Mais uma vez, o Judiciário reafirma cabalmente que o ex-presidente foi alvo de uma perseguição política institucionalizada por parte da Operação Lava Jato. Ele é, sem nenhuma ressalva, inocente

 

A Constituição da República, marco normativo da democracia brasileira, e não por acaso atacada por todas as forças autoritárias em atuação neste país, determina que Lula deve ser tratado e percebido como inocente de todas as acusações feitas contra ele até o presente momento. Não há uma única prova lícita e séria que permita afastar a inocência do Ex-presidente. O que sobra contra ele não passa de ressentimentos, de ódio de classe, de “certezas delirantes” e de lógicas inquisitóriais típicas de quem confunde hipóteses e desejos com a verdade.

Por esses dias, o Poder Judiciário reconheceu mais uma vez a inocência do ex-presidente Lula na última acusação decorrente da autointitulada Operação Lava Jato. Desta feita, a juíza da 9ª Vara Federal de São Paulo, Maria Carolina Ayoub entendeu que “não há elementos mínimos” para dar continuidade à investigação de um alegado tráfico de influência internacional a favor da OAS.

Com isso o Judiciário reafirma cabalmente que o ex-presidente foi alvo de uma perseguição política institucionalizada e que é, sem nenhuma ressalva, inocente. Além disso, dá também à sociedade a oportunidade de aprender e amadurecer sua relação com a justiça a partir do caso, o que dependeria da iniciativa de nossos tradicionais veículos de imprensa.

Embora tenham sido os principais instigadores — e às vezes cúmplices dos abusos — da investigação, além de coautores na confusão da opinião pública, os editoriais de nossos jornalões insistem em manter uma aura de dúvida e desinformação quanto à inocência do ex-(quiçá futuro)-presidente.

Por um lado, esses editoriais insistem em noticiar os arquivamentos de processos e absolvições de Luiz Inácio como fruto de tecnicalidades legais, do encontro de uma “brecha” na imparcialidade de Moro, que teria levado ao reconhecimento da falta de justa causa nos processos pelos tribunais.

Recentemente, um desses editoriais chegou ao ponto de afirmar que Lula ainda teria um fardo a carregar e estaria em dívida com o país. Ou seja, apesar das decisões reconhecendo sua inocência, não estaria livre das consequências da culpa. Apesar da pronta e qualificada resposta publicada por eminentes juristas no artigo “O fardo que a Folha precisa carregar”, ainda resta desfazer algumas confusões técnicas cultivadas no imaginário popular sobre esses processos, a começar pela própria noção de justa causa.

No direito, o conceito diz respeito aos indícios de autoria e materialidade. Ou seja, um mínimo de informação que permita ao poder público afirmar quem é o suspeito de um crime e que crime foi esse. Trata-se de um requisito lógico básico para qualquer acusação — penal ou não. Se alguém praticar um homicídio, há de se ter um corpo. Ou ao menos vestígios dele. Se alguém receber um favorecimento financeiro ilícito, há de se ter um rastro dessa transação.

Para se afirmar que alguém praticou qualquer ato é necessária uma fonte dessa informação: alguém que viu o ato, um vestígio ou uma consequência deixada por ele. Não se trata, portanto, de um conceito distante da discussão sobre a existência do fato (mérito), mas sim de um conceito intrinsecamente ligado a ele. Pois, repita-se, só é possível afirmar a ocorrência de um fato caso se saiba com clareza a fonte de tal informação. Ainda mais se este fato constituir um possível crime.

Em pelo menos sete dos 21 casos vencidos por Lula, faltaram informações suficientes para uma acusação. Faltou a justa causa. E, por isso, foram arquivados – alguns a pedido do acusador.

É verdade que a suspeição de Moro contaminou boa parte das ações, ab initio (desde o início). Mas as decisões definitivas de arquivamento, de uma forma geral, declararam de forma eloquente a ausência de justa causa para o prosseguimento das ações penais.

Vejam que, em três casos, tratando do suposto “quadrilhão do PT”, sequer havia a descrição de um crime, tendo o juízo reconhecido expressamente que as denúncias buscavam a criminalização de atividades tipicamente políticas.

Em outros dois casos, o de instigação à invasão do triplex e o de financiamento supostamente irregular de obras em Angola pelo BNDES, os juízos reconhecem se tratar de denúncias confusas, vagas e imprecisas, não tendo sido o MPF capaz sequer de descrever o crime que elocubrava.

No caso de suposto favorecimento da Carta Capital, a própria Polícia Federal reconheceu o descabimento da hipótese acusatória. No caso de suposto favorecimento do setor automotivo com a MP 471, o Ministério Público Federal reconhece não ter tido provas do fato.

Nos casos decorrentes das delações de Emílio Odebrecht e Alexandrino Alencar, constatou-se que as delações não tinham quaisquer elementos de corroboração. Eram apenas relatos de pessoas acusadas buscando redenção. E as delações de Delcídio do Amaral e de Leo Pinheiro foram reconhecidas como falsas pelo Ministério Público Federal, tendo o último até se retratado no processo.

A parcialidade de Moro foi apenas um dos incontáveis defeitos nos processos, os quais juntos levaram à constatação de que Luiz Inácio Lula da Silva foi incontestavelmente vítima de lawfare – utilização do processo como arma de perseguição – não podendo, pois, ser publicamente tratado como um “não-culpado”, como alguém que, “por sorte”, escapou da prisão.

A maioria esmagadora desses processos foi encerrada na justiça de 1º grau e não no STF.

Assim, é inaceitável falar de “suposta” inocência. É repulsivo afirmar que “isso limpa a ficha eleitoral de Lula, mas sua ficha moral segue suja – em dimensões que extrapolam o âmbito judicial” (Estado de S.Paulo, 20/9/21).

Outra reflexão necessária para o desenvolvimento coletivo é a do status da figura do delator. Somente no caso de Lula pelo menos duas acusações de delatores se revelaram completamente falsas, instigadas e produzidas com o único intento de obter vantagens processuais, se eximir da culpa e permitir que o Ministério Público alcançasse o ex-presidente.

Nesse passo, aliás, acaba de estourar um novo escândalo revelado pelos diálogos da Operação Spoofing: Deltan Dallagnol, em ato de aberta delinquência, escreveu o depoimento assinado pelo delator Pedro Barusco e fez incluir o PT para criar um “fato político”.

Antes de todo o desdobramento atual dos casos, as versões dos delatores foram noticiadas nos mais variados formatos, com infográficos e vídeos, alimentando a indevida credibilidade de suas versões para a sociedade.

Passado o calor do momento, desveladas as mentiras, fica o questionamento ético até agora circunscrito aos corredores da academia: o alcaguete, o x-9, o dedo duro, deve ser convertido à figura de delator, convolando-se o descrédito intuitivo do povo em confiança pública?

Afirmar a inocência de Lula é uma dívida dos veículos de imprensa, que participaram ativamente da construção de sua falsa culpa. Mas, para além disso, é também dever da imprensa contribuir para o amadurecimento da consciência crítica da população quanto aos mecanismos sempre latentes de opressão e injustiça do poder punitivo.

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