Não, Delmiro, a rua da Jandaia não é bem assim. Mas você chegou perto.

Não, Delmiro, a rua da Jandaia não é bem assim. Mas você chegou perto.

 

Por exemplo, a rua da Jandaia não tem cinema. A rua da Jandaia é uma rua pequena, deve ter uns 200 metros quando muito, fica ali perto do largo de São Francisco, à direita de quem vai da Patagônia para o Yukon. Não tem cinema, portanto, mas tem outras coisas. Sogras, naturalmente. Onde não há sogras? Garotos que ficam jogando bola na rua, isso tem; mas tráfego há quase nenhum. E não há terrenos baldios. Quejandas, muito menos.

Árvores também não há. Isto é, na rua. Mas deve haver algumas, modestas, humildes, dentro de um pequeno quintal apertado entre paredes em ângulo; árvores que não são como as outras, despudoradas, exibindo-se a tudo e a todos na sarjeta: são árvores senhoritas, árvores de família, recatadas, de poucos frutos e perfume ameno, folhagem apenas o suficiente. E principalmente de frutos poucos e raros: deve haver alguma de cereja, outra de abricó, quem sabe até alguma daquelas frutinhas que se comem como as uvas e que me esqueci como se chamam, mas você se lembra.

Mocinhas namorando no portão não deve haver muitas. Ninguém mais namora no portão, hoje em dia. Namora-se na sala da televisão, no cinema, na casa que vende hot-dogs, na porta da loja de discos, no vestíbulo do colégio e em outros lugares mais discretos. O portão ficou reservado para aquelas que perderam a esperança de namorar e não têm senão a rua, os meninos brincando, as vizinhas conversando, alguma estrela caindo e evocando nostalgias frias e tristes.

Não conheço a rua da Jandaia na calada da noite. Aliás não me ficaria bem conhecer na calada da noite qualquer rua que fosse. Mas de manhã cedo, por exemplo, quando há sol (e há sol na rua da Jandaia) fica mais verde a graminha rala e escassa que cresce no chão, no meio da rua, no espaço desprevenido entre as pedras mal-ajustadas, sinal de revolta, sinal de revolta.

Há um muro na rua da Jandaia. Um muro longo e anguloso, inteiriço e hostil, barreira petulante, frustração inexorável. O que haverá atrás do muro? Ninguém sabe. Nada, provavelmente o muro não é para separar, é para interromper, para impedir, para repelir. Mas ninguém sabe.

E, é claro, há os viadutos. Pequenos viadutos, pontes de um lado só, amuradas sem parceiro, elos entre lares, grades que ligam um quarto de dormir de uma adolescente que sonha com voleibol e valsa de formatura a uma sala de visitas de flores murchas onde há um piano e um álbum de retratos. É certo que seria irrecorrivelmente esnobe dizer que a rua Jandaia lembra Montmartre. Mas lembra.

Um dia hei de escrever uma crônica sobre a rua da Jandaia.

*
p.s. Obrigado pela rua da Barra do Chapéu, na Lapa. Dou-lhe de troco: a rua Chemin del Prá, em Santana; a rua Concheta Lafemina, na Penha; a rua Creusa, na Mooca; a rua do Futuro, na Vila Madalena; a rua G, na Saúde; a rua Linda, na Vila Alpina, e a rua Laboriosa, na Vila Madalena; as três ruas do Meio, a rua Pall-Mall, na Vila Londrina; a rua Salta Salta, na Barra Funda, a rua dos Trilhos, a rua do Tanque e a rua do Tango; a rua da Virgem, no Jaçanã; a rua Voltolino, na Mooca; a rua Zero, na Vila Olímpia; e finalmente, a rua Zulmira no Carandiru (do seu colega de baixo, à esquerda de quem desce).

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