A idéia havia partido da moça do telefone. “Vamos fazer uma festa de Natal aqui no escritório?”No começo ninguém ligou e ela repetiu a pergunta-insinuação no café, na hora da saída, na fila de ônibus. Afinal conseguiu os primeiros aderentes.

A idéia havia partido da moça do telefone. “Vamos fazer uma festa de Natal aqui no escritório?”No começo ninguém ligou e ela repetiu a pergunta-insinuação no café, na hora da saída, na fila de ônibus. Afinal conseguiu os primeiros aderentes. O rapaz do elevador prometeu ir até a Vila Carrão, onde morava um cunhado, e de lá trazer a árvore de Natal. “Esta parte está resolvida”, pensou a moça do PBX, “agora é preciso pensar nos doces”. Os dias passavam e novas colegas prometiam, uma trazer cocadinhas, outra, brigadeiros. “Para as bebidas é preciso falar com os rapazes”, aventou uma das datilógrafas. E, incapaz de perder alguma oportunidade que se lhe defrontasse de falar com os rapazes, lá foi ela em comissão, juntamente com a arquivista.

Os “rapazes”, como elas os chamavam, não mostraram entusiasmo. Uns estavam pensando em como resolver o problema da festa de Natal em casa, outros pretendiam tirar férias ou licença e desaparecer de vistas por umas semanas. Um deles, que era o encarregado do almoxarifado, lembrou oportunamente: “Mas bebida alcoólica não pode entrar aqui no escritório”. “Não pode por que?”perguntou outro, que era sindicalizado e vivia assinando manifestos. “Não pode porque não pode”, respondeu o almoxarife, cônscio de seu papel de guarda de valores materiais e morais. Resolveu-se comprar uma garrafa de champanhe, que, por ser cara, não iria permitir a cada um mais do que uma dose inofensiva. “E os enfeites?”, lembrou a infatigável telefonista. “E os enfeites?”.

Combinaram-se as colegas e resolveram que uma traria os personagens do presépio, outro bolas coloridas, outro ramos de cipreste. “Algodão para a árvore eu dou”, disse, colaborador, o encarregado do almoxarifado, e, suando, foi ao depósito buscar uma caixa de algodão.

Como essas, outras combinações foram feitas, até que um dia, às vésperas já da festa, a moça do PBX de repente deu um salto. “E os presentes?”. “Que presentes?” “Os presentes, ora essa. Você já viu Natal sem presentes?”. E logo o auxiliar de contabilidade organizou uma lista (“você dá quanto quer, se não quer pagar agora deixa o nome e desconta no ordenado de janeiro”) para a compra dos presentes que seriam distribuídos no dia.

* * *

E o dia afinal chegou. O primeiro grupo a comparecer ao escritório teve de esperar o zelador do prédio abrir a porta, e foi em virtude dessa providencial circunstância que havia um número bastante grande de pessoas para testemunharem o roubo. Não havia sobrado nada: a árvore, os enfeites, a garrafa de champanhe, os doces e salgados trazidos na véspera, os presentes. Algumas moças choraram, os rapazes disseram palavrões, tentaram chamar a polícia, foram reclamar com o zelador. Ninguém descobriu coisa alguma, é claro. Mas durante meses e meses os empregados olhavam-se desconfiados. A moça do telefone, de quem a idéia havia partido, incapaz de suportar a suspeita das colegas, teve de arranjar outro emprego. O ascensorista (“ele podia carregar tudo no elevador e ele tem a chave do prédio”) teve que agüentar duros interrogatórios e piores olhares. O patrão teve uma conversa delicada mas severa com o auxiliar de contabilidade. A imobiliária deu um jeito de substituir o zelador. Mas ninguém descobriu nada. E ninguém jamais descobriu quem, no escritório, tinha mão tão firme e hábil para escrever, a nanquim, em letras góticas, o cartão que haviam deixado no lugar do presépio:

“Feliz Natal”

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