O Orçamento da União é o principal instrumento econômico do governo, em que estão definidas as ações prioritárias, que afetam a vida da população brasileira. Nele estão previstas as despesas públicas nas áreas da saúde, educação, previdência, assistência social, segurança pública e políticas de proteção social, como o programa Bolsa Família, o seguro-desemprego e o abono salarial. Também estão previstos os investimentos públicos que afetam o crescimento econômico do país.

Uma leitura da proposta de orçamento apresentada pelo governo Bolsonaro para 2022 (PLOA/22) permite afirmar que se trata de mais uma peça de ficção, má-fé ou uma combinação das duas maldades. As inconsistências são de toda ordem e começam por parâmetros básicos e estruturantes da peça orçamentária, como a previsão de inflação ao final de 2021, o valor do salário mínimo e o crescimento real do PIB para o próximo ano.

Nesse quadro, as previsões de inflação de 5,9% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e de 6,2% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), ambos elaborados pelo IBGE, não podem mais ser atingidas nem por milagre. De janeiro a setembro de 2021, os dois índices já superaram a previsão anual. O IPCA acumula alta de 6,90% e, o INPC teve elevação de 1,20% em setembro, acumulando uma elevação de 7,21% no ano.

O INPC corrige a principal despesa do orçamento, os benefícios previdenciários. Um aumento de 1% no INPC significa elevar em R$ 8 bilhões as despesas do Regime Geral de Previdência Social. E tudo indica que o INPC atingirá um percentual acima de 9% ao final de 2021. Nesse cenário mais realista, as despesas com benefícios previdenciários crescerão entre R$ 21 e 24 bilhões em relação ao que foi apresentado no Projeto de Orçamento para 2022.

O aumento do INPC elevará o reajuste nominal do salário-mínimo para cerca de R$ 1.210 e não de R$ 1.169, como está previsto na proposta, com reflexos também no seguro-desemprego e no abono salarial, sem representar, no entanto, nenhum ganho adicional para os trabalhadores.

Com inflação e juros altos, o PIB não deve avançar além de 1,47% no próximo ano, abaixo dos 2,51% projetados pelo governo. Daí que se pode afirmar, sem margem de erro, que a proposta orçamentária do governo para 2022 é muito frágil. Além dessas inconsistências em termos de projeções econômicas, o governo propõe cortes na saúde e educação, e não incluiu recursos para o Auxílio Brasil.

A proposta prevê R$ 111,2 bilhões para o ensino e R$ 134,5 bilhões para saúde. Os valores autorizados em 2021 para ás áreas da educação e saúde alcançam R$ 100,1 bilhões e R$ 178 bilhões, respectivamente. Mesmo usando recursos das emendas parlamentares para consolidar os valores da saúde, ainda assim, em 2022, as verbas serão menores: R$ 43,5 bilhões a menos.

Na saúde, em comparação com anos anteriores, o montante de recursos constantes do PLOA 2022, de R$ 7,1 bilhões, destinado para o enfrentamento da pandemia do Covid, no Ministério da Saúde, corresponde a 17% do valor empenhado em 2020 — R$ 42,17 bilhões — e a 15% do total autorizado até agosto de 2021 para essa finalidade: R$ 47,08 bilhões.

A educação e o sistema de ciência, tecnologia e inovação vêm sendo objeto de um ataque sistemático desde o primeiro dia do governo Bolsonaro. O orçamento agregado dos principais fundos de apoio à pesquisa científica e tecnológica no Brasil — FNDCT, CNPq e CAPES — despencou de R$ 13,97 bilhões, em 2015, para 4,4 bilhões em 2020. Já as universidades e institutos federais vêm sofrendo seguidos cortes orçamentários nos últimos anos, sendo que, em 2021, os investimentos foram cortados em 17,5% e 16,5%, respectivamente.

Para o pagamento do Auxílio Brasil, programa instituído pela Medida Provisória 1.061 em substituição ao Bolsa Família, o PLOA 2022 prevê R$ 34,7 bilhões, com o que se espera atender 14,7 milhões de famílias. Não há previsão, portanto, de aumento de valores ou do aumento de famílias beneficiadas. Ao contrário, a previsão do governo é reduzir em 5,3 milhões as famílias hoje atendidas pelo Bolsa Família.

Fragilizando ainda mais a proposta do Orçamento, o total da despesa decorrente de sentenças judiciais, integralmente contemplado na proposta, é de R$ 89,1 bilhões. Contudo, o Executivo apresentou a PEC 23/2021 com o propósito de alterar a regra de parcelamento dos precatórios de grande valor prevista no parágrafo 20 do artigo 100 da Constituição. Isso vai gerar um calote de R$ 33,5 bilhões em 2022, de acordo com estimativa do governo, não pagando as dívidas já constituídas.

As despesas com investimentos perfazem o total de R$ 122,2 bilhões (1,3% do PIB), sendo R$ 25,7 bilhões nos orçamentos fiscal e da seguridade social e R$ 96,5 bilhões no orçamento de investimento das estatais. Destaque-se que houve redução de 28,2% em relação a 2021, cuja previsão de investimento foi de R$ 170,2 bilhões. É o menor valor histórico.

A proposta do Orçamento 2022 é uma verdadeira catástrofe. Menos investimento, redução de recursos para a saúde, educação e para o combate à pandemia, fim do Auxilio Emergencial e inexistência dos recursos para a ampliação do Bolsa Família, além de promover uma pedalada e aplicar um calote nos precatórios. Isso sem falar que não há previsão de reajuste real do salário mínimo, deixando estagnada a remuneração recebida por grande parte dos trabalhadores.

A cartilha neoliberal, que exige o cumprimento de metas fiscais estabelecidas sem nenhuma aderência à realidade, faz com que o governo construa uma peça de ficção. Essa proposta de má-fé precisa e deve ser alterada pelo Congresso. Cabe ao parlamento garantir a ampliação do Bolsa Família, a recomposição dos recursos da saúde, educação, ciência, tecnologia e inovação, o combate à pandemia e a retomada de investimentos que garantam mais empregos para os brasileiros.

`