O cantor, compositor e instrumentista maranhense Zeca Baleiro vem demonstrando ao longo da carreira um incrível potencial de ressignificação estética. Antes de despontar com a sua singularidade no cantar, Zeca foi interpretado por enorme gama de artistas de destaque no cenário da música popular brasileira: Elba Ramalho, Simone, Gal Costa, Cláudia Leitte, entre muitas e muitos outros.

Agora ele lança um novo disco, Naus, gravado no estúdio da produtora mineira Sonastério, em Nova Lima (MG), junto com outra lenda da MPB: Vinícius Cantuária. A dupla levou praticamente uma semana para finalizar as gravações do álbum, com músicas inéditas, fruto da parceria. E planejam uma turnê por todo o país ainda esse ano. Zeca ainda deve lançar, no início de 2022, um novo disco, feito em parceria com Chico Cesar.

Zeca Baleiro fez da pandemia um período de intensa agitação e trabalho. Engajado e consciente de seu papel como agitador cultural, não se furtou a colocar a mergulhar na música para tocar muitos projetos com amigos e velhos parceiros. Além disso, aproveitou para apoiar causas importantes, como a educação pública, tendo apoiado explicitamente o trabalho da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Engajado, lançou em julho uma canção incorporada à campanha do impeachment de Jair Bolsonaro. Chamada “Desgoverno”, a obra foi composta em parceria com Joãozinho Gomes e tem trechos presentes no abaixo-assinado lançado pelos artistas contra o governo. Ele lamenta na canção que “se pudessem ser enfileirados, os mortos pela covid-19, apenas no Brasil, formariam um inacreditável corredor capaz de cobrir uma vez e meia a distância entre a Terra e a Lua”.

Desde o início da carreira, Zeca se manteve antenado com as angústias do povo e, com bom humor, fez de sua arte um manifesto de consciência política e solidariedade. Como na canção “Telegrama”: “Eu tava triste, tristinho/ Mais sem graça que a top model magrela na passarela/ Eu tava só, sozinho/ Mais solitário que um paulistano/ Que um canastrão na hora que cai o pano/ Tava mais bobo que banda de rock/ Que um palhaço do circo Vostok/ Mas ontem eu recebi um telegrama/ Era você de Aracaju ou do Alabama/ Dizendo: Nêgo, sinta-se feliz/ Porque no mundo tem alguém que diz/ Que muito te ama/ Que tanto te ama/ Que muito, muito te ama”.

Baleiro, um nordestino, andarilho pelo país, passou por Belo Horizonte, Rio e São Paulo, e conseguiu nesta canção  expressar um sentimento latente. que aprisiona aqueles que se retiram das suas regiões de origem para buscar oportunidades em outras localidades e em cuja existência inicial acende uma melancolia e um abandono. “Por isso hoje eu acordei com uma vontade danada de mandar flores ao delegado/ De bater na porta do vizinho e desejar bom dia/ De beijar o português da padaria”.

A versatilidade o levou a gravar um samba de sua autoria – “Samba do Approach, com o carioquíssimo Zeca Pagodinho. Amigo e parceiro do paraibano Chico Cesar, com quem no início da carreira dividiu um apartamento em São Paulo, compôs a belíssima canção “Respira” onde já na primeira estrofe, a dupla demonstra seu desejo de resistir: “Não se entregue não. Ainda tem chão, respira. Sei que falta ar, mas de algum lugar a gente tira”. 

Nesse período pós-pandêmico o maranhense Zeca Baleiro se juntou ao amazonense Vinicius Cantuária para produzir o novo disco. Cantuária ficou conhecido no cenário musical como músico ainda nos anos 70. Foi baterista do pioneiro grupo de rock O Terço e da Banda Atômica, que acompanhava o multi-artista Jorge Mautner. Depois, durante muito tempo, Cantuária tocou como músico de apoio para os baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso.

É de Vinicius a canção “Lua e Estrela”: “Menina do anel de lua e estrela/ Raios de sol/ No céu da cidade/ Brilho da lua/ Noite é bem tarde/ Penso em você/ Fico com saudade/ Manhã chegando/ Luzes morrendo/ Nesse espelho que é nossa cidade”. A canção fez grande sucesso na voz de Caetano Veloso.

Vivendo atualmente nos Estados Unidos, Cantuária raramente vem ao Brasil nos últimos tempos. Mas não teve dúvidas em se juntar a Baleiro para produzir o novo álbum. As coincidências da vida e o respeito mútuo uniu a dupla para lançar esta obra de arte universalista e contemporânea.

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