado brasileiro, o espaço foi tomado pelo agronegócio.   

 

— O que o senhor viu de mais relevante até agora na Cop26?

— Do ponto de vista geral, o mais importante é o reconhecimento do papel dos povos indígenas, como guardiões da biodiversidade e das florestas. Estamos falando de 80% das florestas do mundo protegidas pelos povos indígenas. Foi anunciado um fundo para apoiar os povos indígenas na proteção da biodiversidade e das florestas. Evidentemente que quando isso recai sobre o Brasil, sabemos que no governo Bolsonaro não teremos avanço nas demarcações das terras indígenas e nem a implementação desse acordo. É um problema que vamos ter que resolver. Mas precisamos influenciar no debate aqui e trazer o posicionamento de que o Brasil vai fazer a sua parte, na expectativa do governo futuro. Há uma expectativa muito grande de um governo do presidente Lula. O clima de quem está aqui pelo Brasil, me refiro a esse Brasil real e vivo, é de que nós precisamos ajudar e influenciar no debate, mas com compromissos para o futuro, não para o governo atual.

A outra questão é o debate sobre o mercado de carbono, como criar mecanismos financeiros fundamentais para os países em desenvolvimento poderem cumprir suas metas e, ao mesmo tempo, repensar as cadeias produtivas para gerar trabalho e renda. É a situação do Brasil. É necessário apoio financeiro e tecnológico.

 

— Os interlocutores estrangeiros falam sobre a necessidade de o governo Bolsonaro chegar ao fim para que seja possível melhorar a política ambiental?

— Sim, sem dúvida. Os indicadores estão aí e o mundo todo, até em função da diminuição das atividades econômicas por causa da pandemia, diminuiu as emissões de poluentes. Mas o Brasil foi um dos poucos que aumentou as emissões em plena pandemia. Ou seja, mesmo diminuindo a atividade econômica no Brasil, houve aumento das emissões por causa da destruição das florestas e as queimadas. É essa  a principal contribuição que o Brasil dá para as emissões. Mas o mundo todo reconheceu o papel do Brasil durante os governos Lula e Dilma quando, entre 2006 e 2012, ocorreu a maior diminuição de emissões de gases do efeito estufa. Tivemos crescimento econômico, inclusão social e distribuição de renda. 

O Brasil tem as melhores condições para sair na frente nesse jogo do enfrentamento da crise climática e ao mesmo tempo gerar riqueza, trabalho, renda e inclusão social. Esse é o sentimento da comunidade internacional e, por isso, há esperança de que o Brasil possa mudar de rumo logo. Porque o Brasil ajuda a influenciar e a puxar o mundo todo nessa agenda. Acho que esse é o grande diferencial que está nos corredores da Cop.

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