Volta às aulas: chegou a hora?
O retorno das aulas presenciais já é realidade em todos os estados país e no Distrito Federal. Algumas unidades da federação têm adotado o modelo híbrido, que mescla a educação presencial com a educação remota, e outros já anunciaram o retorno obrigatório dos alunos para as salas de aula.
A volta às aulas presenciais tem causado apreensão aos alunos, aos pais, aos trabalhadores da educação e à comunidade escolar. Isso porque já são mais de 600 mil brasileiros mortos pela pandemia de Covid-19. O Brasil figura na 60ª posição do ranking de vacinação no ranking proporcional dos países que aplicaram mais doses por habitante, atrás de diversos países vizinhos como Argentina, Cuba, Uruguai Chile, Equador e El Salvador.
Afinal, diante de um governo que negligenciou a condução da pandemia, está ou não está na hora da reabertura das nossas escolas? Para entender um pouco mais do assunto, a Focus Brasil escutou especialistas sobre o tema e trabalhadores da educação.
Ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro defende que os indicadores epidemiológicos das últimas semanas indicam consistentemente uma redução da taxa de transmissão, número de novos casos e o número de óbitos. Isso aponta, segundo a experiência internacional, para a possibilidade do retorno de atividades sociais, dentre elas a volta presencial às aulas. Entretanto, o ex-ministro pondera que é preciso que sejam tomadas medidas concomitantes que possam proteger a vida das pessoas.
“Quando a gente pensa nas escolas, nas universidades, no transporte coletivo, sejam nas peruas escolares, sejam nos ônibus, metrôs, sejam as aglomerações nas portas das escolas, nos pátios, então, é fundamental que esse retorno seja feito da maneira mais programada, mais planejada, mais preparada e protegida possível”, afirma.
Chioro disse que vê, apesar de existir uma clara possibilidade de retorno das atividades, com muita preocupação a forma com que isso vem sendo adotada por governos estaduais e por algumas prefeituras. Segundo o ex-ministro, há um padrão variado de respostas, algumas com maior comprometimento, com maior proteção, mas outras que fazem de maneira pouco qualificada e, portanto, perigosa o retorno às aulas.
Médico sanitarista, Chioro também lamenta que o processo esteja acontecendo com a campanha de vacinação ainda distante da ideal. “O Brasil já poderia ter uma cobertura vacinal, inclusive dos maiores de 12 anos de idade, suficientemente consistente pra que a gente pudesse fazer este movimento com mais segurança”, opina. “Mas olhando para a experiência internacional, diversos países experimentaram com êxito, desde que assumidamente responsáveis ao ponto de retroagir nas medidas, casos voltem a acontecer novos casos”.
Outra preocupação levantada por Chioro é a necessidade de um grande esforço de capacitação da comunidade escolar, de sensibilização dos alunos, de chamamento à responsabilidade. Para ele, quando há um investimento em educação, as crianças e os jovens têm um potencial de transformação, inclusive de hábitos e de costumes dos pais, das famílias e das comunidades “Eu sinto que isso tem sido desprezado. Veja, se vislumbra um retorno das atividades sem um investimento de comunicação de massa, em mídias que as próprias crianças e adolescentes acessam, portanto, se desperdiça uma grande oportunidade”, pontua.
Já o médico Daniel Becker, membro do comitê científico da Prefeitura do Rio de Janeiro para enfrentamento da Covid, criticou o fato de o Brasil ter mantido as escolas fechadas por tanto tempo. Para ele, a reabertura as atividades presenciais deveriam ter ocorrido há um ano.
“O que acontece é que, desde o início, a ciência mostrou que as escolas eram lugares mais seguros que qualquer outro e nós invertemos essa equação”, lamenta. “Deixamos as escolas fechadas e mantivemos outros lugares perigosos abertos, como shoppings, lojas, cabelereiros, academias, restaurantes e bares. Permitimos até festas. O que é mais perigoso para a transmissão foi mantido e as escolas que são as mais seguras foram fechadas”, afirmou.
Becker avalia que os colégios são seguros quando obedecem a protocolos mínimos de segurança, com ventilação adequada, álcool gel e água e sabão nos banheiros, professores e funcionários de máscaras, assim como crianças acima de 2 anos. Outra medida importante seria dividir as turmas para haver um distanciamento maior.
“A ciência mostrou seguidas vezes, de forma praticamente unânime a segurança das escolas. Não existe risco zero, mas a escola é um dos lugares de mais baixo risco e quando você olha para o outro lado da equação, do o que as escolas fechadas provocaram na sociedade brasileira, é uma catástrofe”, alerta. “Vivemos um desastre, um crime que vai provocar consequências durante décadas, que vai trazer prejuízos gravíssimos para essas crianças, como já está sendo demonstrado”, explica.
Por outro lado, os trabalhadores da educação têm demonstrado preocupação com o retorno das aulas presenciais, especialmente em razão da falta de condições adequadas. “Enquanto as escolas estavam fechadas, não fizeram as reformas necessárias para garantir a infraestrutura e nem tão pouco deixá-las um ambiente melhor para o pós-pandemia, com janelas e mais bancas para poder dar o espaço entre os estudantes”, atenta o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo. “Então, como voltar ao 100% do presencial com as salas apertadas, sem ventilação e sem os equipamentos de proteção individual em quantidade suficiente para dar conta do atendimento desse retorno às escolas?”, questiona.
Araújo também afirma que há profissionais com idade avançada, muita gente com comorbidade, outros tantos que convivem com pessoas idosas e que tem doenças crônicas e não podem sair todos os dias de casa. “Não temos equipamentos e nem conexão para fazer um trabalho que atenda a questão presencial, mas também aqueles que não podem ir em atividades presencial”, explica.
Além disso, o sindicalista lembra que, durante a pandemia, houve um projeto de lei aprovado pelo Congresso para assegurar o repasse de R$ 13,5 bilhões a estados e municípios garantirem equipamento e conexão a estudantes e a professores. A medida foi vetada por Jair Bolsonaro. “O Congresso derrubou o veto e, agora, o presidente da República recorreu ao Supremo Tribunal Federal para considerar essa lei inconstitucional”, lamenta.
Dirigente do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa aponta que, na capital federal, com o retorno das aulas presenciais, já há relatos de um caso diário de pessoas infectadas por Covid-19. E que há registros da doença em 120 escolas.
“É uma situação preocupante. As pessoas estão de uma certa forma tratando com naturalidade a pandemia e há a falsa ideia de que está tudo superado. E isso não é verdade”, pondera. “Não temos juventude vacinada e não houve investimentos em recursos tecnológicos para escolas, nem durante o período em que estávamos só nas aulas remotas, nem agora para o retorno”.
Ela cobra recursos do governo do Distrito Federal. “É fundamental, tanto para estudantes quanto para a própria escola ampliar o universo da aprendizagem”, argumenta. Rosilene demonstra ainda preocupação com a evasão escolar, principalmente dos alunos excluídos das aulas virtuais por falta de recursos, e dos alunos da educação de jovens e adultos. Reconheceu, ainda, uma defasagem educacional gerada pela pandemia.
“Nossa enorme preocupação, no momento, é do que será feito de fato para que as sequelas que nós já estamos vivendo, embora a pandemia não tenha encerrado, mas já devido à pandemia”, observa. “Há uma defasagem, infelizmente, por mais que todos tenham se empenhado muito, tanto professores, quanto estudantes e suas famílias. Há um prejuízo e a gente não percebe preocupação por parte dos governantes em investir mais, especialmente neste momento, para que a nossa meninada recupere isso e reduza esse prejuízo”, diz.
No ensino superior, o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), reitor Marcus Vinícius David, diz que as universidades têm consciência dos grandes prejuízos acadêmicos e pedagógicos que o processo de interrupção das atividades presenciais gerou. “Estamos debatendo a possiblidade de retorno dessas atividades para que possamos retomar o padrão de qualidade acadêmico das nossas atividades“, avalia.
Ele pontua que a situação é muito diferente no conjunto das 69 universidades. “Existem universidades que estão nesse processo de retorno gradual um pouco mais avançado, outras com esse processo ainda no início”, explica. “Eu acho que uma característica que é importante destacar é que as universidades estão fazendo isso com todo cuidado, uma preocupação clara com proteção à vida de toda a nossa comunidade, tanto dos trabalhadores e trabalhadoras, quanto dos estudantes, e usando muito esse critério da gradualidade”, argumenta.
De acordo com David, cada universidade tem trabalhado protocolos e planejando a retomada, considerando as condições das suas comunidades e da região em que estão inseridas. Ele recorda que a Andifes organizou um grupo de trabalho que estabeleceu padrões para nortear o retorno das atividades presenciais das universidades, respeitando a autonomia de cada instituição.
O presidente da Andifes criticou duramente o governo Bolsonaro, que promoveu cortes sistemáticos nos orçamentos das universidades. “As perdas orçamentárias desses dois anos só não geraram um caos nas estruturas das universidades justamente porque as universidades estavam operando de forma remota”, diz. “Mas, a partir do momento que iniciam seus processos graduais de retomada de atividades presenciais, essa crise de financiamento ficará muito evidente”. Ele lembra que a volta às aulas presenciais envolve a retomada da utilização de insumos, a execução de pequenas adaptações de espaço e isso está comprometido pelos cortes promovidos pelo MEC nos últimos anos.
Segundo David, sem a recomposição do orçamento e principalmente uma mudança no projeto de lei orçamentária enviado ao Congresso para 2022 pode haver o comprometimento do funcionamento presencial das atividades universitárias já no final de 2021 e a partir de 2022.
Por isso tudo, a avaliação é de que atual situação da pandemia permite o retorno das aulas presenciais, desde que respeitadas as recomendações científicas de controle da expansão vírus. Nas palavras do ex-ministro da Saúde: “É preciso ter coragem de fazer o processo de abertura, retorno das atividades muito seguro, mas também de retroagir, de tomar as medidas que forem necessárias para poder interromper a cadeia de transmissão de casos”.