De todas as complexas, incompreensíveis, indecifráveis, complicadas, indescritíveis, automáticas, mecânicas, inenarráveis, inomináveis, imperdoáveis e inexoráveis máquinas que a moderna técnica põe à nossa disposição, o relógio despertador é uma das mais solenemente ineficientes.

De todas as complexas, incompreensíveis, indecifráveis, complicadas, indescritíveis, automáticas, mecânicas, inenarráveis, inomináveis, imperdoáveis e inexoráveis máquinas que a moderna técnica põe à nossa disposição, o relógio despertador é uma das mais solenemente ineficientes.

Porque raramente eu consigo fazer que o despertador me acorde na hora que deve acordar-me. Ora é porque não dei corda suficiente, ora é porque dei corda demais e ela estourou, ora é porque virei ao contrário o ponteiro que marca a hora de acordar, ora é porque me esqueci de mover o botão do “stop” para o “alarm”, ora é porque o despertador não presta. A verdade é que basta eu precisar acordar a uma determinada hora e confiar no despertador, para chegar atrasado, faltar ao encontro, perder o trem, o início da aula, o começo do espetáculo.

A única maneira que considero eficiente de acordar com o despertador é semelhante à única maneira que considero eficiente de atravessar uma rua sem ser atropelado: quando vou atravessar a rua olho para os carros; se eles estão parados é porque, deduzo, o semáforo está vermelho para eles, e, de dedução em dedução, concluo que, se está vermelho para eles, deve estar verde para mim, e como, de acordo com as leis do trânsito, quando está verde para mim eu posso atravessar a rua, então a atravesso. E assim, graças ao meu poder de raciocínio lógico e à minha natural desconfiança das máquinas ?sejam elas automóveis ou semáforos ? eu consigo chegar incólume ao outro lado da rua.

Com o despertador ajo da mesma maneira: se preciso acordar às sete horas da manhã, peço à minha mulher que me acorde às seis e quarenta e cinco. Acordado, aciono o complicado mecanismo do despertador, dou-lhe corda, coloco os ponteiros em posição, verifico se a campainha é sonorosa, e então premo o botão (há sempre, nos dias que correm, um botão a premer.) E aí o despertador, que eu despertei, me acorda.

O mesmo faço com as máquinas de calcular de que porventura devo servir-me. Aciono o botão de predisposição à operação desejada, introduzo o fator na memória, carrego o terceiro totalizador com o produto das duas parcelas iniciais, puxo a manivela de repetição automática com registro do resultado, limpo a memória anterior dos resquícios de operações alheias, aperto a tecla de concordância com a adequação entre o raciocínio e os dados e finalmente peço ? peço em termos de mais botões a apertar ? o resultado da operação. Depois, é claro, desconfiada e sub-repticiamente, refaço a lápis a conta necessária, para ver se a máquina não errou. E ainda tiro os nove fora zero.

Assim é o despertador assim é o semáforo, assim é o automóvel, assim é a máquina de calcular. Máquinas, máquinas, certezas à parte.

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