Está em discussão no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 5/2021, de minha autoria, que altera a estrutura do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Minha ideia original foi bastante modificada na comissão especial criada para analisar o teor da PEC, mas a intenção  de se reformar  o segue firme e precisa ser exposta à sociedade brasileira.

Na última semana, construiu-se uma narrativa de que a PEC enfraqueceria o Ministério Público. Na verdade, a atuação omissa e ineficiente do CNMP é quem tem debilitado a instituição e colocado em dúvida seu papel constitucional. Alguns fatos não admitem contestação e comprovam essa premissa.

O maior escândalo judiciário da história do país, a operação Lava Jato, como reconhecido pelos principais jornais internacionais, só foi revelado ao povo brasileiro após o vazamento de mensagens entre os membros do Ministério Público Federal e o ex-juiz Sérgio Moro.  Quais as punições aplicadas pelo CNMP aos procuradores da República envolvidos nessa orquestração ilícita para destruir empresas, prender inocentes, como o ex-presidente Lula, e interferir nas eleições presidenciais? 

A resposta é tristemente objetiva: praticamente nenhuma.

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, foi ou é parte em 52 processos no CNMP, dos quais 49 são disciplinares, o que significa que poderiam resultar em penas administrativas. De tudo isso, ele só foi punido com uma censura — mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — e uma advertência, suspensa pelo STF. O célebre caso do Power Point, usado para condenar antecipadamente Lula, ficou na pauta do CNMP em mais de 40 ocasiões e só foi julgado quando as penas prescreveram.

Outro célebre procurador da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, aposentou-se quando era processado pelo CNMP. Com isso, escapou de responder por seus atos e hoje presta consultoria a empresas na área anticorrupção. Ele é quem seria o presidente da bilionária Fundação Lava Jato, uma esdrúxula pessoa jurídica de direito privado criada para receber o dinheiro dos acordos de leniência que os procuradores da República de Curitiba negociaram com as empresas envolvidas na operação.

Essa fundação só não avançou graças a decisões do STF, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, que a considerou abusiva e irregular. Muito bem, o próprio ministro já oficiou por várias vezes ao CNMP determinando que fosse investigada a criação dessa fundação. Até hoje, nada foi feito pela Corregedoria do conselho do Ministério Público. Não se trata de uma reclamação ou representação de um cidadão comum. É uma determinação do STF que não foi sequer levada em conta pelo órgão que a PEC 5 deseja reformar.

Outras personagens da Lava Jato permanecem absolutamente livres de qualquer responsabilização. Diogo Castor de Matos, o mais jovem da equipe e ex-estagiário de Deltan Dallagnol, pagou um outdoor com promoção pessoal dos membros da operação, por meio de um laranja, com recursos cuja origem ele não conseguiu comprovar.

O processo disciplinar contra ele está pautado, mas quem acredita em punição? Fosse uma pessoa qualquer, já estaria respondendo a processo criminal. Para Matos e seus colegas, não há qualquer apuração real. Podem até abrir-se processos, mas, após meses ou anos de tramitação, resultam em penas brandas, prescrições ou absolvições escandalosas.

O povo brasileiro não sabe quanto ganham os membros do Ministério Público. E não me refiro a seus subsídios. Estou tratando de penduricalhos como diárias, auxílios-saúde — recentemente regulamentado pelo CNMP, que o tornou obrigatório para todos os membros do Ministério Público —, auxílio-transporte e outras vantagens não divulgadas em portais da transparência.  Quantos promotores ou procuradores hoje efetivamente residem em suas comarcas? Quantos membros da instituição realmente trabalham? Onde estão os controles de produtividade?

O Conselho Nacional do MP poderia ter colocado sob lupa a questão dos promotores e procuradores que dirigem institutos, fundações e associações, muitas delas recebem dinheiro de empresas as quais os membros do Ministério Público fiscalizam e punem. Isso nunca foi feito.

A Corregedoria do CNMP divulgou dados segundo os quais o órgão pune mais do que o Conselho Nacional de Justiça. Esses números precisam ser auditados e vistos no detalhe. Em 2021, por exemplo, o CNMP instaurou 17 processos disciplinares. Quantos resultaram em punição? Nenhum. Em 2020, foram abertos 27 processos disciplinares. Desses, apenas 11 resultaram em condenação. Em toda a história do órgão, de 2005 a 2020, só foram aplicadas 22 penas de demissão para promotores e servidores, considerando o universo atual de 12.915 membros em todo o país. Essas penas mais elevadas alcançaram pouco mais de 0,2% do total de promotores e procuradores. Há algo de muito errado nisso tudo.

A PEC do Conselho Nacional do Ministério Público não é a PEC da Vingança. Ela é a PEC da Transparência. A proposta que introduz maior participação da sociedade no Conselho, por meio do Congresso Nacional. É uma PEC necessária e até mesmo urgente. E permitirá – com uma redação mais equilibrada – a punição daqueles que enfraquecem, envergonham e arruinam o Ministério Público, ao tempo em que servirá aos bons promotores e procuradores para que mostrem o excelente trabalho feito em favor da democracia.

O Congresso é a casa do povo e da democracia. Temos, como disse o grande Ulysses Guimarães, ódio e nojo das ditaduras. Quaisquer que sejam elas.

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