Especialistas apontam que a venda da estatal, que vem sendo desmanchada desde a deposição de Dilma Rousseff, vai resultar em mais aumentos dos preços de combustíveis

 

Para entender o impacto das políticas de Bolsonaro na Petrobrás, a Focus Brasil procurou especialistas na área de petróleo e gás. A avaliação geral é que, com Bolsonaro, a estatal vem passando por um processo de completo desmonte, que envolve o enxugamento da empresa, a venda de refinarias, a abertura do mercado brasileiro para importadores e a operação de refinarias em capacidade ociosa.

Para o economista e ex-presidente da Petros Henrique Jaeger, o cenário atual da Petrobras é de continuidade da desconstrução da empresa que se iniciou com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Esse processo tem passado pela venda generalizada de ativos  nos segmentos de logística, refino, transporte, distribuição, armazenamento de combustíveis e gás natural, geração de energia elétrica por meio de usinas termelétricas e eólicas, retirada do segmento de biocombustíveis, redução drástica dos investimentos, inclusive em pesquisa e formação dos trabalhadores, saída do segmento de produção de fertilizantes, com fechamento e arrendamento de fábricas, reposicionamento espacial da empresa com concentração dos seus ativos na região Sudeste, basicamente no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, com foco na produção de petróleo e gás natural para exportação na província do Pré-Sal”, analisa.

“É importante destacar que estes movimentos de vendas de ativos destacados vão na contramão das estratégias adotadas pelas maiores empresas de petróleo do mundo, que vem aumentando a diversificação e investindo cada vez mais em energias renováveis”, prossegue.

Segundo Jaeger, a Petrobrás foi e ainda é um fator essencial para o desenvolvimento do país. “A empresa tem e pode contribuir para o crescimento integrado do país, sem abrir mão de resultados no curto e médios prazos. A política de vincular os preços no Brasil aos preços cobrados na Coreia do Sul, Europa e Estados Unidos tem que ser banida”, aponta. “Como uma empresa estatal, a Petrobrás tem que buscar o equilíbrio entre a geração de resultados para os acionistas e a geração de resultados para a sociedade brasileira”.

Para a doutora em desenvolvimento econômico e economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, Juliane Furno, o atual cenário da Petrobrás é de uma empresa que, a despeito de ser estatal, já se comporta de forma análoga à de uma empresa privada. “A Petrobrás está perdendo capacidade de operar como uma empresa que serve, preservando aspectos de equilíbrio financeiro interno, como instrumento de operacionalização de políticas públicas, tais como a amortização da volatilidade da remarcação de preços mas também de liderança na transição da matriz energética”, explica.

A economista defende a preservação do caráter estatal da empresa, além do fortalecimento do caráter integrado e a mediação mais intencionalizada entre os interesses do Estado e os dos acionista. “Da forma que está a sociedade brasileira está transferindo renda e financiando um setor pequeno que se beneficia de uma política de preços que não encontra paralelo histórico em países que são produtores, que refinam e que transportam petróleo internamente”, conclui.

Socióloga e pesquisadora do Ineep, Carla Borges Ferreira analisa que, desde 2016, na gestão Pedro Parente, houve uma alteração no projeto da Petrobrás, perceptível nos planos de negócios. “A partir deste novo direcionamento, organizou-se processos de privatizações e redução de investimentos em diversas áreas.

De uma empresa que se pretendia nacional, verticalizada e parte do processo de desenvolvimento, configurou-se um projeto de empresa focada na exploração e produção, principalmente no Pré-Sal, orientando-se para o retorno de curto-prazo, com foco na maximização da distribuição de dividendos, que tem se sobreposto ao caráter estatal da companhia”, disse.

Para ela, a empresa, em congruência com o que ocorre em muitas experiências internacionais, deveria manter-se como uma empresa verticalizada — “do poço ao posto” — com atuação que tivesse foco não só na exploração e produção, mas também nas outras áreas da cadeia dos hidrocarbonetos.

 

O desmonte da primeira estatal

– Do Estado para o mercado, por meio das desestatizações do sistema Petrobrás e o fim da obrigatoriedade de atuar como operadora do Pré-Sal

– Do nacional para o internacional, com as desonerações fiscais para grandes petrolíferas e o fim da cessão onerosa

– Do público para o privado, com a abertura para múltiplos operadores e repasses de reajustes de preços instáveis e abusivos dos combustíveis

– Da produção para o rentismo, com a queda de investimentos, do conteúdo local e a antecipação de pagamento para litígios de acionistas de fora

– Do longo prazo para o curto prazo, com leilões de óleo e gás em ritmo acelerado e os óbices ao fundo social do petróleo.

Fonte: “Brasil: Cinco Anos de Golpe e Destruição”, Fundação Perseu Abramo.

 

R$ 31,8 bilhões em dividendos

A Petrobrás fechou o terceiro trimestre de 2021 com lucro líquido de R$ 31,142 bilhões. Com geração de caixa, impulsionada pela valorização do petróleo, a companhia atingiu a meta de redução da dívida e, ao mesmo tempo, anunciou nova antecipação de dividendos aos acionistas: R$ 31,8 bilhões, referentes a 2021.

No meio de um fogo-cruzado, criticada tanto pela oposição quanto pelo presidente Jair Bolsonaro por repassar a inflação dos preços internacionais e contribuir para o aumento dos combustíveis, a Petrobrás recorreu aos dividendos e impostos pagos pela empresa para justificar os lucros e dividendos.

A nova antecipação do pagamento aos acionistas se soma aos R$ 31,6 bilhões já anunciados em agosto. Ao todo, a petroleira já se comprometeu a distribuir R$ 63,4 bilhões, relativos aos resultados do exercício de 2021, dos quais R$ 21 bilhões já foram desembolsados em agosto e R$ 42,4 bilhões serão depositados em 15 de dezembro.

A estatal destacou que os lucros permitirão à empresa entregar, apenas no segundo semestre, R$ 23,3 bilhões em dividendos à União. A Petrobras encerrou o trimestre com dívida bruta de US$ 59,6 bilhões, queda de 6,4% em relação a junho.

Contribuíram positivamente o recebimento de US$ 2,9 bilhões em compensações previstas no acordo de coparticipação de Búzios, no pré-sal, e os R$ 4,8 bilhões em quantias recolhidas indevidamente em débitos tributários.

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