Relatório de 1.200 páginas pede indiciamento de presidente e 65 aliados, incluindo os três filhos. “É a primeira CPI a comprovar as digitais de um presidente da República na morte de milhares de cidadãos”, anuncia Renan Calheiros. “Os crimes imputados a Bolsonaro superam 50 anos de prisão”, aponta Humberto Costa

 

 

O Brasil aguardava com ansiedade o relatório final da CPI da Covid, depois de ter assistido a 605.211 mortes desde o início da pandemia. Na quarta-feira, 20, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou as conclusões da comissão. Trata-se de um contundente documento que detalha, em quase 1.200 páginas, todos os crimes cometidos por Jair Bolsonaro e seus aliados durante a pandemia.

O Brasil aguardava com ansiedade o relatório final da CPI da Covid, depois de ter assistido a 605.211 mortes desde o início da pandemia. Na quarta-feira, 20, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou as conclusões da comissão. Trata-se de um contundente documento que detalha, em quase 1.200 páginas, todos os crimes cometidos por Jair Bolsonaro e seus aliados durante a pandemia.

A repercussão foi imediata e global. A acusação de crimes contra a humanidade, um dos crimes pelo qual Bolsonaro é acusado, foi o principal destaque da cobertura da imprensa internacional sobre o Brasil na última semana. Mesmo diante das graves acusações, o presidente, covardemente, se eximiu de responsabilidades: “Nós sabemos que não temos culpa de absolutamente nada. Sabemos que fizemos a coisa certa desde o primeiro momento”.

O jornal estadunidense The New York Times noticiou com alarde a conclusão da CPI: “Líder brasileiro é acusado de crimes contra a humanidade na resposta à pandemia”. E informa que a CPI concluiu que Bolsonaro “intencionalmente deixou o coronavírus se alastrar pelo país e matar centenas de milhares de pessoas em uma aposta fracassada de atingir imunidade de rebanho e reviver a maior economia da América Latina”.

Na Inglaterra, o jornal The Guardian reportou em manchete principal: “Bolsonaro deve ser indiciado por crimes contra a humanidade, aponta investigação sobre covid”. O francês Le Monde também fez estardalhaço: A gestão ‘criminosa’ da pandemia no Brasil de Jair Bolsonaro. Todos registraram que a CPI responsabilizou o presidente de extrema direita por milhares de mortes em meio à disseminação de fake news e do abandono intencional de populações indígenas.

A revista britânica The Economist também dá amplo destaque ao pedido de indiciamento do “presidente anti-vacina” pelos “crimes contra a humanidade”, na edição desta semana, e diz que Bolsonaro terá de lutar não apenas pela reeleição, mas também para escapar da prisão. “Sua abordagem ‘macabra’ da pandemia, incluindo a organização de grandes reuniões de seus apoiadores e cientistas depreciativos, constitui um ‘crime contra a saúde pública’”, resume a revista.

O presidente é acusado de nada menos do que 12 crimes, ao lado de outros 65 agentes públicos e privados — incluindo os filhos Flávio, Carlos e Eduardo — que atuaram em uma cadeia de ações que causaram a morte milhares brasileiros em decorrência de uma onda de contaminações por Covid-19. Bolsonaro pode vir a pegar mais de 100 anos de prisão, caso seja condenado. O relatório será votado pelos senadores nesta terça-feira, 26.

“Esta CPI é a primeira a comprovar as digitais de um presidente da República na morte de milhares de cidadãos”, anunciou Renan Calheiros. Ele resumiu, em pouco mais de 25 minutos, as áreas de investigações da comissão, elencando todos os crimes cometidos por Bolsonaro, seja por medidas adotadas por sua gestão – como o atraso na compra de vacinas – ou pela atuação de apoiadores na pandemia – como a disseminação de fake news sobre imunizantes, passando por esquemas de corrupção no Ministério da Saúde e a promoção de drogas ineficazes contra a doença por meio de um gabinete de saúde paralelo.

“Chegamos a uma das maiores letalidades do planeta, resultado funesto, sepulcral, derivado de muitos erros e práticas mortais que conjugaram heresias científicas fatais, como boicote irracional e deliberado às vacinas e experimentos de triste memória nazista com seres humanos”, criticou o relator, referindo-se aos testes realizados pela Prevent Senior com o ‘kit covid’ em pacientes da operadora, prática repetida em Manaus.

“Nunca, exceto em regimes autoritários e sanguinários, a vida foi tão desprezada, vilipendiada. Isso se traduz mais assustadoramente nas mortes, mas também na fome, no desemprego, na indigência”, sentenciou Calheiros. O senador Humberto Costa (PT-PE), chamou a atenção para a gravidade dos crimes cometidos por Bolsonaro, em especial crimes contra a humanidade e epidemia com resultado de morte.  “Os crimes que foram imputados a Bolsonaro representam, no mínimo, 50 anos de prisão e, no máximo, 150 anos de prisão”, explicou.

“Estímulo à contaminação, gabinete paralelo, medicamentos sem eficácia, divulgação de informações falsas. Os crimes cometidos pelo governo Bolsonaro estão robustamente tipificados no relatório da CPI da Covid. Crimes cometidos deliberadamente que mataram mais de 600 mil pessoas”, aponta o senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria. O senador Rogério Carvalho (PT-SE), titular da CPI, concorda: “O resultado catastrófico da pandemia no Brasil não ocorreu por inépcia do governo federal, mas por uma ação planejada para estimular a contaminação da população. Um crime doloso”, reitera.

Jean Paul anunciou que o documento será encaminhado ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, logo depois de ser aprovado. “Haja vista a caracterização de crimes contra a humanidade, os documentos também serão remetidos ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista a inação e incapacidade jurídica das autoridades brasileiras na apuração e punição desses crimes”, declarou. Antes disso, o relatório final será encaminhado ao Ministério Público Federal e à Câmara dos Deputados, onde deverá fundamentar um novo pedido de impeachment. 

Por sua atuação durante a pandemia, Bolsonaro foi enquadrado em três tipos de crime contra a humanidade, de acordo com o estabelecido no Estatuto de Roma, cujas diretrizes deram base para a criação do tribunal, em 1998: extermínio, perseguição e atos desumanos que causem sofrimento intencional. O estatuto, do qual o Brasil é signatário, define ainda como crimes contra humanidade homicídio, escravidão, deportação ou transferência forçada de população, agressão sexual, desaparecimento forçado de pessoas, entre outros.

“A pena mínima do presidente da República, somados todos os tipos penais, vai de 51 a 78 anos de prisão, além do impeachment”, explica o advogado Marcos Rogério, assessor jurídico da bancada do PT no Senado, referindo-se aos 12 crimes atribuídos a Bolsonaro que constam do relatório. No caso dos crimes contra a humanidade, ele lembra que os crimes de perseguição e atos desumanos foram cometidos em especial contra as populações indígenas. A pena para esse tipo de crime pode chegar a 30 anos de encarceramento.

Entre os outros crimes, estão epidemia com resultado em morte, prevaricação, incitação ao crime, crime contra a humanidade, emprego irregular de verbas públicas e comunicação falsa de crime. “Mais de 120 mil vidas poderiam ter sido salvas com medidas não farmacológicas, como o distanciamento social”, lamentou Jean Paul. “A transmissão teria sido reduzida em 40%. São as conclusões da CPI da Covid. O relatório aponta os culpados. É preciso agora que sejam punidos”, concluiu.

A lista de indiciados por crimes diversos inclui a cúpula do Ministério da Saúde — o ex-ministro Eduardo Pazuello e o atual, Marcelo Queiroga, além do ex-secretário-executivo Elcio Franco, assim como secretários. Também estão na lista (leia no quadro acima) o ministro da Defesa, General Walter Braga Netto, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, o ex-ministro do Desenvolvimento Social Osmar Terra e o atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), além das empresas Precisa Medicamentos e VTCLog, bem como seus sócios proprietários. Também há outros três deputados federais — todos bolsonaristas: Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Carlos Jordy (PSL-RJ).

 

 

Quem são os acusados

Jair Bolsonaro — O presidente é acusado dos seguintes crimes: epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos), e crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo).

Flávio Bolsonaro — Senador e filho do presidente da República, é acusado de incitação ao crime.

Eduardo Bolsonaro — Deputado federal e filho do presidente, é acusado de incitação ao crime.

Carlos Bolsonaro — Vereador da cidade do Rio de Janeiro e e filho do presidente da República, é acusado de incitação ao crime.

Eduardo Pazuello – Pesam contra o ex-ministro da Saúde as acusações: epidemia com resultado morte, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos).

Marcelo Queiroga — O ministro da Saúde é acusado dos crimes de epidemia com resultado morte e prevaricação.

Onyx Lorenzoni — O ministro do Trabalho é acusado de incitação ao crime e crimes contra a humanidade — nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos.

Ernesto Araújo — Ex-ministro das Relações Exteriores, ele é acusado dos crimes de epidemia com resultado morte e incitação ao crime.

Wagner Rosário – Ministro-chefe da Controladoria Geral da União é acusado de prevaricação.

Braga Netto — Ministro da Defesa e ex-ministro-chefe da Casa Civil, e acusado pelo crime de epidemia com resultado morte.

Fábio Wajngarten – Ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo, é acusado dos crimes de prevaricação e advocacia administrativa.

Élcio Franco — Ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, é acusado dos crimes de epidemia com resultado morte e improbidade administrativa.

Mayra Isabel Pinheiro — Secretária de Gestão do Trabalho, é acusada dos crimes de epidemia com resultado morte, prevaricação e crime contra a humanidade.

Roberto Ferreira Dias — Ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, acusado de corrupção passiva, formação de organização criminosa e improbidade administrativa.

Arthur Weintraub — Ex-assessor da Presidência da República e integrante do “gabinete paralelo”, é acusado de epidemia com resultado morte.

Filipe Martins – Assessor especial para Assuntos Internacionais do presidente da República, é acusado de incitação ao crime.

Técio Arnaud Tomaz – Assessor especial do presidente da República, é acusado de incitação ao crime.

Roberto Goidanich – Ex-presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, é acusado de incitação ao crime.

José Ricardo Santana – Ex-secretário da Anvisa, é acusado por formação de organização criminosa.

Marcelo Blanco da Costa – Ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, é acusado de corrupção ativa.

Airton Antonio Soligo – Ex-assessor especial do Ministério da Saúde, e acusado de usurpação de função.

Bia Kicis (PSL-DF) — Deputada federal. Incitação ao crime.

Carla Zambelli (PSL-SP) — Deputada federal. Incitação ao crime.

Osmar Terra (MDB-RS) — Deputado federal, é acusado pelos crimes de epidemia com resultado morte e incitação ao crime.

Carlos Jordy (PSL-RJ) — Deputado federal. Incitação ao crime.

Ricardo Barros (PP-PR) — Deputado federal e líder do governo na Câmara, é acusado de incitação ao crime, advocacia administrativa, formação de organização criminosa e improbidade administrativa.

Roberto Jefferson – Ex-deputado federal e presidente do PTB, é acusado de disseminar fake news e incitação ao crime.

Além desses, o relatório também pede o indiciamento das empresas Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda e VTCLog. Também são acusados Nise Hitomi Yamaguchi, Carlos Wizard Martins, Paolo Marinho De Andrade Zanotto, Luciano Dias Azevedo, Mauro Luiz de Brito Ribeiro, Allan dos Santos, Paulo de Oliveira Eneas, Luciano Hang, Otávio Oscar Fakhoury, Bernardo Kuster, Oswaldo Eustáquio, Richards Pozzer, Leandro Ruschel, Raimundo Nonato Brasil, Andreia da Silva Lima, Carlos Alberto de Sá, Teresa Cristina Reis de Sá, Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria, Daniella de Aguiar Moreira da Silva, Pedro Benedito Batista Júnior, Paola Werneck, Carla Guerra, Rodrigo Esper, Fernando Oikawa, Daniel Garrido Baena, João Paulo F. Barros, Fernanda de Oliveira Igarashi, Fernando Parrillo, Eduardo Parrillo, Flávio Adsuara Cadegiani, Cristiano Alberto Hossri Carvalho, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, Rafael Francisco Carmo Alves, José Odilon Torres da Silveira Júnior, Emanuela Batista de Souza Medrades, Túlio Silveira, Francisco Emerson Maximiano, Danilo Berndt Trento e Marcos Tolentino da Silva.